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“A Mulher de Branco”

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Marcelo Alves Dias de Souza  [ Procurador Regional da República ]

Talvez vocês estranhem o fato de eu hoje falar sobre “A Mulher de Branco” e não sobre “A Mulher de Preto” (“The Woman in Black”, 2012), filme que, com Daniel Radcliffe (conhecidíssimo como Harry Potter) no papel principal, deve ter estreado por esses dias no Brasil. Sobre “The Woman in Black” –  o filme, a peça (há anos em cartaz no Fortune Theatre, em Londres) e o livro que deu origem à aterrorizante estória (de 1983, escrito por Susan Hill) – conversaremos em breve. Prometo.

Hoje vou falar sobre “A Mulher de Branco” (“The Woman in White”, 1860) e “A Pedra da Lua” (“The Moonstone” de 1868) e, sobretudo, sobre o criador destes dois extraordinários romances, William Wilkie Collins (1824-1889). Motivos: (i) sobre Wilkie Collins está para ser lançada uma nova biografia, de autoria de Peter Ackroyd (1949-), um dos escritores ingleses contemporâneos mais talentosos (sobre Ackroyd, vide crônica “Um giro por Covent Garden”); (ii) Wilkie Collins foi grande amigo e parceiro de Charles Dickens (1812-1870), cujo bicentenário de nascimento está sendo comemorado por toda Londres durante este ano (e sobre quem muito conversaremos aqui nas próximas semanas, também prometo). Uma biografia sobre Collins não deixa de ser também um “insight” sobre essa frutífera amizade; (iii) por fim, mais importante, porque Collins, com “The Woman in White” e “The Moonstone”, classificados à sua época como “sensation novels”, juntamente com Edgar Allan Poe (1809-1849) e Émile Gaboriau (1832-1873), é considerado como um dos pioneiros da ficção policial/detetivesca que hoje conhecemos. E com o diferencial, pelo menos em relação aos contos de Poe, de serem os romances de Collins obras de fôlego, com algumas centenas de páginas.

“The Woman in White” – cujo preâmbulo afirma que a estória será contada, como na narração de um crime perante uma corte, por mais de uma pena/testemunha – gira em torno da dupla de “detetives amadores” Walter Hartright e Marian Halcombe em luta contra os vilões Sir Percival Glyde e Count Fosco. Uma misteriosa “mulher de branco”, loucura, internações em asilos, passados inconfessáveis, heranças, fraudes, dívidas, romance e muito mistério, tudo isso há, de sobra, no livro de Collins. “The Woman in White” tem tudo o que se pede de um romance de detetives, excetuando um “verdadeiro detetive”. É apenas em “The Moonstone” – que gira em torno do desaparecimento de um diamante de valor inestimável – que o “Sargeant” Cuff, encarregado de desvendar o mistério, nos é apresentado. Esse “primeiro detetive profissional” ainda conta com a ajuda do “detetive amador” Erza Jennings que, verdadeiro responsável pela solução da trama, ironicamente, como em muitos outros romances detetivescos e na vida real, não recebe o crédito que lhe é devido.

Autor de para lá de uma centena de obras de ficção, incluindo contos, peças teatrais e romances, Collins desfrutou de grande prestígio durante a era vitoriana. “The Woman in White”, por exemplo, quando do seu lançamento em livro (havia sido serializado em 1859/1860, como era comum à época), esgotou no primeiro dia. Dizem que o lendário William Gladstone (1809-1898), que foi quatro vezes Primeiro-Ministro do Reino Unido, passou a noite em claro devorando o “mistério”. Isso eu li em uma resenha do Evening Standard acerca da nova biografia, assim como ali descobri outras coisitas mais pessoais sobre Collins. Antítese do tipo olímpico, ele era feio e desengonçado. Mas era doce de temperamento e, embora nunca tenha formalmente casado, fazia muito sucesso com as mulheres, tendo vivido seus últimos anos na companhia de duas amantes, sem que ninguém reclamasse do arranjado. Sorte, só pode ser isso. Infelizmente, após a morte do amigo Dickens em 1870, Collins, afirmam seus biógrafos, tornou-se completamente dependente do ópio, o que levou a um progressivo declínio na qualidade de sua produção literária.

O certo é que “The Woman in White” e “The Moonstone” são duas obras-primas, de leitura agradável e interessante, mesmo já passados tantos anos de suas publicações. Os enredos, a caraterização das personagens, a precisão quanto a fatos e datas são frutos da pena de um mestre. E talvez para isso tenha muito contribuído, segundo vi em “Novels and Novelists: A Guide to the World of Fiction” (1980, editor Martin Seymour-Smith), a educação jurídica formal do jovem Collins que, ainda na casa dos vinte anos, estudou Direito no Lincoln’s Inn.

Fiquei curioso sobre Wilkie Collins. Ele fará parte das minhas leituras neste ano tão especial para Londres, marcado não só pelo bicentenário do nascimento de Dickens, mas também pelo Jubileu da Rainha Elizabeth II (60 anos de reinado com uma saúde invejável) e pelos jogos olímpicos.

Afinal, Collins é mais um bacharel que se revelou escritor. Definitivamente, uma boa ideia.

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