sábado, 11 de maio, 2024
26.1 C
Natal
sábado, 11 de maio, 2024

A era Mubarak não está encerrada

- Publicidade -

Por André Lachini – Agência Estado

A disputa eleitoral no Egito, que terá o segundo turno das eleições presidenciais em 16 e 17 de junho, poderá significar uma continuidade do antigo regime de Hosni Mubarak, caso vença o candidato Ahmed Shafiq, ou poderá significar uma mudança para um poder diferente, se vencer Mohammed Mursi, o candidato da Irmandade Muçulmana. O que os analistas políticos concordam é que a transição do Egito para um sistema democrático será turbulenta. Mubarak, derrubado pela revolta popular de fevereiro do ano passado, deixou a economia do país em frangalhos – o Egito é um país com 81 milhões de habitantes e uma renda per capita de US$ 2.400, muito baixa até para padrões árabes. Os grupos políticos também possuem pouca tradição de diálogo e concessões, essenciais para a construção de uma sociedade democrática e pluralista.
Ahmed Shafiq, ex-ministro no governo do general Hosni Mubarak, é a opção de um governo laico, mas com raízes no antigo regime
“As dificuldades são enormes. O Egito é um país paupérrimo. Os 30 anos de Mubarak destruíram a economia”, diz o professor de relações internacionais Murched Taha, do Instituto de Cultura Árabe, em São Paulo. Taha qualifica Shafiq como o candidato da junta militar, das classes dominantes e da classe média. Ele não acredita em uma vitória de Shafiq, que no primeiro turno obteve 5,5 milhões de votos (23,6% do total). “Se Shafiq vencer, o desfecho político da revolução no Egito será mais parecido com o do Iêmen: muda o presidente, mas o sistema continua o mesmo”. Ele acredita que, no caso da vitória de Mursi, a Irmandade Muçulmana terá que negociar com outros grupos para governar.

“São dois cenários. A Irmandade terá que compor com outros candidatos, inclusive seculares. O Mursi deverá nomear um primeiro-ministro e dois vice-presidentes da oposição secular”, acredita. Mas existe o risco de a Irmandade bater de frente com os militares.

“Se ganhar o Shafiq, a transição política será mais fácil. Haverá uma concentração menor dos poderes, porque a Irmandade já controla o Parlamento”, diz o professor de resolução de conflitos internacionais, Heni Ozi Cukier, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).  “O Egito no momento é um país dividido meio a meio. É um cenário pior que o da Tunísia. A sociedade egípcia é maior e mais complexa que a tunisiana e tem, ao mesmo tempo, poucas instituições”, diz Cukier. Ele acredita que, vença Shafiq ou Mursi, a situação continuará turbulenta, com conflitos sectários entre os muçulmanos e a minoria cristã copta (10% da população), criminalidade alta, protestos políticos violentos e economia em declínio. “Os coptas morrem de medo da Irmandade Muçulmana. Os seculares também temem os islamitas”, diz.

Para Taha, o cenário pior seria uma vitória de Shafiq, não de Mursi. “A Irmandade terá o apoio dos cristãos se ela aceitar um plano de trabalho para que o Egito seja um Estado laico. Nesse caso, seria um cenário semelhante ao da Tunísia e ao da Turquia”, diz Taha. “A Irmandade terá que assumir um compromisso  Ela mostrou despreparo, quando disse que não teria candidato e depois mudou de ideia”, afirma. Ele acredita que Mursi “está aberto ao diálogo”.

No dia 29 de maio, Mursi prometeu em entrevista coletiva preservar os direitos da minoria cristã e das mulheres se for eleito. “Nossos irmãos cristãos são nossos parceiros. Eles terão direitos plenos, iguais aos dos muçulmanos. As mulheres têm o direito de se vestirem livremente, como bem entenderem”, disse ele.

A agência de classificação de crédito Fitch Ratings alertou no dia 28 de maio que as tensões políticas, mesmo após a posse do novo presidente, poderão adiar o reinício das negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), para o qual o Egito pede um empréstimo de US$ 3,2 bilhões. Sessenta por cento da população egípcia vive abaixo da linha da pobreza ou perto dela. Para fechar as contas do orçamento de 2011, já vencido, o governo precisou pedir um empréstimo de US$ 100 milhões aos militares, que na visão de alguns analistas são o setor mais organizado da sociedade egípcia.

“O Egito foi governado pelos militares por 60 anos e parece que os militares não estão prontos para deixar as coisas mudarem. A revolução contra Mubarak teve tanto apoio porque o Egito era um país onde uma minoria se beneficiava e a maioria luta apenas para sobreviver”, escreveu o jornalista Jamal Eishayal, da emissora de televisão Al Jazeera, do Catar. Eishayal diz que Shafiq, um ex-primeiro-ministro de Mubarak que disse que o ditador chegou a ser seu modelo, tirou seus votos de quatro segmentos da sociedade: os cristãos, a classe dominante (beneficiada por Mubarak), o exército e a polícia e os egípcios cansados dos protestos e em “busca da estabilidade”.

“Em uma seção eleitoral no bairro de Shubra, que tem uma grande população cristã no Cairo, Ahmed Shafiq recebeu 5 mil votos. Amr Mussa ficou em segundo lugar, com meros 800 votos”, disse Eishayal. Amr Mussa foi secretário-geral da Liga Árabe e também foi chanceler de Mubarak.

Acordo com Israel – O Egito foi o primeiro país árabe a assinar um tratado de paz com Israel em 1979. O tema do tratado voltou à tona após a queda de Mubarak, mas analistas políticos não acreditam que o tratado seja anulado, embora possa sofrer modificações, se a Irmandade Muçulmana chegar à presidência.

A febre eleitoral na Cidade do Lixo

Por Khalil Hamra e Aya Batrawy – Associated Press

CAIRO, EGITO – A febre das eleições chegou até mesmo à Cidade do Lixo no Cairo, bairro construído – e que convive – com o lixo produzido pela capital egípcia. As dezenas de milhares de miseráveis moradores do bairro são quase todos cristãos coptas. Durante gerações, ele coletaram o lixo da metrópole de quase 20 milhões de habitantes. Eles encontram o que é reciclável e vendem o que podem. Suas casas são construídas dentro da Cidade do Lixo ao redor das pilhas de detritos, onde seus rebanhos de ovelhas e cabras pastam.

Como outros egípcios, eles agora mantêm a esperança da perspectiva de terem suas vozes escutadas, quando o país começou a eleger no dia 24 de maio o novo presidente, o primeiro desde a queda do autocrata Hosni Mubarak, que governou o Egito de 1981 até o ano passado. A principal preocupação para muitos desses egípcios é impedir que qualquer candidato islamita vença as eleições. Muitos da minoria cristã egípcia – cerca de 10% dos 81 milhões de habitantes do país – temem que o candidato da fundamentalista Irmandade Muçulmana vença e tente implantar a lei islâmica, ou Sharia, o que poderia fazê-los sofrer preconceitos ainda maiores.

Como resultado, muitos estão votando ou declarando voto no candidato mais anti islamita dentre os 13 que disputaram a presidência no primeiro turno – Ahmed Shafiq, um ex-comandante da Força Aérea do Egito, que foi o último primeiro-ministro de Mubarak. Shafiq disputará o segundo turno contra Mohammed Mursi, da Irmandade, em 16 e 17 de junho.

Anwar Rizk, um catador de lixo no bairro, diz que apoia Shafiq por ter “medo da Irmandade Muçulmana e dos salafitas”, disse, referindo-se ao movimento islamita salafi, ultrarradical e conservador, importado da Arábia Saudita. “Nós temos aqui muçulmanos que vivem conosco como irmãos, em condições muito boas, mas eu tenho medo da Irmandade porque eles pensam apenas no bem deles”.

Seu colega e morador na Cidade do Lixo, Iskandar Shafiq – que não tem nenhum parentesco com o candidato – concorda e também está impressionado com a imagem de homem forte do ex-primeiro-ministro de Mubarak.

A questão religiosa é preocupante no Egito. Desde a queda do regime de Mubarak, em 11 de fevereiro de 2011, aumentaram os ataques contra as comunidades cristãs. No dia 21 de maio, um tribunal sentenciou 12 cristãos à prisão perpétua, ao mesmo tempo em que inocentou oito muçulmanos em um caso que mostrou bem a que nível chegou a tensão sectária no sul do país.

Os cristãos foram considerados culpados de provocar tumultos públicos, porte ilegal de armas de fogo e matarem a tiros dois muçulmanos em abril de 2011 na província de Mina, 220 quilômetros ao sul do Cairo.

A tensão sectária em Mina explodiu em violência no ano passado, quando um motorista muçulmano de um micro-ônibus, furioso com uma batida em seu veículo, que estava estacionado na frente da mansão de um cristão rico, brigou com seguranças da casa, que o teriam espancado.

Após voltar ao seu vilarejo de Abu Qurqas no final da tarde, ele reuniu camponeses ao redor do escritório de um grupo salafista para protestar contra o espancamento. De acordo com o ativista Ishak Ibrahim, os cristãos das imediações pensaram que seriam atacados, pegaram revólveres e começaram a atirar na multidão que estava ao redor do escritório, do telhado das casas, matando dois e ferindo outros dois.

Depois disso, multidões furiosas de muçulmanos atacaram e queimaram dezenas de casas e lojas de cristãos. Os oito muçulmanos julgados no mesmo caso foram acusados de porte ilegal de armas e de queimarem duas casas e lojas de cristãos após o tiroteio.

“O fato de os muçulmanos terem sido inocentados significa que a promotoria, desde o início, agiu injustamente porque existem provas de que aqueles homens queimaram propriedades dos cristãos”, disse Ibrahim. O Tribunal de Segurança do Estado, cujas sentenças não são passíveis de apelação, emitiu as condenações em 21 de maio. A junta militar que governa atualmente o Egito é a única entidade com poder para pedir a repetição do julgamento.

Os cristãos denunciam que a polícia e o judiciário do Egito sempre fecham os olhos à discriminação e violência contra eles. Alguns temem o surgimento de movimentos islamitas ultraconservadores após o término do processo eleitoral.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas