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A poesia e a dor

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(Walt Whitman, Leaves of Grass)

Misturar-se ao próprio ato de criar é o que pauta o desejo do poeta. A poesia envolvendo o poeta, afogando-o em suas ondas abissais, salvando-o, redimindo-o, tornando-o verdadeiro e único, destinando-lhe sentido. O selo de autenticidade – nesse envolver e revolver –  é absolutamente interno, numa legitimidade que somente o próprio poeta e sua poesia lhe podem destinar. É o poeta aquele que surge quando emerge da onda, mas resta à tona por pouco tempo. Jamais será a análise do outro-leitor-outro que lhe oferecerá as pistas de sua verdade.

O poeta há de ser o seu próprio e mais implacável leitor. E será, sempre, o seu mais completo hermeneuta. De sua própria alma. Sua auto-leitura é o próprio ato de criação. A não ser que queira se perder no jogo de aparências, formas e fórmulas sem consistência e sem profundidade. Que os seus versos sejam sempre versos absolutamente livres, poeta! Se o poeta escorrega na verdade, revelando-se inautêntico, deixa de ser livre, assinando sua própria sentença de morte como criador. Como poeta, deixará de ser único. Como ser único, deixará de ser poeta.

E aí, dói mesmo! Depararmo-nos com nossas verdades, nossas entranhas! Há sempre a busca dessa catarse. O fato é que, à medida em que se colmatam lacunas e abrandam-se dores, outras nascem  nos corações. O caminho, então, é criar, criar sempre. Por isso, não se deve acreditar na existência de poetas bissextos. O poeta, o verdadeiro poeta está, queira ou não, sempre trabalhando dentro de si. No âmbito interno das coisas. As coisas acontecem mesmo é lá dentro, nos últimos escaninhos da inteligência e do coração.

Quando ele quer – o poeta – aí sim, coloca a dor que vira beleza no papel. Mas é essa dor mesma que o alimenta, essa loucura que o leva à razão. Quanto maior a dor, mais elementos para a poesia. Infelizmente, tem-se que considerar isto: a dor faz o poeta. Dor de amor, existencial, dor social, dor do puro e real luto, seja lá de que natureza for. Importa a natureza mesma do poeta. O poeta, então, faz um apanhado, um inventário de suas dores e as transforma, trabalhando-as como um padeiro trabalha a massa, como um artesão produz seu objeto-arte, ofertando-lhe seu engenho, associando o seu fazer absolutamente original.  Distribuir o pão e a arte da poesia que nasce com a dor, com dignidade ética e estética, é tudo o que resta e cabe ao poeta.

A dor e o prazer realmente se misturam. A dor não vem, necessariamente, do fracasso. Nada disso! Ao contrário disso! A dor é inata ao homem sensível, que a transforma, ou não, em um “trabalho” poético. A poesia, como todas as formas de arte, tem, evidentemente, suas preocupações estético-formais que levam à obra. O papel é um, apenas um dos suportes. A poesia é antes um estado do ser, um momento em que o ser se recolhe a uma dimensão outra, distante, diferente, só conhecida pelo próprio poeta, para recolher os elementos, as perplexidades, os momentos que serão transformados nisso que alguns chamam de obra. Quanto à felicidade, sempre parece tão fugidia como o brilho do diamante. E o olhar que a captura e a guarda no íntimo será sempre o olhar profundo da poesia, que surge com firmeza e força, nas horas mais inesperadas, a partir de alguma dor.

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