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“A desmaterialização é um fato consumado”

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A Política Nacional de Resíduos Sólidos no Brasil só vai ocorrer efetivamente com a união entre indústria, município, transportes, comércio e população. A opinião é do gerente executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Shelley de Souza Carneiro. Ele diz que as indústrias estão trabalhando muito para usar, cada vez menos, matéria-prima para produzir o mesmo produto e com mais eficiência e defende que a desmaterialização dos processo já é fato consumado. Eis a entrevista concedida à TRIBUNA DO NORTE, logo após sua palestra no Seminário Motores do Desenvolvimento, ocorrido no último dia 19, no auditório da Fiern.
Shelley de Souza diz que implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos  depende da união entre indústria, município, transportes, comércio e população
A implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) é uma utopia ou é um conjunto de leis viáveis e em fase de implementação?
Não, ela não é utópica. Ela é uma coisa real já, mas que vai demorar um tempo para a gente colocar em prática. Não se faz uma mudança dentro do segmento da indústria da noite para o dia. Isso tudo está interligado, não adianta. É um círculo que funciona totalmente coordenado. Se um elo dessa cadeia funciona mal, vai acontecer problema em toda a cadeia que interligada. Um exemplo: o custo por reciclador. Se o catador não funciona bem e o custo com ele é maior, por falta de treinamento, falta de máquina, falta de apoio dos municípios, isso vai afetar o preço do produto do reciclador e o preço que ele vai vender para o transformador que é a indústria que vai comprar o material a ser reciclado. A reutilização também de elementos é um fator que tem desenvolvido muito no mundo inteiro. Há uma preocupação internacional com alguns segmentos, principalmente. Tanto é que nós estamos trabalhando com alguns segmentos setorialmente. Seis segmentos estão sendo tratados hoje, de uma maneira totalmente compartilhada. Não é um trabalho fácil, existe ainda muitas dificuldades de você interagir as ideias que existem e interesses totalmente desconexos com outros que estão procurando se integrar através do diálogo, da negociação e através da participação muito grande de todas as instituições que estão nesse processo. Mas é um processo a médio e longo prazo. Alguns mais rápidos, porque já avançaram. O caso do óleo, por exemplo, que é usado na indústria. É um caso que eu acho que será mais rápido porque até 60% do óleo usado na indústria brasileira já é reciclado, refinado e reutilizado. Então é questão de adaptar preço, custo, adaptar as indústrias nesse processo, não é tão difícil. Mas nós temos muitos problemas com outros que ainda não começaram e vão ter que começar todo um processo de desenvolvimento de sistema, de desenvolvimento de trabalho interacional entre as cadeias, para que elas possam interagir. Eu não tenho dúvida, esse é um processo que só vai acontecer se tiver união entre indústria, município, transportes, comércio e população que fazem parte dessa cadeia e vão baratear o projeto de logística reversa, por exemplo, que é você retornar o produto que era resíduo e desperdício para o o fluxo normal da empresa. Isso só vai funcionar se nós tivermos essa integração.

Em quais pontos o Brasil evoluiu, ao longo dos anos, em relação à PNRS?
 As tecnologias desenvolvidas nos últimos dez anos foram muito grandes. Acho que a tecnologia está procurando hoje alguns caminhos. Por exemplo: a desmaterialização é um fato consumado. Você usar, cada vez menos, matéria-prima para produzir o mesmo produto com mais eficiência. Isso está sendo desenvolvido muito pela tecnologia. O aumento populacional, a manutenção das nossas necessidades por meios materiais, o nosso bem-estar que está agregado a isso, o aumento da população no mundo, muitas vezes a escassez de certos produtos, faz com que a população passe a pensar muito nesse processo. Daqui a 20 anos, como é que vai ser? Eu vou ter esse produto? Porque não é acabar com o produto no mundo, é você rarefazer esse produto no mundo e o preço subir. São questões de preço, questões de poder comungar esses preços que existem hoje com os preços futuros. Eu acho que nós temos um desenvolvimento em tecnologia e uma preocupação muito grande. A indústria automobilística nos mostra isso todos os dias, procurando equipamentos adaptados ao motor Otto ou a outros motores que poderão ser elétricos que serão colocados, motores mais compactos, mais eficientes, mais potentes, como é o que eles estão fazendo. Estamos começando a usar melhor os produtos, a procurar mais densos, mais leves, é só você olhar para trás e verificar como era o seu celular há dez anos, que era um tijolinho, e observar o tamanho dos celulares hoje. A tendência é a minimização de bens e produtos. Há também um processo na área de economização de energia, que entra na área de resíduos. Há também um aproveitamento na área dos produtos. Hoje se consegue uma transmissão de informação num sistema de cabo de fibra de vidro 40 vezes superior ao que era o cobre antigamente. Se estivesse sendo usado o cobre na mesma proporção de antigamente, não se teria cobre para rodar o mundo várias vezes como é com a fibra de vidro, que vem da argila e as fontes são muitas. Existem coisas que vão sendo trocadas, modificadas. O mundo tem que estar atento, mexendo, modificando. Como reciclar? Como fazer com que determinados produtos não sejam jogados fora? O desperdício é um tipo de poluição que a gente deve coibir através de metas econômicas, sociais e ambientais adequadas.

A correta aplicação da PNRS depende de uma cooperação entre municípios e associações de catadores?
Sem dúvida alguma. As cooperativas, no Brasil, estão começando agora. Os catadores, que de outras formas viviam do lixo, hoje começam a se operacionalizar. Estamos começando a criar o profissional, o catador, irá utilizar suas cooperativas para se profissionalizar. Isso é uma coisa muito nova. Há uma proposta hoje da Coalizão, que é triplicar esse processo, principalmente das cooperativas no Brasil que é justamente para dignificar o projeto, para que o catador se sinta um profissional e ganhe dinheiro com o seu trabalho. Ao mesmo tempo, nós não podemos esquecer de que os catadores precisam ser treinados, desenvolvidos, que é todo um trabalho do Estado.

Os Estados têm consciência de que é possível gerar renda a partir do lixo ou ainda precisam ter qualificação, aprendizado?
É necessário um certo aprendizado, é necessário crescer. Não é uma coisa da noite para o dia. Os Entes tem consciência de que tudo isso são oportunidades, que podem gerar renda, uma mão de obra mais qualificada e profissional ao longo do tempo, trabalhar essas cadeias de uma forma profissional. Isso tudo é possível e está sendo feito pelo Governo (Federal), através de incentivos e um treinamento mais adequado. Mas nada é da noite para o dia. Quando se tem um processo que funciona, para você mudar a cultura e o comportamento, não se faz da noite para o dia. É um processo que nós temos que trabalhar muito, acreditar nele e colocar em funcionamento ao longo do tempo. O próprio catador que faz a triagem do material, que faz a coleta seletiva, irá ter oportunidade. O catador poderá mudar muito seu trabalho com técnica e oportunidades de demanda e oferta como um negócio como qualquer outro.

Além dos aspectos econômicos, existe também a parte social envolvida nesse processo de sustentabilidade. As empresas se preocupam com isso?
A Indústria tem participado muito. Seja direta ou indiretamente, através dos trabalhos que são feitos pelo Senai, de apoio ao treinamento dessas pessoas em vários Estados. De uma certa forma, nós temos que lembrar que os empresários e o reciclador, que é um empresário também, se essa rede não funciona, eles não funcionam. Se você tiver um custo de reciclagem de matéria-prima que for maior que o custo da matéria-prima que você compra hoje, você irá continuar comprando sua matéria-prima e não o produto reciclado. Aí você mata o reciclador. Mata toda a cadeia. É preciso enxergar isso como um todo, como um negócio como um todo. A gente precisa trabalhar, primordialmente, a gestão. Por isso que o sistema é integrado e é preciso que haja um trabalho para que essa integração seja eficiente.

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