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A terceira idade volta à sala de aula

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Fábio Araújo – Repórter

Aos 63 anos, o bancário aposentado José Daniel Gurgel está prestes a encarar mais um desafio em sua vida. Estudante do sexto período de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ele vai “estrear” na sala de aula esta semana, como estagiário da escola estadual Régulo Tinôco. E não pretende parar por aí. Quando se formar, daqui a três semestres, José Daniel quer seguir carreira como professor. Um exemplo de que a Terceira Idade não é obstáculo para a retomada dos estudos, seja como porta de retorno à vida profissional, ou apenas como forma de satisfação pessoal.

José Daniel, 63 anos, Seu Daniel,  no meio dos jovens colegas do curso de Geografia da UFRNTudo começou quando, após três décadas trabalhando na Caixa Econômica Federal, José Daniel se aposentou. “Fui do Exército dos 19 aos 27 anos e tinha estudado apenas até o primeiro ano do segundo grau. Entrei na Caixa em 1975 e, como era um bom emprego, não achei que era necessário fazer faculdade, apenas entrei no supletivo para concluir  o terceiro ano. Quando me aposentei, em 1998, notei que estava faltando alguma coisa”, conta. Observando o esforço dos filhos para passar no vestibular, começou a se interessar pelo processo. “Achei que seria interessante fazer o mesmo. Queria sentir o gostinho de ser aprovado”, lembra.

Decisão tomada, ele se inscreveu, mas não fez cursinho nem estudou muito.   “Entrei em 2008. Todo mundo na turma é bem novinho. Minha principal preocupação era como eu iria retornar à sala de aula no meio de tantos jovens. Mas a adaptação foi muito fácil. Procurei proceder como um jovem e hoje até me sinto bem mais moço!”.   Apesar das costumeiras piadinhas na sala, ninguém estranhou nem isolou “seu Daniel”, como costuma ser chamado.

Pelo contrário: a integração é ótima. “Na sexta-feira, vou para o barzinho junto com a turma. Prepara  quitutes para as festinhas e todo mundo gosta. Quando fiz aniversário, chamei os colegas e eles vieram em peso para  a festa”, diz. Outro ponto que o estimulou muito foi a boa acolhida dos professores, sempre dispostos a elogiar sua coragem e determinação. “Acho que sou um exemplo para a parte da juventude que se acha sem condições de estudar. O estágio na escola Régulo Tinoco será mais uma experiência importante, a primeira vez que eu vou realmente dar aulas. Hoje, já estou até ajudando os professores a colocar meus colegas para dentro da sala”, brinca.

“Alavanca” – De fato, o exemplo de José Daniel começa a gerar frutos. Seu amigo de longa data, o 2º tenente da reserva Luiz Carlos Cavalcanti, 56 anos, inspirou-se nele e hoje cursa o quarto período de Ciências Sociais na UFRN. “Foi como uma alavanca para mim. Sempre tive vontade de fazer faculdade e ele me incentivou”.  Logo no primeiro dia, quando os alunos se identificam para a turma, Luiz Carlos afirmou aos jovens que estava ali para aprender com eles. Hoje, é tratado como um líder. “Quando pagamos a cadeira Formação Histórica do RN, pude ajudar muito com meus conhecimentos de história. Eles brincavam, dizendo que eu tinha vindo nas caravelas de Cabral”, diverte-se. No geral, Cavalcanti nota que os jovens buscam “nivelá-lo” com a idade deles.Ele destaca o impacto positivo dos estudos na sua rotina. “Melhorou 100%”.

Empresária  conclui este mês curso de gestão

A busca pelo aprimoramento profissional levou a empresária Maria Ilce Liberato, 60 anos, de volta à sala de aula. Proprietária de uma corretora de imóveis, ela conclui, este mês, o curso tecnólogo  de Gestão de Negócios Imobiliários na Faculdade de Natal (FAL). “Atuo na área há 17 anos e acho importante buscar um nível de escolaridade condizente. No futuro, essa será uma exigência de mercado aqui em Natal, como já é em outras cidades”, considera. Segundo ela, para ser corretor atualmente é preciso ter o curso Técnico em Transações Imobiliárias (TTI), que habilita o profissional perante o Conselho da categoria. 

Maria Ilce acredita que fazer o curso tecnólogo (considerado de nível superior) é um diferencial importante, tanto para quem já está na profissão quanto para os iniciantes. “Achei muito proveitoso. Apesar de atuar há muito tempo na área, sempre aprendemos coisas novas. Pretendo ainda fazer vários outros cursos”, destaca. Além de comparar a prática com a teoria, as aulas a colocaram em contato com diferentes aspectos da profissão. Na grade curricular, matérias como Topografia, Atos Notariais, Gestão de Pessoas e Geoprocessamento ampliaram sua visão sobre o trabalho que desenvolve no dia-a-dia.

“O corretor de imóveis é um consultor, que orienta o cliente a fazer bons negócios. Assim, o mercado exige que ele tenha qualificação. É uma necessidade”.

Aos 79 anos, ex-militar faz direito

Expedito Marinho da Silva tem um sonho: prestar concurso para juiz. Após uma vida inteira de trabalho na Marinha do Brasil e em empresas como a Petrobras, decidiu, aos 79 anos, fazer o vestibular para Direito na Faculdade de Natal (FAL). Aprovado, começou a frequentar as aulas no último mês de agosto. “Voltar aos estudos me fez me sentir muito bem. É uma higiene mental muito importante. Concretizar esse curso é um objetivo que eu tenho. Meu desejo é ser juiz, mas o futuro a Deus pertence”, diz. Outra meta, claro, é ser aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Sem isso, fica incompleto”, define.

Sempre habituado a ler muito, “seu” Expedito garante que não teve dificuldades para passar no vestibular. “Recomendo a todos que continuem estudando independente da idade. Ler e viajar estão entre as coisas mais importantes que se pode fazer”, acredita. Na verdade, o gosto pelo Direito é comum na família de Expedito, que tem um filho, duas netas e 8 primos na área. “Fazia tempo que eu queria começar o curso. Mas este ano a vontade aumentou. Na década de 60, enquanto ainda estava na Marinha, comecei a estudar Ciências Contábeis, mas não cheguei a  concluir”, conta.

Devido a um problema de saúde, ele cursou apenas uma semana do curso e precisou trancá-lo para se tratar. “Mas as aula estavam ótimas e eu quero voltar assim que o médico me liberar. Fui aceito maravilhosamente bem pela turma e pelos professores, que já estão sentindo minha ausência. Sempre fui extrovertido”, relata. Ele fez até uma viagem de campo com os colegas, para Maxaranguape e Ceará-Mirim. “Tem gente com até 50 anos na turma, mas eu sou o mais idoso. Minha cadeira ficava à frente dos outros”. Sua vida profissional o levou a conhecer 18 países, incluindo um período de dois anos morando em Londres, como assistente do adido naval militar. “Assim, pude transmitir muito conhecimento para minha família”, orgulha-se.

Nuria cursa informática para não ficar em casa

Fazer uma graduação ou curso voltado para o lado profissional não é a única opção para o pessoal que está na casa dos 60 anos – ou mais, claro – e quer estudar. Iniciativas como a Universidade Aberta da Terceira Idade (Unati), presentes em instituições como a Universidade Potiguar (UnP), oferecem oportunidades de educação permanente e atividades culturais e de lazer, voltadas para um enfoque mais lúdico. “São aulas como língua estrangeira, informática, desenho, ginástica, criatividade, dança de salão. Temos atualmente 800 alunos nas unidades da Floriano Peixoto e Roberto Freire”, explica a coordenador da Unati na UnP, Deneide Gonçalo.

A aposentada Nuria Ubach, 79 anos, participa das atividades há cerca de dois anos. E não se arrepende. “Estou fazendo informática e pintura em tela. É muito importante ter uma atividade e não ficar só em casa. Com isso, a rotina fica mais divertida e foge da monotonia”, conta. Além de possibilitar a continuidade de uma vida ativa – “se parar, a gente morre” – os aulas a ajudam a conhecer novas pessoas e aprender cada vez mais. Natural de Barcelona, na Espanha, Nuria mora em Natal há 23 anos. “Estou aprendendo a usar a Internet e já passei pela parte mais básica. Tenho até e-mail, mas ainda não uso muito”, diz.

Para a dona-de-casa Marluce Rocha, 70 anos, o dia da aula de pintura é o melhor da semana. “Antes eu era nervosa, estressada. Hoje, me sinto muito mais tranquila e meu dia a dia está muito melhor”, compara. De acordo com ela, a pintura proporciona novos conhecimentos e amizades. “No próximo ano, quero aprender computação. Vou começar do zero. Não posso deixar de vir”, garante. Na UnP, as atividades da Universidade Aberta da Terceira Idade são abertas para pessoas a partir dos 40 anos. “Mas os alunos idosos são a grande maioria”, assegura Deneide Gonçalo.

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