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A caridade e a política

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Pe. Matias Soares
vigário episcopal sul e pároco de São José de Mipibu

A Igreja não é apolítica. Não tem como ser. Ela é o povo de Deus. Eis um princípio que é teológico, mas que não tem como deixar de ser político, na concepção mais honesta do termo. O que ela faz e diz como instituição terá sempre uma conotação política. Sendo assim, não há porque temer esta arte humana da vida em comunidade, mas tendo presente que ela, “a política, tão denegrida, é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum. Temos de nos convencer de que a caridade é o princípio não só das microrrelações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macrorrelações como relacionamentos sociais, econômicos, políticos”, nos ensina o Papa Francisco (Evangelii Gaudium, n. 205). O Sumo Pontífice em vários dos seus pronunciamentos faz esta afirmação, retomando o magistério precedente da Doutrina Social da Igreja.

Esta concepção da política, que, sem dúvida, nos ambientes corrompidos e de paradigmas ideológicos ateus e pragmáticos, não é acolhida e logicamente renegada. Contudo, tem suas razões bem fundamentadas na própria condição humana e que antropologicamente não é e nem nunca será superada. A tradição cristã, tendo como referência primordial a revelação de Deus, em Jesus Cristo, traz a ressignificação da política ao condicionar a relação entre os irmãos ao mandamento do amor oblativo, servidor e promotor da dignidade humana. A vida em comunidade, ou seja, a dimensão política da pessoa é qualificada pela prática da justiça e pela busca do bem comum, desinteressado e livre das estruturas externas e opressivas.

Santo Agostinho, que de modo mais sistemático e amplo formulou uma filosofia política na sua obra a Cidade de Deus, já nas suas Confissões, no Livro Dez, nos oferece o pressuposto antropológico para pensarmos a caridade como fundamento para que as relações humanas possam ser promotoras da justiça e do bem comum. Escreve o Bispo de Hipona: “A caridade, que os torna justos, dir-lhes-á que eu, ao confessar-me, não minto. É ela que os faz acreditar em mim”.

Para Agostinho só o amor é capaz de fazer com que acolhamos a justiça e sejamos por esta justificados. A base da vida em comunidade é a confiança, que é fruto da caridade. Ninguém é capaz de conhecer o outro integralmente. O homem, na vida em comunidade, não pode ser lobo do semelhante, como veremos na filosofia política de Hobbes. Esta concepção particular não pode ser modelo para as relações globais. Por isso, que o Santo João Paulo II lembrou a necessidade da globalização da solidariedade, e não da indiferença, como admoestou o Papa Francisco, em Lampedusa. O Papa Bento XVI, agora emérito, mesmo afirmando que a “justa ordem da sociedade e do Estado é dever central da política, e que esta tem como objetivo intrínseco a consecução da justiça, ensina que “o amor será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa. Não há qualquer ordenamento estatal justo que possa tornar supérfluo o serviço do amor. Quem quer desfazer-se do amor, prepara-se para desfazer-se do ser humano enquanto ser humano” (Deus Caritas est, n. 28).

Por fim, a certeza de que a autêntica experiência de Deus é uma fonte inesgotável e universal duma revolução que só a caridade, a qual não se confunde com uma mera filantropia, pode elevar a política a sua forma sublime de serviço ao outro, na promoção da justiça e da dignidade de todos. Assim o seja!

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