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A força do comércio no Alecrim

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Marcelo Hollanda – repórter

Ele é a antítese do shopping. Não tem estacionamentos de rua suficientes e o ar condicionado só existe nas lojas mais ricas. Mas em dezembro do ano passado, segundo a associação dos comerciantes do bairro, as estreitas ruas apinhadas de ambulantes receberam perto de 2 milhões de consumidores – o dobro do mesmo período de 2009.

O Alecrim, que completa 100 anos em outubro, é mesmo uma grande surpresa. Com 35 mil pessoas trabalhando ali com carteira assinada, o mais tradicional bairro do comércio de rua ostenta outros indicadores respeitáveis.

Concentra, por exemplo,   35% da arrecadação de ICMS e 40% da soma de todos os estabelecimentos comerciais da cidade. Ganha de longe do segundo colocado, que é o bairro de Lagoa Nova, com 27% do adensamento de empresas comerciais. E representa 74,44% de presença do comércio varejista do município, segundo dados da Prefeitura de Natal publicados em 2009.

Todos esses fatos começam a mudar a cara desse bairro, que no passado era excluído do roteiro daqueles consumidores que se consideravam da classe A e A/B.

Hoje, há suspeitas de que esses consumidores mais privilegiados também busquem o Alecrim com mais freqüência atrás de um grande valor agregado chamado variedade.

Sim, a variedade é o ponto forte do varejo do Alecrim, cujo metro quadrado de aluguel não é hoje inferior a R$ 100,00 e os pontos são repassados por somas consideráveis, como lembra um de seus tradicionais comerciantes, Francisco Derneval de Sá. “Recentemente repassaram um ponto aqui perto por R$ 100 mil”, lembra.

Ex-presidente da associação dos comerciantes do bairro, Derneval diz que não há espaço vago no Alecrim, onde qualquer vão livre é disputado à tapa por empreendedores de todos os ramos. “Tem é fila de espera para alugar em qualquer rua por aqui”, acrescenta.

Muitas lojas do Alecrim também estão nos shoppings e não se pode dizer que os preços das mercadorias sejam muito diferentes. É claro que a possibilidade de comprar um artigo a preços mais convidativos sempre será primazia do comércio de rua, onde as taxas condominiais são mais baratas ou, no caso dos ambulantes, simplesmente não existem.

O que seduz na aparente desorganização do Alecrim é o que se pode conseguir andando pelas estreitas calçadas do bairro.  É nesse diferencial que reside a grande importância comercial do bairro nascido na sombra centro de Natal, mas que como todo o bom discípulo, um dia, tomou o lugar do mestre.

Derneval está agora na calçada de sua loja, apontando para todos os lados. “Olhe ali aquelas duas moças…e olha do outro lado da rua aquela outra” – diz, enquanto conta o número de sacolas de mão.

“Aqui, no Alecrim, não tem esse negócio de olhar vitrines, passear no ar condicionado , fazer uma boquinha na praça de alimentar e ir embora”, diz ele em tom de brincadeira. “Aqui, as pessoas vêm para comprar nem que seja um grampo de cabelo”, emenda.

No ano de seu centenário, o bairro do Alecrim mostra uma evolução surpreendente e chama a atenção pela vitalidade de seu varejo.

Entre as ruas, casos de prosperidade

João Nunes, dono de uma das mais tradicionais lojas de confecção do Alecrim, é paraibano de nascimento, mas passou anos em São Paulo se criando entre os atacadistas do Braz. Fundou uma grande loja no Alecrim em 2000, com alguns sócios, e começou a por em prática tudo o que aprendeu na selva dos negócios paulistanos – comprar barato e vender mais barato ainda.

“Hoje, meus preços chegam a ser 70% menores do que dos shoppings”, orgulha-se Nunes. E o segredo passa por comprar pontas de estoques e ter o desembaraço suficiente para trocar a etiqueta de uma camisa para evitar conflitos de interesses.

No passado, ele lembra que muitas clientes compravam o que podiam, mas levavam de casa sacolas de grifes famosas para circular na rua. “Hoje, isso não acontece mais”, diz, bem humorado.

Denerval Sá, o único a vender chapéus panamá importados e manter venda e manutenção de malas e mochilas de marcas consagradas, diz que vende os mesmos artigos preferidos da classe A e B para consumidores da classe C. “Bolsas escolas de R$ 200,00 e R$ 300,00 eu também vendo para consumidores de renda menor – a única diferença é o número de prestações”, diz.

Nilda Bernardo da Silva é outro exemplo de prosperidade, mas em 26 metros de loja. Instalada no Shopping 10 há cinco anos, sua butique  chegou a receber uma média de 60 clientes por dia em dezembro. Todos atrás de moda evangélica.

“Hoje, 80% de minhas clientes são de igrejas”, orgulha-se a proprietária. E quem vai não se arrende – encontra costumes compostos, mas como a dona faz questão de dizer, “sem aquela cafonice de antigamente”.

Grande centro comercial de tudo, o Alecrim integra um modelo de comércio popular igual ou parecido a de qualquer lugar do planeta – de São Paulo Capital à um centro urbano asiático.

Aqui, os eletrodomésticos novos vendidos nas lojas de departamento não teriam a mesma graça se não sofressem a concorrência dos usados. É assim com móveis, livros, roupas, artigos eletroeletrônicos e uma lista a perder de vista.

João reforma fogões e lembra que sempre encontra clientes para suas mercadorias. Paulo vende utilidades domésticas como mangueiras e queimadores de fogão e cria a família com o dinheiro que fatura todos os dias.

Quem tem uma caminhonete também sobrevive fazendo fretes para os comerciantes. Ninguém sai de mãos abanando do Alecrim.

Bairro tenta se diferenciar com ofertas irresistíveis

A vocação do Alecrim para o comércio popular é explicada pela famosa inclinação natural do varejo por locais de grande circulação de pessoas.  A tradição conta o resto da história.

Se os shoppings recriaram o ambiente ideal que não existe nas ruas, é no comércio popular que estão as surpresas, o inesperado, as ofertas irresistíveis.

Mas, para a maioria dos freqüentadores, que chegam de ônibus ao Alecrim, preço e variedade são as prioridades. Da lâmpada às meias das crianças, do pregador de roupa ao queimador do fogão, do jogo de toalha à confecção do dia-dia, é na simplicidade da vida que o Alecrim fala alto, dá as cartas.

No Alecrim, a presença familiar comanda os negócios, embora um número crescente de empreendedores vocacionados já venha ocupando o seu espaço.

Enquanto 23,5% das empresas nasceram dentro das famílias, 20,3% saíram da pura vocação. Desse oceano de empreendedores, 35,83% têm o curso médio completo; 26,11% concluíram a Universidade e 10,12% conseguiram passar pelo ensino fundamental.

Foi nesse ambiente que nasceu o projeto ALI – Agentes Locais de Inovação – , plantado pelo Sebrae em pouquíssimas capitais brasileiras  para auxiliar o comércio popular a se desenvolver.

Em pouco mais de um ano e meio, 30 agentes do programa visitaram mais de 1.500 negócios no Alecrim que permitiram a entrada deles na intimidade das empresas. Muita gente, por pura timidez, não permitiu. Quando mudaram de idéia já era tarde, o programa  estava fechado.

De cara, os agentes encontraram muita desorganização, estoques expostos na parte central das lojas tomando espaço e dificuldades na forma de gerir o negócio.

O legado da passagem do ALI pelo Alecrim se materializou em forma de um projeto arquitetônico para o bairro, onde os camelôs deixarão as ruas e serão reacomodados num prédio público já identificado pelos autores, todos voluntários.

Organizado pelo Sebrae-RN, o ALI reuniu um manancial invejável de informações e, graças a essa presença, pela primeira vez, o Alecrim tem seu próprio portal na Internet, promovendo lojas e concretizando vendas on line.

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