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A hora de dar à luz

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Para a obstetra Edilsa Pinheiro tudo poderia ter sido resolvido com uma boa conversa ou uma boa relação entre médico e paciente. “Poderia internar e aguardar. Mas não fazer nada contra a vontade. Achei um absurdo.” Ela diz nunca ter tido um caso dessa natureza em seus anos de experiência como médica obstetra, pois sempre foi respeitado o desejo da mulher Quando não acontece o parto natural, mesmo ela querendo muito, nada é forçado; tudo é explicado à paciente até o entendimento final e pacífico.

Para a obstetra, no caso de Adelir não havia riscos para o bebê em risco, até por que a mãe já estava em trabalho de parto. O que havia era o risco de rompimento de útero. “Mas ela estava dentro do hospital. Qualquer problema era levá-la para o centro cirúrgico e resolver. Mas nunca fazer algo forçado”, comenta a médica. “A vontade é da mulher, o corpo é dela, as decisões são dela.”

Ao médico, na visão de Edilsa Pinheiro, cabe informar os riscos das possibilidades. E a mãe decidir. “E pelo que eu saiba, ela estava em sã consciência.”

O excesso de cesáreas desnecessárias representam, sim, violência obstétrica, na opinião da obstetra, e é algo muito preocupante. Ela classifica como falta de ética médica a prescrição de cesariana sem necessidade extrema. Edilsa Pinheiro comenta que antes, no passado, apenas cerca de 20% das grávidas em início de gestação queriam se submeter a uma cesárea. “Mas iam fazendo a cabeça delas e, no final do neo-natal, a maioria queria cesárea.”

Ela faz críticas ao modelo de parto vigente, cheio de intervenção, mais doloroso e causador de medo. “A mulher é a dona do parto.”

Rede Cegonha

Para Rosário Bezerra, doula e coordenadora da Rede Cegonha em Natal, a cesariana não era a única possibilidade para Adelir Góes. Em sua avaliação, se a médica não sentia segurança em seguir com o caso, deveria ter encaminhado a outro profissional para que houvesse uma segunda opinião. Ela comenta o fato de evidência científicas mostrarem que o parto normal é possível mesmo, mesmo quando há uma ou mais cesarianas prévias, mesmo quando o bebê está sentado, mesmo quando a gestação ultrapassa as 40 semanas. “Nenhum desses motivos justificariam uma cesariana de emergência, nem muito menos forçada. Nossas UTIs neonatais estão lotadas de bebês com desconfortos respiratórios porque eles são retirados antes que sinalizem que estão prontos pra nascer. E esse sinal só é dado com o início do trabalho de parto”, comenta Rosário Bezerra.
 
Mais de um parecer

A promoção da vida acima de qualquer outro interesse, mesmo pessoal, é o que delineia a ação da Justiça em casos como o de Adelir Góes, onde exista conflito sobre qual procedimento a ser seguido na hora do parto, para que não se coloque em risco as vidas da mãe e da criança. Porém, o juiz da 1ª Vara da Infância e da Adolescência, José Dantas Paiva, ressalta a necessidade de Justiça ouvir mais de um parecer ou laudo médico. Nunca tomar uma decisão baseada apenas em uma opinião única.

O juiz pondera, porém, as possíveis circunstâncias que levaram a juíza da comarca de Torres (RS) acatar o requerimento do Ministério Público, e determinar que policiais armados a retirassem de casa à força e a levassem ao hospital público para que fosse submetida a uma cesárea forçada.

“O Poder Judiciário tem que ter, na sua estrutura organizacional, equipes que possam subsidiar o juiz, até mesmo em situações como essa, para que ele possa ter mais de uma opinião. O Rio Grande do Norte, por exemplo, já tem um núcleo de perícias para esses casos; por que na Infância e Juventude, na área de Família e até mesmo na área criminal nós temos muitos casos parecidos. Então, o nosso entendimento é que o juiz deva sim ouvir mais de um profissional, no mínimo uma junta médica”, reflete o magistrado.

Segundo José Dantas, nas capitais esse apoio técnico multidisciplinar já existe, mas em comarcar do interior ainda existe a figura do “juiz faz tudo”. No caso de Torres, o correto é que em vez de policiais fosse enviados psicólogos e assistentes sociais pra conversar com a mãe.  “ Não poderia ter havido uma sugestão simples de cumprimento imediato; tem que haver todo um preparo. Isso é necessário e essencial. É por isso que o Judiciário, eu digo e repito, deve se organizar nesse sentido.”

O fato de Adelir integrar uma comunidade cigana nem sempre garante acesso a informação. Mas mesmo as mulheres que têm esse acesso  muitas vezes não sabem de seus direitos, como o de garantir na Justiça o direito de ter um parto natural. Mas tanto Adelir quanto qualquer cidadã brasileira pode requerer à Justiça o seu direito — desde que analisados também mais de um parecer médico.“Pode e deve. E deve ser estimulado. No Brasil, infelizmente,  nós não temos uma cultura ainda de procurar o Judiciário com esse objetivo. Mas nós devemos, sim, promover, divulgar  e conscientizar a sociedade desse direito.”

Bate-Papo >>> Gabriella Vinhas – coordenadora do Movimento de Humanização do Parto e do Nascimento em Natal

Você já foi vítima de violência obstétrica? Poderia dar um relato do que aconteceu?

Eu sofri violência obstétrica aqui em Natal, numa maternidade privada, no evento do nascimento do meu filho. Foi a partir daí que eu criei o movimento, porque eu não quero que nenhuma mulher mais continuem passando pelo o que as mulheres que vivenciam isso passam. E foi bem chato. Eu queria um parto natural, eu queria uma dola, e eu fui humilhada várias vezes por querer isso, ficaram rindo da minha cara, foi uma cesárea, eu acabei indo para uma cesárea, eu estava muito fragilizada emocionalmente, é uma pressão psicológica muito grande em cima da mulher. E durante mesmo a cesárea, não colocaram meu filho perto de mim, afastaram ele de mim, não incentivaram a amamentação, deram leite artificial sem o meu consentimento. Foi muito difícil. Quase não deixaram meu marido entrar. São coisa recorrentes que acontecem nas maternidades públicas e privadas e a gente precisa parar de tratar isso com normalidade, porque não é assim que as pessoas devem nascer. A  experiência do parto pode ser legal. E isso tem um impacto na sociedade.

Você acha que está havendo uma banalização do nascimento no Brasil?

Sim. Está tendo na verdade a indústria do nascimento. Por que na verdade o sistema que a gente tem de nascimento já faliu há muito tempo. É um sistema centrado na figura do médico, no hospital, é uma produção em massa, não preserva a individualidade, não se tem tratamento holístico de cada caso, de discutir, de conversar. O que o Ministério da Saúde está trazendo também com a Rede Cegonha, agora, recentemente, é essa descentralização de repensar esse modelo de assistência e trazer a humanização, o cuidado, e não o nascimento como negócio, mas como um evento biopsicossocial que influencia a sociedade inteira e é extremamente importante para a saúde da mulher.  

O que o movimento busca? Qual o objetivo de vocês?

O nosso objetivo do Movimento pela Humanização do Parto e Nascimento em Natal é de combater a violência contra a mulher, mas especificamente a violência obstétrica, levando informação através do empoderamento feminino. Então a gente leva informação de direitos da mulher, direitos da parturiente, o que fazer se dentro do hospital negarem procedimentos, você pedir pra te explicarem o que está sendo feito.

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