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A origem das súmulas

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Marcelo Alves Dias de Souza – procurador da República

Já faz algum tempo, no artigo “Em Direito, o que é súmula?”, eu disse que o termo súmula significa o conjunto da jurisprudência dominante de um tribunal, abrangendo os mais variados ramos do nosso direito. Seus verbetes ou enunciados trazem o entendimento do órgão acerca de determinada questão de direito (embora haja certa confusão, com o próprio Supremo Tribunal Federal chamando seus enunciados de súmula X e Y). Nesse mesmo artigo, tentei explicar os contornos dogmático-jurídicos desse instituto, hoje tão badalado, sobretudo em razão da criação da Súmula Vinculante do STF pela Emenda Constitucional 45/2004.

Mas qual a origem histórica da tal súmula, instituto, até onde eu sei, para o nosso orgulho, com contornos bem brasileiros?

A origem da súmula no Brasil remonta à década de 1960. Sufocado pelo acúmulo de processos pendentes de julgamento, a imensa maioria versando sobre questões idênticas, o Supremo Tribunal Federal, após alteração em seu regimento (sessão de 30.08.1963) e enorme trabalho de Comissão de Jurisprudência composta pelos Ministros Gonçalvez de Oliveira, Pedro Chaves e Victor Nunes Leal, este último seu relator e grande mentor, em sessão de 13.12.1963, decidiu publicar oficialmente, pela primeira vez, a Súmula da sua jurisprudência, para vigorar a partir de 01.03.1964. A edição dos primeiros enunciados da Súmula do STF resultou de um processo específico de elaboração, previsto regimentalmente, que passou pela escolha dos temas, discussão técnico-jurídica, aprovação e, ao final, publicação para conhecimento de todos e vigência.

Mas não foi só em resposta ao acúmulo de processos ou em busca de uma maior celeridade na prestação jurisdicional que se criou, na já distante década de 60, a Súmula no Supremo Tribunal Federal. Outros motivos existiram para adoção da súmula, tão importantes quanto o de ser um critério para a solução de novos casos que poupa tempo e energia.

Um deles é o fato de a súmula fornecer uma maior certeza do Direito. Através da súmula, identifica-se, rapidamente, a jurisprudência firme, cristalizada (mas não imutável) do tribunal acerca de variados temas jurídicos. Individualmente, verifica-se que cada um dos enunciados da súmula recobre determinado aspecto de lei, ou preenche os espaços vazios por ela deixados, com uma interpretação considerada prevalente e consolidada, assim contribuindo, ponto a ponto, com a certeza do Direito. Outro motivo foi a busca da previsibilidade: contendo a súmula, de modo seguro, preciso e claro, a verdadeira inteligência da norma legislada, ela é uma ferramenta que muito contribui para tornar previsível, tanto para o Judiciário como para os jurisdicionados, a solução de litígios presentes e futuros. Por derradeiro, pesou o princípio da igualdade: a súmula, se não acaba, pelo menos, mitiga bastante a variação de interpretação sobre determinada questão de direito. Ou seja, contribui para a aplicação de uma mesma regra para os casos semelhantes, o que resulta em tratamento igual para todos que, nas mesmas condições, batam às portas do Judiciário.

No plano formal, duas características merecem destaque no nascimento da súmula no Brasil: sua origem regimental, certamente fruto de uma situação específica pela qual passava o Supremo Tribunal Federal à época, e não legal; e o fato, consequência lógica de sua origem regimental, de a possibilidade de editá-la ficar restrita ao próprio STF. Realmente, a primeira previsão legal, juntamente com a extensão aos demais tribunais da possibilidade de editar súmulas, somente veio com a disciplina do incidente de uniformização de jurisprudência do Código de Processo Civil de 1973, através do seu art. 479, que ainda hoje diz: “O julgamento, tomando pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o Tribunal, será objeto de Súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência”. A criação da súmula representou uma ruptura com a dogmática tradicional, que sempre gravitou, no Brasil e nos países filiados à tradição do civil Law (ou romano-germânica), em torno da norma legislada. Embora seja importante lembrar, com já fiz em outras oportunidades, que ela (a súmula) difere – e muito – do instituto do precedente obrigatório (“binding precedent”) nos termos da teoria do stare decisis.

Por fim, gosto sempre de lembrar que o modelo da súmula, principalmente nos moldes clássicos (conhecida como não vinculante), sempre foi objeto de rasgados elogios. Uma bússola na exaustiva pesquisa jurisprudencial, como já se disse. Penso o mesmo da súmula vinculante, já afirmei aqui algumas vezes. Na verdade, isso tudo foi uma “grande sacada” do STF. E desde a origem.

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