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A cor da pele já não tem tanta influência na adoção

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Jackson Damasceno repórter

O casal de classe alta não consegue ter filhos e decide, após muitas conversas, adotar uma criança. Marido e mulher vão até o fórum, conversam com o secretário da Vara da Infância e da Juventude e expressam decididos e taxativos o que querem: “Queremos adotar um bebê”. Recebem um formulário, preenchem e reafirmam em voz alta o que deixaram escrito: “Tem que ser uma  menina recém-nascida, branquinha, e de olhos claros”.

Há cerca de uma década, esta era a cena mais comum em situações de adoção no país. O biotipo da criança expresso no parágrafo acima representa a preferência de grande parte dos casais. Poucas pessoas se predispunham a adotar uma criança com mais de seis, sete anos. Na verdade, quanto mais nova, maior chance de encontrar pais adotivos.

Os bebês negros ou morenos também estavam fadados   ao cruel destino de crescer sem pais. Situação que era fruto de   tabus da sociedade brasileira, mas principalmente da nódoa de um racismo ainda encravado na nossa cultura, e constatada facilmente por qualquer pessoa que lidava diretamente com adoções.

Mas pouco a pouco tudo isso está mudando. Com o passar dos anos a população brasileira vem quebrando paradigmas e já não são tantas as ressalvas feitas pelos pretendentes. Até mesmo os tipos destes pretendentes foram se modificando e a nova lei de adoção contribui para isso. Os casais de classe alta agora unem-se aos de classe média, a pessoas solteiras e até mesmo casais de homossexuais.

“Há uma década, geralmente o casal adotava uma criança porque  não podia ter filhos. Hoje, grande parte das pessoas que adotam já tem filhos”, conta o juiz Sérgio Maia, há 13 anos titular da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Natal. E felizmente, uma outra característica tem sido facilmente constatada pelos especialistas: boa parte de quem adota já não estabelece preferência pela cor do bebê, o que também acontece em outros estados.

Pesquisa feita no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no ano passado, constatou que no ano de 2005, 49% dos casais exigiam uma criança branca e 21% eram indiferentes a tal requisito. Já em 2009, esse percentual caiu para  36% dos pretendentes  contra 32% faziam essa exigência.

Em Natal atualmente existem 25 crianças aguardando por uma adoção e 80 casais pretendentes. Não há uma pesquisa específica sobre o tipo de preferências definidas pelos casais, mas a mudança de comportamento é confirmado pelos que têm contato direto com o processo. “É um processo cultural, que vem mudando de geração em geração. Com o passar do tempo tudo vem mudando”, explicou o juiz Sérgio Maia.

Segundo ele, alguns pais ainda ficam receosos de enfrentarem o crivo da sociedade. Algumas pessoas ou instituições, de fato, não mantêm o mesmo comportamento diante de um casal de brancos com um filho negro. “Isso é discriminação, pura discriminação”, ressaltou o magistrado.

Mas a adoção interracial tem sido cada vez mais comum na comarca de Natal, o que possibilita uma maior rapidez no processo. Com o não estabelecimento de preferência sobre a cor da pele, é muito mais fácil o cruzamento entre uma criança que esteja aguardando uma família e os pais que estejam procurando. Por outro lado, o casal que exija uma criança recém-nascida, menina e loirinha vai esperar muito mais. Tanto porque vai demorar a aparecer, como pelo fato de ter que aguardar sua vez na fila.

Os tabus vêm sendo quebrados sob outras perspectivas. Segundo o juiz Sérgio Maia, em mais de uma oportunidade, um casal comparece à 2ª Vara procurando uma criança com problemas de saúde ou portadora de alguma síndrome. “Já tivemos casos em que as pessoas fazem questão de adotar uma criança com o vírus HIV”.

O preconceito e o conservadorismo da nossa sociedade foram derrubados também em uma de suas faces mais duras e repressivas: contra as adoções feitas por casais de homossexuais, chamadas adoções homoafetivas. O juiz Sérgio Maia já homologou dois processos deste tipo, exatamente os únicos solicitados. “O que importa para a Justiça é o bem-estar da criança. E foi exatamente isso que foi constatado nos dois casos”.

Desde que Sérgio Maia começou a trabalhar na Vara da Infância não houve qualquer caso de arrependimento ou desistência dos pais adotivos. “Acontece durante o processo, depois da adoção efetivada nunca aconteceu”. Em tempo, se um pai ou mãe adotivos passarem a tratar o novo filho de forma discriminatória ou maltratá-lo, cometerá crime de abandono e poderá responder cível e criminalmente. O filho adotivo tem exatamente todos os direitos do biológico. “Nas veias dos pais não corre o mesmo sangue, mas deve correr o amor”, diz o juiz Sérgio Maia. 

Idade da criança ainda é um tabu

A Ong Acalanto existe há quase 15 anos, atuando na área de adoções, orientando pais pretendentes e facilitando os caminhos para que os processos sejam iniciados. Mas antes tenta fazer com que os pais adotem seus próprios filhos. 

“Primeiro fazemos de tudo e procuramos meios para que eles desistam de dar os seus filhos”, disse Marcos Fernandes,  um dos voluntários que trabalham na Acalanto. Ele mesmo tem quatro filhos, dois deles através de adoções. Atuando na Ong desde a fundação, o voluntário estima, de acordo com a realidade que vivencia, que somente 20% dos pretendentes hoje em dia optam por preferências em relação às características da criança.

“Antigamente esse percentual era bem maior. Hoje a maior parte das pessoas querem adotar uma criança independente de como ela seja”, afirmou Marcos. Porém, apesar de também estar diminuindo, ainda é mantido o tabu sobre adoções de crianças mais velhas, chamadas adoções tardias. Se a criança completar sete, oito anos, começa a cair bastante a possibilidade de ela ser adotada.

Fernandes concorda com o juiz Sérgio Maia sobre a ajuda da mídia na quebra do paradigma da preferência sobre crianças brancas. “As pessoas vêm percebendo que sangue é tudo da mesma cor”. Para ele, tanto a imprensa como a dramaturgia vem colaborando na conscientização da sociedade como um todo. E cita a novela da Globo “Viver a Vida”, em que uma jovem é filha adotada entre outras duas irmãs biológicas. A moça, de pele morena faz parte de uma família rica e é a mais meiga e inteligente das irmãs.

Por outro lado, mesmo que em menor proporção, o preconceito ainda resiste em alguns casos, chegando a exemplos absurdos. Marcos conta a história de uma senhora que chegou até a Acalanto e logo depois fez a adoção de uma criança branca, de cabelos lisos. Com o passar do tempo, os cabelos da menina começaram a encrespar e a mãe voltou à Ong para se queixar.

“Ela falou isso numa reunião. Mas depois nós conversamos com ela e tudo se resolveu”, disse Marcos. Problemas com rejeição ou outros tipos na criação da criança também são motivo para preocupação dos voluntários da Acalanto. Eles preparam os pretendentes para que saibam educar os filhos. Sem descarregar sobre eles a frustração da infertilidade do casal, ou o contrário, tratar o filho adotado com proteção demais, como uma forma de compensação.

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