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A leveza de ser Glorinha

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Yuno Silva
Repórter
Colaborou: Cinthia Lopes

“Nego véio é responsabilidade demais: 90 anos nas costas, é peso vici! Quem diabo pensava que ia chegar a isso tudo!”, disparou Glorinha Oliveira logo no primeiro minuto de conversa. Cantora experiente, diva absoluta da época de ouro do rádio em terras potiguares, Glorinha recebeu a reportagem do VIVER em seu apartamento em Neópolis muito bem acomodada em uma cadeira que ajuda evitar as dores no joelho. Tirando a artrose, que incomoda a artistas há pouco mais de cinco anos, e a ansiedade acumulada devido o show de hoje no Teatro Riachuelo, a artista está muito bem. “Não sou velha, sou usada!”, avisa.
Voz de ouro remanescente da era do rádio potiguar, Glorinha Oliveira chega aos 90 anos no privilégio raro da vida: no palco, fazendo o que ama e perto da poesia de Auta de Souza, a quem presta homenagem em show inédito hoje
Nesta sexta, 27 de novembro, ela completa nove décadas de vida e mais de oitenta primaveras de música. E para celebrar a data, nada melhor que comemorar no palco. “A festa é duplicada: vou homenagear Auta de Souza (1876-1901) e tem os 90 anos de Glorinha”, disse se referindo a ela mesma em terceira pessoa. “Aí, haja cabeça! Se eu pudesse tomar uma cachacinha tudo bem, mas estou tomando um calmantezinho pra relaxar”.

Essa tensão toda tem nome e razão de ser. Logo mais às 20h30, Glorinha volta a encarar uma plateia – sete anos após sua derradeira performance à vera – e solta a voz no show “Memórias de Glória, 90 anos de história”. O acesso é gratuito, os ingressos serão distribuídos na bilheteria do teatro a partir das 12h de hoje

A apresentação faz parte do projeto “Cancioneiro Auta de Souza por Glorinha Oliveira”, que inclui gravação de um CD com nove poemas musicados de Auta de Souza (e outros nove poemas recitados pela cantora Khrystal, pela jornalista Margot Ferreira e pela atriz Quitéria Kelly); documentário sobre Glorinha, Auta de Souza e o projeto que une as duas; gravação do show para produção de um DVD; relançamento da biografia de Glorinha Oliveira escrita pelo pesquisador Cláudio Galvão em formato digital, e o site cancioneiroautadesouza.com.br onde o público pode baixar o disco e o livro, ver o documentário e saber mais sobre a iniciativa que conta com patrocínio da Prefeitura de Natal, via Programa Djalma Maranhão, e Grupo Vila/Morada da Paz.

Nascida nas Rocas, Glorinha Oliveira confessou não ter Glória no nome por descuido do pai. “Estava tudo certo para eu me chamar Maria da Glória Oliveira, o Glorinha vem desde criança, mas só descobri que tinha sido registrada errado quando fui tirar meus documentos. Até hoje uso meu nome de casada: Maria Mendes de Oliveira Queiroz”.

O papo com Glorinha Oliveira durou mais de uma hora; fluiu descontraído e sem preguntas pré-fabricadas. Confira os melhores trechos da entrevista:

Os ensaios…
… Estão sendo ótimos, os arranjos do Sérgio (Farias) estão ótimos, uma beleza; o cabra é bom! E a participação dessas mulheres maravilhosas Khrystal, Dodora (Cardoso), Silvana (Martins), Bruninha (Hetzel) e Katarina (Gurgel) está me dando muita força. Katarina é minha neta e herdeira musical. Cada uma faz uma música comigo, e no final entram todas. Quem também divide o palco comigo é meu filho Aécio Queiroz, que toca gaita.

Tenho fé que vai ser estouro, quero entrar com toda garra e segurança.

O repertório…
… Foi todo montado em cima dos instrumentos utilizados na minha época (violões, violas, bandolim, cavaquinho, violino, cello, contrabaixo e flauta). Escolhi quatro, dos nove poemas de Auta de Souza que foram musicados, para abrir a noite. Primeiro canto só, depois troco de roupa e vem o showzão. Só digo uma coisa: a última música está boa pra lascar.

Serão duas horas de show, contando com breve cerimonial e exibição de trecho do documentário, então vamos tentar encaixar mais umas oito ou dez músicas do meu repertório tradicional, com com canções de Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Tom Jobim, Dolores Duran, Noel Rosa. Sambinhas, música romântica, bossa nova, essa é minha praia.

O palco…
… Está lindo, vão cobrir com folhas de eucalipto. Perguntaram até a cor do meu vestido pra saber como combinar. Também arranjaram uma cadeira bem chique pra mim, não posso ficar muito tempo em pé. Preferia ter dez meninos do que sentir essa dor no joelho.

A saúde…
… Tirando esse problema no joelho, vai bem obrigada! Daqui pra cima está tudo bem [ri, apontando da coxa para cima]. Não posso fazer cirurgia devido a idade; mas o importante é ter amor próprio e pela arte, é assim que elevo o espírito e encontro forças. Só não estou melhor por causa dessa ansiedade para o show: é muita pressão, muita responsabilidade.

Vou enfrentar um público daqui e de fora, familiares que estão vindo de Belém, Recife, Fortaleza e João Pessoa, fora o pessoal do interior aqui do RN. Imagine se faço feio? Sou perfeccionista, quero fazer bem feito, não admito errar, mas uma cabeça de 90 anos às vezes falha por isso tenho que me cuidar.

A voz…
… Dá pro gasto. Como não estou cantando sempre as cordas vocais, que hoje chamam de pregas, quando chega uma certa idade, vão caindo de rendimento, baixa alguns tons. Mas não impede de cantar. Tenho que estar sempre fazendo exercício, mas não sabia que ia continuar fazendo shows aos 90.

A memória…
… Às vezes dá um branco, mas a gente tira de letra. Para evitar qualquer saia justa no show vou cantar com minha estante e minha pasta com as letras, qualquer dúvida é só olhar ali. Essas (poemúsicas) de Auta de Souza mesmo aprendi agora, tenho que ter uma colinha por perto.

No início da carreira…
… Minha família era contra, mas Glorinha era muito danada e queria cantar, ser uma profissional. Apanhei muito, fiquei de castigo, mas a insistência dobrou mamãe. Ele era cantora e tocava violão, morreu com 104 anos, então já nasci em berço musical. Com três meses de idade fui morar em Recife, onde comecei cantando em proggramas infantis na Rádio Clube de Pernambuco. Estava com uns dez anos quando voltei pra Natal. Aqui passei a fazer show beneficentes, cantava nas difusoras. Aos 13 era agenciada por uma produtora pernambucana, e meu primeiro grande show foi no palco do Teatro Carlos Gomes (hoje Alberto Maranhão) para levantar fundos para a construção da Rádio Educadora.

No rádio…
… Fiz de tudo: cantora, disque jóquei (DJ), rádio-atriz, humorista. Depois da Educadora fui pra Rádio Poti, com carteira assinada e o programa “A Estrela Canta” patrocinado. Tinha de 17 para 18 anos, e trabalhei 36 anos na Poti.

Fiz muita rádio-novela ao vivo, tantas que teve uma vez que fiquei meio ‘tantan’ – passei 15 dias me recuperando de uma personagem. Tínhamos uma equipe boa, mandavam roteiros de fora pra gente gravar aqui. Vivi uma época maravilhosa, e vou me encontrar com muita gente boa lá em cima e fazer uma farra daquelas.

Em São Paulo…
… Quase fecho contrato com a  Rádio e TV Tupi. Fui pra lá em 1952 participar da festa de aniversário da Rádio Tupi como representante do RN. Gravei compactos, e em vez de três dias passei treze. Queriam me contratar, mas meu marido botou areia. O diretor da Rádio Poti na época disse que não poderia ficar sem Glorinha. Os dois tinham que assinar junto comigo, ou seja, lascaram a moça. Nunca morei fora, adoro minha cidade.

Meu marido…
… Era muito ciumento. Ninguém podia chegar perto para tirar uma foto, pedir um autógrafo, dar um beijo. Deus que me perdoe, mas Ele é tão bom que meu marido morreu. Passei 15 anos casada e se ele fosse vivo hoje eu não seria Glorinha. Atrapalhava minha vida. Ele era bonitão e eu feia que só. Mas depois que fiquei viúva, fui ganhando experiência, fiquei mais simpática. [risos]
Não casei de novo, mas namorei bastante. Ciúme atrapalha a vida do artista, e depois que meu marido morreu comecei a viajar mais.

Meu filho…
… Aécio é meu grande amigo, minha bengala, minha vida. Moramos juntos. É meu anjo da guarda.

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