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A morte do subjuntivo?

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Marcelo Navarro – Desembargador

Há algum tempo, em São Paulo, notei os primeiros sinais da enfermidade:        — O sr. quer que eu segurO sua pasta?

Achei que tinha ouvido mal, ou que a pessoa não tinha boa dicção. Mas os sintomas persistiram:

— Deseja que eu façO a reserva?

E a moléstia ia avançando. Comentei com um casal amigo, ambos professores universitários. Ela, paulista de quatro costados, defendeu o linguajar da terra de Mário de Andrade:

— Ah, mas isso não se ouve nas camadas mais instruídas…

Estávamos jantando num daqueles excelentes restaurantes da Paulicéia, cidade a que eu tanto quero bem. Pois antes de terminar a refeição, e por mais de uma vez, a Doutora teve pequenas erupções como:

— A gente espera que a situação se normalizA…

Mas não se normalizou. Cheguei em casa convencido de que o subjuntivo estava acometido de uma doença séria.

E, apesar de tudo, tive a esperança de que talvez pudesse ser um surto isolado, circunscrito talvez aos rincões bandeirantes sabe-se lá por quê.

 Como diz Carlos Heitor Cony, Ledo e Ivo engano…

Semana passada, assistindo à novela de maior sucesso da televisão, escuto uma das principais personagens, com uma criança de colo nos braços, dizer:

—  Deus a abençoA.

Ora, ainda que seja provável que Deus dê sua bênção a todas as crianças, não se estava ali fazendo essa afirmação, por meio do modo indicativo. O que se estava era exprimindo o desejo, a vontade, a esperança de que Deus abençoasse aquela menina.

Então, a frase tinha de ser:

—  [Tomara que] Deus a abençoe!

 É para revelar isso que, em Português, existe o modo subjuntivo. Se ele não é usado, perde-se um instrumento expressivíssimo e característico de nossa língua, que o Inglês, por exemplo, não tem.

Preocupo-me com essa tendência porque vejo que o problema não está restrito a São Paulo. A novela em questão é produzida no Rio, numa atmosfera carioca, e seu falar – o chamado “não-sotaque global” – se projeta por todo o Brasil, sendo até, como se sabe, imitado por grande número de espectadores de outras regiões do País.

Considero esse fenômeno muito mais preocupante do que o tão criticado gerundismo (vamos estar fazendo etc.), o insuportável dequeísmo (vou lhe dizer de que etc.) e até o uso, por pura moda, de termos ou expressões como o malsinado a nível de, que andou infelicitando nossas frases não faz muito tempo, e o hoje onipresente tipo.

Essas pragas são mais fáceis de combater, porque não passam de parasitas que infestam a linguagem, e podem mais facilmente ser vermifugados a poder de lições e exemplos.

Já essa doença grave do subjuntivo atinge o gênio da língua, fere seu espírito, aleijando o falar e privando-o de um dos seus mais importantes modos de expressão.

 É preciso reagir. Afinal, como já advertiu Wittgenstein, os limites da linguagem são os limites do pensamento.

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