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“A desigualdade, dentro do Nordeste, continua crescendo”

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Andrielle Mendes – Repórter

O Nordeste cresceu na última década, até mais do que o país. O que muitos não sabem é que apesar de ter reduzido o abismo que o separava de outras regiões, o Nordeste – que ainda concentra mais da metade dos analfabetos e extremamente pobres do país – aumentou o abismo dentro do próprio território. Sem uma política de desenvolvimento regional eficaz, a desigualdade intrarregional aumentará ainda mais, alerta o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo o Instituto, é para Bahia, Pernambuco e Ceará – os três mais desenvolvidos – que vão 60% dos fundos constitucionais da região – 20% para cada, se os recursos fossem repartidos de forma igualitária ao menos entre eles. Os outros seis estados repartem entre si os 40% restantes – o que dá 6,6% para cada. É assim que estados como Pernambuco conseguem se desenvolver mais do que estados como o Rio Grande do Norte. Reduzir as desigualdades é extremamente difícil, mas possível, acredita Carlos Wagner, coordenador de Estudos Regionais do Ipea, que concedeu entrevista à TRIBUNA DO NORTE durante a Conferência Estadual de Desenvolvimento Regional do Rio Grande do Norte, realizada na semana passada em Natal. Carlos Wagner falou sobre financiamento e sentenciou: recurso para financiar o desenvolvimento do Nordeste existe, o que falta é planejamento.
ENTREVISTA/ Carlos Wagner Albuquerque de Oliveira/ coordenador de Estudos Regionais do IPEA
O senhor proferiu uma palestra sobre financiamento para o desenvolvimento regional. Como financiar o desenvolvimento do Nordeste?
Há várias formas. Uma delas é recorrer aos fundos constitucionais destinados ao Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Deve existir em carteira algo em torno de R$ 35 bilhões. Deste total, R$ 18 bilhões foram utilizados. Ainda há recursos disponíveis.

Por que sobra dinheiro? O acesso é difícil? Faltam projetos?
Quem pode responder melhor esta pergunta são os bancos, mas há algumas especulações. E a principal delas é a ausência de projetos. O problema não é a taxa de juros, que é muito atrativa. O problema pode ser os projetos que não atendem aos requisitos.

O senhor disse que há cerca de R$ 35 bilhões em carteira (disponíveis para financiamento). Este volume de recursos é suficiente para toda a região?
Não diria que é suficiente para aproximar o Nordeste de outras regiões mais desenvolvidas. Mas mesmo não sendo suficiente, este volume não está sendo utilizado.

Daria para dizer de quanto a região precisa para crescer de forma sustentável?
É difícil chegar a esse número. Não dá para dizer ‘precisamos de ‘x’ recursos’. Na verdade, o que a gente precisa é de uma estratégia bem definida. Saber que setores precisam ser incentivados. Mais do que estimar um número, talvez fosse importante elaborar uma estratégia de desenvolvimento. Um planejamento de longo prazo que desse conta de todas as necessidades.

O Nordeste cresce mais do que outras regiões, segundo estudos. A falta de planejamento levou a região a subestimar seu potencial e seus gargalos e assim não se preparar para crescer?
Esse crescimento acima da média se deve a dois fatores: a política de transferência de renda do governo federal – que gerou uma dinâmica econômica mais acelerada no Nordeste, que era carente de tudo – e o aumento real no salário mínimo. Como a maior parte dos pobres vive no Nordeste, o aumento teve um impacto significativo na renda da região. Alguns analistas dizem que esse crescimento tem fôlego curto. Que ele não é sustentável. Isso porque se trata de uma economia sem produção. Que vive à base da transferência de recursos e que se orienta para o consumo de bens não duráveis. Para tornar o crescimento sustentável, é preciso atrair indústrias. Aquela história de ‘a gente precisa valorizar o potencial da região’ é importante, mas não é suficiente. Se a gente se limitar a isso, o Nordeste vai passar sua história produzindo roupas. E a gente vê o impacto dos produtos chineses neste setor. Não é por aí. A gente precisa quebrar este padrão. O Nordeste tem condições de atrair indústrias com tecnologia de ponta.

Só investir na vocação não basta?
Não. A vocação não é suficiente para tirar o Nordeste desta armadilha de pobreza.

Vemos Estados como Bahia, Ceará e Pernambuco atraindo muitas indústrias com tecnologia de ponta. O RN não. Estados considerados mais atrasados vão continuar crescendo menos?
Na verdade, isso coloca a importância de uma política coordenada nacionalmente. Quando a gente fala em política de atração de indústria, a primeira coisa que vem à cabeça é a guerra fiscal. Isso não resolve. Na realidade, é o que chamamos de um jogo de soma zero. O que um estado ganha o outro perde. Talvez no curto prazo, até consiga um melhor desempenho da economia local, mas o caminho não é esse. A história já mostrou isso. Não são disputas estaduais que solucionam este problema, mas uma política de desenvolvimento regional com coordenação nacional. É a partir dessa coordenação que se enxerga os gargalos e potencialidades de cada estado e investe-se em cada região de forma objetiva, sem disputar recursos. O plano poderia orientar a instalação de uma indústria no Ceará que beneficiasse ao mesmo tempo Pernambuco. A mesma coisa poderia ser no Rio Grande do Norte. Ao invés de ser no Ceará poderia ser no RN. Citei Ceará, mas poderia ser em qualquer outro lugar.

O Brasil se tornou, em 2011, a sexta maior economia global, mas ainda é um dos países mais desiguais do globo. Por que essa conta não fecha?
O país é a sexta economia porque é um país grande em termos populacionais e rico em recursos naturais. Mas é um país rico habitado por pessoas pobres, alguém disse certa vez, como a China. O tamanho do Brasil nos coloca nesta posição. Mas há uma questão muito delicada que é a distribuição de renda. Temos dois problemas no Brasil: a distribuição de renda inter-regional – temos regiões ricas (Sul e Sudeste) e regiões pobres – e a distribuição pessoal de renda. Mesmo no Nordeste, que é uma região pobre, há pessoas muito ricas. A região tem uma parcela pequena da produção nacional e essa parcela é concentrada nas mãos de poucos. É por isso que a conta não fecha.
ENTREVISTA/ Carlos Wagner Albuquerque de Oliveira/ coordenador de Estudos Regionais do IPEA
O crescimento verificado no Nordeste pode reduzir ou aumentar a concentração de renda dentro da região?
Alguns estudos têm mostrado que, em relação à média nacional, a região tem melhorado. Mas dentro da região esta disparidade tem aumentado. Grande parte dos recursos dos fundos constitucionais do Congresso vai para os estados mais desenvolvidos: Bahia, Ceará e Pernambuco. Quase 60% deste recurso vão para lá. [Os 40% restantes são divididos entre os outros seis estados nordestinos, entre eles, o RN]. Se a gente for olhar, a desigualdade dentro da região continua crescendo.

Dá para mudar este cenário?
Sim, sim.

É difícil?
É complexo, porque envolve uma quantidade enorme de variantes e de agentes. Mas é factível. Até 1970, existiam grandes planos de desenvolvimento nacional, executados pelo governo militar. Isso trouxe um crescimento bastante acelerado para o país, mas foi um crescimento concentrado. Os anos 80 foram anos de recessão e de baixo crescimento econômico. Houve desconcentração, mas essa desconcentração não foi boa, porque a economia estava desacelerando. A proposta dos economistas e dos formuladores de políticas na época era controlar a inflação. Então o Brasil concentrou os esforços nesta área. A inflação foi controlada e não retomamos os grandes projetos de desenvolvimento nacional. Perdemos o hábito de planejar. A gente precisa retomar este hábito. Acredito que a saída para a redução da desigualdade é elaborar um planejamento que contemple o desenvolvimento das regiões dinâmicas e também das mais atrasadas. Mais do que um planejamento, é necessária a definição de estratégias de desenvolvimento. Estratégias que variam de região para região. E só dá para fazer isso com planejamento.

É aí que entra a Política Nacional de Desenvolvimento Regional, que está sendo atualizada este ano e foi tema da conferência realizada em Natal?
Isso.

Ela vem preencher esta lacuna?
Ela deveria preencher. Foi elaborada para isso. Se conseguirá ou não, ainda não dá para saber.

O Governo Federal decidiu fazer diferente desta vez e está elaborando a política nacional ouvindo os Estados…
Isso mesmo. A ideia é construir uma política que não seja uma imposição do governo federal nem uma política pontual. O que se busca é uma combinação de uma política de cima para baixo e de baixo para cima.

A Política Nacional foi elaborada em 2003, mas segundo relatório do IPEA, não conseguiu produzir um consenso que proporcionasse um salto no desenvolvimento regional…
Não conseguiu.

O que faz vocês pensarem que agora será diferente?
A gente tem que ser otimista (risos). Produzir um consenso é difícil, porque envolve a coordenação de ministérios, gestores estaduais, gestores municipais. Coloca-se dentro de um mesmo plano diversos interesses – algumas vezes conflitantes. Convencer um gestor de que é melhor aplicar aquele investimento no estado vizinho é complicado. Quando digo: ‘é difícil’, é porque não há segurança de que fazer essa coordenação seja possível. Tem que ter muito jogo de cintura, muito trabalho, muita gente, coisa que o Ministério da Integração não tem.

Segundo o resumo executivo da conferência estadual no RN, Ciência, Tecnologia e Inovação podem ajudar as regiões atrasadas a crescerem de forma sustentável. De que forma, considerando que o Nordeste concentra a maioria dos extremamente pobres e analfabetos do país?
A grande dificuldade é trazer e manter grandes pesquisadores e empresas inovadoras. Para isso é necessário destinar mais recursos para pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias e para abertura e manutenção de institutos públicos de pesquisa. Precisamos investir tanto em capital físico, quanto em capital humano, formação de bons profissionais e bons pesquisadores. Acredito que o governo federal tenha capacidade financeira para isso.

O caminho é por aí, mas como inserir os nordestinos’ marginalizados’ neste processo?
A gente tem que admitir que… (pausa)

Que não vai dar para fazer isso?
Não dá para inserir todo mundo. É preciso, entretanto, permitir que todos tenham acesso a oportunidades. A Política Nacional de Desenvolvimento Regional percebe isso. Tanto é que o objetivo dessa nova proposta não é só a redução das desigualdades. Mas a inclusão social. E isso só se faz com investimento em educação. A educação não é suficiente para o desenvolvimento, mas é necessária. Só educação não resolve. Ela precisa vir acompanhada de outros fatores para promover o desenvolvimento.

A imagem que se passava do Nordeste era que a região oferecia poucas oportunidades. Isso parece ter mudado nos últimos anos. Essas oportunidades serão aproveitadas por nordestinos?
De fato, os empregos que exigem maior qualificação estão sendo ocupados por pessoas de fora.

O Ipea considera o casamento entre crescimento econômico e redução das desigualdades sociais – verificado mais recentemente – um fato inédito. Esse movimento é sustentável?
Sim. Na década de 80, um ministro dizia que o bolo precisava crescer para depois ser repartido. Ainda bem que este pensamento saiu de moda. Estudos demonstram que o crescimento com distribuição de renda é um crescimento mais robusto e mais sustentável. Não só porque é mais justo, mas porque torna a economia mais dinâmica.

Isso deverá se manter então? Ou o Brasil vai colocar na cabeça que dá para crescer sem reduzir as desigualdades?
A proposta é crescer com distribuição. Tanto que faz parte do documento da Política Nacional de Desenvolvimento Regional o desenvolvimento regional inclusivo. Dificilmente esta tendência será revertida. Hoje, os formuladores de política já tem segurança em relação a isso. A sociedade também está mais organizada. Não aceita qualquer tipo de política.

Segundo o Ipea, o Nordeste não consegue aumentar sua participação no PIB – em torno de 13%, com algumas oscilações – desde a década de 50. Com todo este crescimento verificado na região, o Nordeste conseguirá aumentar sua participação no PIB?
Tudo dependerá de como os investimentos serão orientados. Agora tem um agravante, que pode acabar reduzindo a participação do Nordeste no PIB nacional. O pré-sal está atraindo grande parte dos investimentos. Há pesquisadores, inclusive do Nordeste, dizendo que haverá um redirecionamento dos investimentos. Isso pode acabar agravando essas desigualdades. É possível que isso aconteça. Na verdade, é bem provável que aconteça. Cabe aos governos estaduais e municipais tentarem compensar esta tendência natural de investimento. Não se pode bloquear isso, porque o país precisa crescer. Mas se pode compensar.

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