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Agricultura de subsistência mingua

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Valdir Julião – Repórter

A região semiárida do Sertão Central é onde se registra, historicamente, os menores índices pluviométricos do Rio Grande do Norte, que em média chega a 500 milímetros ao ano. Mas, os agricultores são persistentes e a qualquer sinal de chuva, ainda correm para cortar e arar a terra para o plantio de culturas de subsistência, principalmente as iguarias que não podem faltar à mesa do nordestino – feijão e milho.

E ao contrário do que ocorria antes, hoje não se planta mais o bastante para armazenar os excedentes em grandes silos de 25 e até 40 cuias, a antiga medida de volume dos agricultores do Sertão da região Nordeste.

Em Angicos, onde somente 13,87% ou 1.464 dos seus 11.549 habitantes residem no campo, o técnico agrícola Gilson Silva Araújo mantém o hábito de cultivar feijão e milho na fazenda “Sombra do Cruzeiro”, já no limite com Itajá (Vale do Açu), numa propriedade de cerca de 400 hectares que seu falecido pai adquirira numa troca por 96 cabeças de gado e mais 280 hectares de terra que possuía em Jucurutu, na região do Seridó. “Hoje não se faz mais isso, é tudo em moeda corrente”, contou ele, que agora, em março, tinha usado o último grão de feijão, colhido em 2008: “Não dava mais para comer, a gente deu para as galinhas”.
O velho trabalho de cuidar da terra para o plantio vem perdendo cada vez mais espaço no interior
 Gilson Araújo explica que na região predominam as áreas de arisco, assim chamada pelas características arenosa e argilosa do terreno, e de tabuleiros, mais pedregosa: “As terras agricultáveis aqui são poucas, não chegam a 10% das áreas das propriedades”.

Araújo cria boi, caprinos, galinhas, vende ovos e bolos que a mulher faz, entregando tudo para o programa de merenda escolar da prefeitura e para três escolas estaduais. Ele disse que com outros produtos da fazenda, tira líquido uma renda mensal de pelo menos R$ 1 mil. “Já me ofereceram um emprego, mas é melhor que passar oito horas preso no escritório”, disse ele, que estudou  na Escola Agrícola de Jundiaí, em Macaíba e mais alguns meses no curso de Zootecnia “pra trazer  conhecimento” para onde sempre esteve, na Zona Rural, ao lado do pai: “Quando ele morreu vim embora de vez”.

Com o pai e irmãos, juntos, Araújo disse que em 1994, quando o ano “foi bom” de inverno, a família chegou a colher 80 sacas de feijão, mas quando o pai foi vender, não teve preço. “Desgostoso”, declarou ele, o pai não quis mais saber de plantar feijão para ter excedentes. Agora, ele diz que “não tem mil covas” plantadas de feijão do tipo “chapéu de couro”, casado com capim numa área de 0,5 hectares.

No Sitio Riacho do Prato, que fica há uns três quilômetros à margem da BR-304 no sentido de quem sai de Angicos para Assu, reside o agricultor José Rodrigues do Nascimento Filho com mulher e três filhos, um quarto mora fora e que plantou, “na enxada”, cerca de duas mil covas de feijão para consumo próprio. “A chuva não chegou, mas a minha diligência é a plantação”, disse ele, ainda com esperança do inverno “vingar” porque caiu chuva nas redondezas do Riacho do  Prato.

O filho Júlio Mauro do Nascimento diz que, apesar das dificuldades, a família já é satisfeita, porque comprou a terra com financiamento pelo governo federal, para pagar em 17 anos, mas já tem dinheiro suficiente arrecadado para pagar todo o empréstimo contraído no banco.
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Júlio Nascimento disse que o pai foi ao banco tentar quitar o empréstimo todo de uma vez, mas foi informado que tinha de cumprir o contrato de pagar em parcelas. “A gente comprou a terra por R$ 19 mil, se abrir o bico por R$ 200 mil a gente fica sem ela, mas não vamos vender”, disse o filho de seu “Zé Caldeirão”, o qual agrega renda à família com a venda do leito bovino a R$ 0,75 o litro ás queijeiras da região, “porque recebe o dinheiro por semana” e se for vender para o programa do governo estadual recebe com quatro ou cinco meses. Já o litro de leite de cabra, segundo ele, é vendido a R$ 1,25 à Associação de Caprinos e Ovinos do Sertão de Angicos (Apasa).

Pluviômetro ajuda sertanejo a acompanhar volume de chuvas

No município de Santana do Matos, cuja população rural de 6.905 habitantes (52,92%) supera a da zona urbana, o agricultor José Elias da Silva é proprietário de uma pequena gleba de terra margeando o açude Alecrim, na saída da de Santana do Matos e no pé da Serra de Sant’Ana, de onde acompanha  as chuvas com um pluviômetro de material plástico, que compra ao custo de R$ 13,00 numa loja da cidade. “A gente só coloca quando está nublado e se arrumando pra chover”, explicou ele, porque se deixar ao sol o pequeno equipamento racha.

“Neto Macena”, como ele é conhecido em Santana do Matos, adiantou-se e em 13 de fevereiro, quando choveu apenas 4 milímetros, plantou milho. Na outra chuva, no dia 17, quando caíram 50 mm, ele disse que plantou 500 covas de feijão.

“Em março se desmanchou tudo o que janeiro e fevereiro fez”, afirmou ele, com relação ao feijão e o milho que plantou para aguardar as chuvas, que só caíram 10 milímetros, no domingo, 18, véspera do Dia de São José. “Nada pra Deus é custoso”, continuou ele, ainda confiando na consolidação do inverno pelo menos em abril, pois, como diz o ditado popular – “se não chover mais a vaca vai pro brejo’.

Segundo Macena, na região chove entre 400 e 500 milímetros por ano: “Quando passa disso é acima do normal”. Fora da criação de caprinos e bovinos, ele explica que às margens do açude Alecrim também se planta batata, são os chamados “varzeiros”, que por 500 covas de área plantada, chegam a pagar uma taxa de R$ 25,00 ao município porque o entorno do açude é público.

“Atividade secular não pode ser desprezada”

“Não podemos desprezar e tirar dos agricultores uma atividade secular e histórica, mesmo com as suas adversidades”, posiciona-se o analista de Mercado de Produtos e Produtos Agrícolas,  Luís Gonzaga Araújo e Costa, da Superintendência Regional da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Luís Gonzaga Costa diz que na região do Sertão Central, realmente, planta-se mais para a subsistência, mas esclarece que lá existe “o que chamamos de diversidade”, a maneira encontrada pelo camponês para conviver com o semiárido produzindo diversas coisas e com a criação de animais, sobretudo a caprinocultura.

Costa afirma que “existe essa cultura”, de também se plantar  nas primeiras chuvas de janeiro e fevereiro: “Se der certo tudo bem, senão, perdem o que plantaram”.

O analista de Mercado e Produtos Agrícolas da Conab está no interior desde o meio da semana, devendo voltar a Natal somente nesta segunda-feira, dia 26. Por telefone, ele informou que as dificuldades são grandes por conta do inverno não ter se consolidado, só na chamada região da “Tromba do Elefante”, disse que “viu milho e feijão em desenvolvimento”.

No entanto, não é por conta da irregularidade no inverno, que é visto como normal no semiárido, “que vai se cortar um hábito, uma tradição dos agricultores”, que plantam de qualquer maneira, já que têm acesso à semente e ao corte de terra: “Não são de recursos próprios e podem ter a cobertura do seguro-safra, o que podem amenizar a situação deles”.

Costa explicou, ainda, que por sua experiência no trabalho com a agricultura, esses camponeses não podem ter uma agricultura de escala como a empresarial. Mas, ele é a favor de incentivar os agricultores familiares a plantar, pois eles produzem alguma coisa. “É melhor do que deixar a terra ociosa”.

Mesmo não tento autossustentabilidade devido à escassez de terras agricultáveis e insuficiente oferta de água, Costa acredita que é a diversificação da atividade dos agricultores familiares podem lhe permitir alguma renda extra.

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