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A natureza não aceita promessas

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Nelson Mattos Filho
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Acho que uma das maiores interrogações que um velejador pode ter pela frente para responder é sobre o tempo que vai durar uma velejada. Eu mesmo prefiro olhar de lado, dar respostas evasivas e sem o mínimo de expectativa. Um barco a vela se movimenta bem com o sopro dos ventos e quando Éolo resolve descansar, ou turbinar o sopro, o melhor que um velejador pode fazer é relaxar e botar a cabeça pra raciocinar e seguir em frente sem olhar para o tempo ditado pelo relógio. E o motor? Ai é outra história, ou problema.

O dia estava lindo, com Sol forte, Céu sem nuvens e pintado com um azul de fazer inveja à bandeira do Brasil. O mar, na ancoragem, estava com a temperatura ideal para um delicioso mergulho e por isso mesmo a tripulação passou o dia quase de molho.

No fogão Lucia preparava uma deliciosa moqueca de camarão com banana, receita dos deuses e que no Avoante tem lugar de destaque entre as muitas receitas de bordo.

Para brindar o dia que se fazia espetacular, Lucia preparava também deliciosas caipirinhas com limão siciliano para aqueles que não estavam degustando as refrescantes cervejinhas estupidamente geladas. A luta era grande entre o sim e o não, mas eu mesmo fiquei com as cervejas.

Sair daquela ancoragem para outra era uma dúvida cruel, mas precisávamos seguir a rota programada e mudar a paisagem que avistávamos do cockpit. Tínhamos a nossa disposição uma vista maravilhosa proporcionada pela enseada em frente à cidade de Salinas da Margarida/BA, uma das joias do recôncavo baiano.

Aliás, Salinas, que já falei em outras páginas desse Diário, é um daqueles lugares que todo velejador cruzeirista, ou mesmo aqueles turistas que adoram uma boa praia, tem que ter assinalado em seus roteiros de viagens. Orla bonita, águas mansas, fundeadouro bem abrigado de ventos fortes e uma cidade muito acolhedora e tranquila. Admiro-me não encontrar tantos veleiros ancorados por lá, mas talvez seja porque alguns roteiros náuticos não incluam a praia em suas páginas. O porquê eu não sei. Mas talvez também seja melhor assim.

A moqueca foi servida, a tarde foi chegando ao fim e resolvemos aproveitar a luz do sol que ainda restava para levantar âncora e seguir para a Ilha de Itaparica, numa velejada de pouco mais de cinco milhas náuticas. Um pulo!

Preferi uma rota mais próxima a Ilha do Medo, pois assim ganharíamos tempo e um melhor ângulo em relação ao vento que soprava quase pela proa. Mas no mar nem sempre as coisas funcionam como a gente deseja e assim, ao abrir as velas e aproar o objetivo notei que nada daquilo seria possível.

No horizonte o Céu mudava rapidamente a coloração e nuvens escuras e ameaçadoras prometiam mudar o rumo daquele dia maravilhoso. Como o Avoante teimava em não navegar contra o vento, depois de um dia de maciota na ancoragem de Salinas, resolvi tocar na chave e colocar o motor para roncar e assim fomos nós.

As nuvens escuras mais do que rapidamente tomaram conta do mundo e logo chegou à chuva para confirmar de vez a mudança de humor da natureza. O motor roncava forte, mas como ele um bichinho do mundo da mecânica e nem sempre as máquinas estão prontas a colaborar com o bicho homem, senti um forte cheiro de diesel justamente na hora em que cruzávamos a parte mais rasa e apertada do canal. Porém, nem tudo é tempestade e aquela chuva, apesar de forte, trouxe na garupa a mudança na direção do vento que tanto precisávamos naquele momento.

A noite já avançava a passos largos pela Baía de Todos os Santos quando comprovamos que a mangueira do combustível estava furada e a bomba lançava óleo para todos os lados. Desligamos o motor e mais do que depressa abrimos a vela da frente e fomos tentar vencer o canal, a chuva e o vento numa navegação restrita e melindrosa.

Vencermos sim todos os obstáculos com muita tranquilidade e passando segurança para a tripulação, numa prova de que persistência, foco na navegação segura e o bom conhecimento do que a nossa embarcação é capaz faz a diferença. A viagem que era para ser de pouco mais de hora e meia durou quase quatro horas e ninguém reclamou, mas eu também não havia prometido nada. 

Ancoramos em Itaparica com o Céu novamente limpo e a tripulação animada para festejar o sucesso da velejada atribulada, mas antes do brinde colocamos o motor novamente em ordem e limpamos a sujeira do diesel. É assim que deve ser, pois no mar tudo é surpresa e a natureza é fina aprontar das suas.

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