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A antecipação

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Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República

Após alguns anos sem por os pés na França, estou de volta à pátria da Revolução com dois propósitos ostensivos: (i) participar do 2º Encontro Internacional dos Procuradores da República, focado na proteção jurídica dos bens culturais; (ii) e recolher material para, mesclando com as minhas lembranças de quando estudei/morei em Paris, escrever algumas crônicas misturando direito, literatura, cinema, filosofia, livrarias, vinho, cafés e por aí vai, à semelhança do que fiz, neste mesmo espaço, com o Reino Unido e sua capital, Londres, especialmente.

De quebra, claro, devo “turistar” bastante, porque, já dizia aquele escritor americano, “Paris é uma festa”.

Mas antes de pousarmos no aeroporto de Orly, nos dias de preparação da viagem (e a preparação, às vezes, é tão prazerosa quanto a viagem em si), antecipadamente, uma pergunta alvoroçava meu juízo: será que Paris mudou muito desde minha última estada prolongada por lá? As cidades mudam tão rápido hoje em dia. Londres mesmo, para onde fui e voltei um sem número de vezes nos quatro anos de doutorado, sempre reservava uma surpresa toda vez que punha os pés no aeroporto de Heathrow.

Com essa ideia na cabeça, resolvi, nesta segunda crônica escrita de Paris, homenagear um dos mais afamados escritores franceses, Jules Verne (1828-1905), que, com o seu dom único de “antecipar” o futuro, descreveu, de um ponto de vista da metade do século XIX, uma “Paris au XXe siècle” (“Paris no século XX”, livro que foi escrito em 1863, mas, rejeitado pelo editor à época, veio a ser publicado, postumamente, apenas em 1994).

Jules Verne é um escritor dos mais queridos por mim.

Por mais estranho que pareça, o primeiro livro de folego que li em inglês era dele: “Journey to the Center of the Earth”, tradução para o inglês do romance “Voyage au centre de la Terre”, publicado em 1864. “Viagem ao centro da Terra” (esse é o seu título em português) é uma livro de ficção científica ou, como chamam muitos franceses, um “roman d’anticipation”. O ano era 1999. Estudava pela primeira vez na Inglaterra, em Cambridge, mas de passagem para Durham (cidade belíssima, cuja prestigiada universidade, segundo propagado, é a terceira mais antiga do Reino Unido, logo depois de Oxford e Cambridge), onde faria um curso em criminologia como bolsista do British Council.

Em seguida, vieram muito outros títulos de Verne, sempre lidos com muito deleite e devaneios, como, por exemplo, os maravilhosos “Cinco semanas em um balão” (1863) e “A Volta ao mundo em 80 dias” (1873). Teve até um “Vingt mille lieues sous les mers” (título original para “Vinte mil léguas submarinas”), de 1870, que, numa publicação “lecture facile” da editora Hachette, li, trabalhosa mas divertidamente, em francês.

Com suas “Voyages Extraordinaries”, Verne representa um tipo de literatura, transferida para o cinema, que eu adoro. E ele foi tanto precursor quanto mestre “de l’anticipation scientifique”, como explica Jean-Paul Dekiss em “Jules Verne: Le rêve du progrès” (livrinho de uma série maravilhosa da editora Gallimard). Tenho uma paixão diletante, claro, como uma forma de fugir da realidade e instruir-me ao mesmo tempo. Da “littérature d’anticipation” de Jules Verne para “science fiction” de H. G. Wells (1866-1946) e Arthur C. Clark (1917-2008) foi um salto, maravilhado, no infinito. Uma “viagem ao centro da Terra”, fugindo da “guerra dos mundos”, para, no ano 2000 e qualquer coisa, fazer “uma odisseia no espaço”. A ficção científica, além divertir, nos faz entender o presente, nos faz imaginar o futuro. A ficção científica, o mais filosófico dos gêneros literário-cinematográficos (como bem põe Daniel Shaw, em “Film and Philosofy: taking movies seriously”), nos faz pensar e repensar infinitamente (inclusive sobre o Direito, como já registrei, aqui mesmo, na crônica “A ficção científico-jurídica”).

Como disse Jessica Powel em “Literaty Paris: A Guide”, em 1863 não existiam computadores, música eletrônica, elevadores, o metrô, carros ou mesmo luz elétrica nas ruas de Paris. Mas tudo isso existia na mente imaginativa e na Paris do século XX de Jules Verne. Infelizmente, nessa Paris, havia pouco lugar para a imaginação mais lúdica. A Academia Francesa não possuía mais qualquer membro escritor. Bancos haviam substituído os seculares sítios culturais. Os “grands hommes” da França não eram mais os poetas e os filósofos, mas, sim, aqueles que contavam a vida em “gramas e centímetros”. A cidade havia sido completamente transformada, para o bem e para mal, tudo supervisionado pelo “Ministro do Embelezamento”, numa clara alusão ao Barão Houssmann (1809-1891), chefe do Departamento do Sena no 2º Império (precisamente entre 1853 e 1870), sob Napoleão III (1808-1873), alegadamente o homem responsável pela conformação da Paris atual. 

Mas, finalmente, como anda a Paris de hoje? Não tenho a imaginação de Verne. Portanto, não tenho como “antecipar” para vocês tudo o que encontraremos. Estamos pesquisando, caminhando e observando, parando apenas para um vinho razoável ou um bom papo de café. Com tempo, sem pressa, conto tudinho a vocês por aqui.

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