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A redescoberta dos sabores nativos

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Marcílio Amorim
repórter

A prática da alta gastronomia é um fenômeno recente na cozinha brasileira. A palavra chef de cozinha foi alçada a uma condição elevada de status social, virou curso universitário e se transformou em objeto de desejo tanto para os restaurantes do país quanto para o paladar curioso do brasileiro.
Chefs e pesquisadores estão cada vez mais empenhados na pesquisa e utilização de sabores regionais na gastronomia contemporânea, como umbu, aroeira e araçá
O resultado foi rápido e saboroso. O início dessa febre gastronômica resultou com os ex-cozinheiros e

atuais chefs de cozinha brazucas se transformando em curiosos aprendizes da culinária mundial. De expert em outras cozinhas, os chefs estão fazendo uma espécie de volta para casa. Mas como usso começou?

A abertura do mercado nacional para a alta gastronomia atraiu também chefs gringos, e por incrível que pareça eles foram os responsáveis por inserir os ingredientes regionais nas badaladas receitas que traziam na bagagem. “Chefs como Claude Troigros e Laurent Suaudeau chegaram ao Brasil e acabaram adaptando suas receitas com ingredientes regionais por não dispor de matéria-prima européia no Brasil.”, afirma Ângelo Medeiros, chef de cozinha que vem pesquisando elementos regionais em suas receitas.

O interesse pela nossa diversidade de ingredientes nasceu ainda nos anos 1980, quando chegaram ao Brasil os primeiros chefs franceses. Mas eles não foram além do óbvio. “Pegaram ingredientes de uso amplamente popular, como manga, caju e mandioquinha, fizeram comida refinada e deu certo”, conta a chef Gabriela Sales, também pesquisadora de ingredientes regionais para alta gastronomia.

Os chefs franceses abriram caminho, mas não revolucionaram. A revolução veio depois, já na década de 1990, quando chefs daqui voltaram seus olhos para os produtos do cerrado e da Amazônia e para ingredientes mais exóticos do nosso Nordeste.

As matérias-primas regionais surpreendem não iniciados até nos nomes: maturi, ubaia, aroeira, licuri, cambuci, cagaita. O último é um fruto nativo do cerrado e foi parar no jornal New York Times, em texto sobre a cozinha do D.O.M., restaurante do embaixador da gastronomia brasileira, Alex Atala.

Herança indígena e paladar afetivo

Para a chef Gabriela Sales, o apuro do paladar para sabores desconhecidos é uma herança de família. “Meu pai é descendente de índio e minha mãe é uma especialista em cozinha cabocla. Com eles pude descobrir esses sabores que estão se transformando na base do meu trabalho gastronômico.”, confessa a potiguar que integra a ala de chefs cada vez mais voltados para os elementos regionais na hora de compor as suas receitas.

Uma consultoria tão rica e especializada dentro de casa é um privilégio, visto que as informações sobre produtos nativos é quase inexistente em alguns casos. “Descobri a ubaia e fui em busca de mais informações sobre ela. Praticamente não existe nada.”, afirma.

Segundo Gabriela, os produtos nativos não têm valor comercial e até então são ingredientes de subsistência para comunidades litorâneas e rurais. “As pessoas utilizam a ubaia, o fruto do jatobá, a aroeira, o cambuci e muitos outros produtos nativos, de alto valor para a gastronomia,  para matar a fome. Existe uma riqueza que não é explorada.”, lamenta.

Atualmente, Gabriela Sales está se dedicando a pesquisas com a ubaia, o cambuci e o araçá (goiaba nativa) para a criação de sorvetes, licores, geléias, saladas, sucos. “Precisamos difundir esses sabores. Assim se construí  um novo olhar para a gastronomia potiguar. Quem se voltar para os ingredientes locais estará dialogando com o que existe de mais moderno na gastronomia mundial”, diz a chef que também utiliza flores comestíveis da Mata Atlântica na finalização de suas receitas.

Relembrando o umbu e a groselha do Seridó

Já para o chef Ângelo Medeiros, os sabores testados em suas receitas são resgatados diretamente do paladar afetivo da sua infância. “Sou de Currais Novos e vem de lá, da cozinha da minha mãe, as principais referências que aplico hoje nas minhas pesquisas”, afirma o professor de gastronomia do Hotel-Escola Barreira Roxa.
Sorvete de Ubaia preparado pela chef Gabriela Sales: - Os produtos não têm valor comercial, são colhidos para subsistência, diz
Foi dessa época que Ângelo resgatou o sabor da umbuzada (vitamina com a fruta umbu), aplicada num saboroso e inesperado Pavê. “Trouxe a umbuzada do paladar da minha infância e passei um tempão procurando onde usar esse sabor. Até que resolvi experimentar em uma receita de Pavê de Cupuaçu.”, o resultado é de aguçar a curiosidade de qualquer um.

Além do fruto Umbu, Ângelo concentra suas pesquisas na Groselha cultivada no região do Seridó. “Já estudei a groselha francesa, a inglesa e até groselha a chamada de ‘pitanga da índia’, que fazem parte da mesma família botânica da groselha seridoense, mas o que tem chamado minha atenção mesmo é a cultivada aqui”, conta.

A opinião do chef só reforça o crescimento da tendência entre os chefs de todo o Brasil. “Acredito que esse movimento que está cada vez mais ganhando força seja o principal instrumento para não ficarmos na mesmice. Os franceses já fizeram mais de 200 receitas com a batata, nós temos que fazer o mesmo com a macaxeira.”, brinca o chef.

Ingredientes pesquisados

Aqui, você vai conferir alguns ingredientes garimpados nesse movimento. Encontrá-los para comprar, no entanto, pode ser um desafio maior do que prepará-los.

Ubaia: a Uvaia ou Ubaia é uma fruta de sabor azedo/doce. O nome deriva do tupi ubaia ou ybá-ia e quer dizer fruto azedo. A uvaia é típico da Mata Atlântica.

Aroeira: aroeira ou arrueira é o nome popular de várias espécies de árvores da família Anacardiaceae. No meio gastronõmico a aroeira também conhecida como pimenta rosa.

Cambuci: o cambuci ou cambucizeiro é uma árvore frutífera nativa da Mata Atlântica, ameaçada de extinção. O nome cambuci é de origem indígena e deve-se à forma de seus frutos, parecidos com os potes de cerâmica que recebiam o mesmo nome.

Umbu: o umbuzeiro foi batizado por Euclides da Cunha, em Os Sertões, como uma árvore sagrada da caatinga. Gilberto Freyre disseminou a receita de um doce de calda preparado com umbu verde.Frutos tipo drupa de forma arredondada, de 2 a 4 cm de comprimento, casca amarelo-esverdeada com um caroço. Polpa comestível branca, mole, suculenta e de sabor agridoce. 

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