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Elas

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Dácio Galvão
[Mestre em Literatura Comparada, doutor em Literatura e Memória Cultural/UFRN e secretário de Cultura de Natal]

Pintando e somando quadros numa linhagem enquadrada na estética primitivista e se valendo de instrumentos mais pigmentos alternativos, Maria do Santíssimo, é artista com acento na história das artes plásticas. Concentrada na temática de galos, pavões, folhagens, florais… fixou certa produção em suportes frágeis. Os papéis utilizados não eram apropriados para absorver produtos -corante anilina, por exemplo- que a técnica intuitiva da artista aplicava. Os artistas Iaponi e Iaperi Araújo foram identificadores e estimuladores desse particularíssimo talento produtivo.   
Maria do Santíssimo (1890-1974) nascida em São Vicente, foi a única mulher riograndense do norte inclusa no contributo modernista montado ano passado na mostra projeto Diversos 22, do Sesc São Paulo. Composto por referências das artes visuais dentro e especialmente fora do eixo Rio-São Paulo. Reuniu brasilidades modernistas excluídas até então do diálogo com as produções canônicas. Momento do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922. Os objetos -três quadros autorais- foram inclusos na mostra “Raio-que-o-parta”. Estavam muitíssimos bem acompanhados figurando na galeria junto aos de Tomie Ohtake, Anita Malfatti, Pagu, Tarsila do Amaral…
A arte de MS já havia ultrapassado fronteiras locais esbarrando no Museu de Arte Moderna-RJ e na Trienal da Pintura primitiva de Bratislava, Tchecoslováquia.
Ser mulher-artista no interior potiguar não é moleza. A prevalência de relações calcadas no patriarcado continua presente no momento. Obviamente se depreende que na primeira metade do século passado elas eram potencialmente mais arraigadas e fortalecidas nas estruturas sociais. E é justamente em contexto adverso que a arte de Santíssima subverte e se supera através do criativo e do simbólico. Atravessa certa lógica sociocultural e termina por se impor como código formador de determinado processo histórico.
As irmãs escultoras Ana e Luzia Dantas conterrâneas de MS marcaram posição singular quando dos talhes na madeira representando suas obras. Esculturas sacras, ex-votos, carros de bois… cenas rurais que fortaleceram na tridimensionalidade escultórica a tradição sertaneja. Conseguiram transpor territórios e se impuseram pelos cortes artísticos na umburana.  Seus volumes e relevos destacaram o sertão do Seridó… Viraram o jogo produtivo da arte em matéria made in Brazil. Criaram objetos e personagens numa perspectiva localizada escoando em mercados externos sem controle: Estados Unidos, Portugal…
O conceito naif ou primitivista expresso por artistas é traço importante na renovação das artes no Brasil. Num artigo de Bruna Della Torre de Carvalho Lima,  a provocação -entre tantas- é pensar o primitivismo sendo linguagem virgem ou uma volta ao sentido pueril. Como sugeriu Oswald de Andrade, no Manifesto da Poesia Pau Brasil: “Nossa época anuncia a volta ao sentido puro. […] Um quadro são linhas e cores. A estatuária são volumes sobre a luz”. 
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