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Aids: o que mudou em trinta anos

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Ricardo Araújo – repórter

Dos primeiros casos registrados no início da década de 1980 à atualidade, o perfil dos infectados pela aids se modificou e alguns mitos foram quebrados. O câncer gay, como ficou conhecida a enfermidade que dizimava jovens (que tinham em comum a homossexualidade) nos primeiros anos da epidemia, deixou de ser uma doença restrita àquelas pessoas e passou a atingir cada vez mais jovens, mulheres e idosos. A maioria deles heterossexuais. De acordo com levantamento da UNAIDS (Programa da Organização das Nações Unidas para HIV/Aids), divulgado semana passada, 34 milhões de pessoas viviam com HIV/Aids até o final do ano passado. O que representa um aumento de 17% quando comparado com os índices disponibilizados em 2001.

A cada dia de 2010, mais de sete mil pessoas foram infectadas pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Deste total, cerca de 97% das infecções ocorreram em países de renda baixa e média. Seguindo a mesma lógica, aproximadamente mil crianças com menos de 15 anos se contaminaram e algo em torno de seis mil novos contágios ocorreram em adultos a partir dos 15 anos, diariamente em 2010. As mulheres respondem por 48% das novas infecções e os jovens com idades variando entre 15 e 24 anos, por 42%. No Rio Grande do Norte, os índices aumentaram entre  mulheres e idosos heterossexuais. Somente entre 2000 e 2010, o percentual de pessoas com mais de 60 anos infectadas, subiu 150%.

A dona de casa Rita de Cássia (nome fictício), é uma das mulheres que entrou para esta estatística em nível estadual. Ela descobriu a doença há nove anos, após uma doação de sangue. “Eu sempre fui uma mulher fiel a meu marido. Jamais o traí ao longo de um casamento de quase 30 anos. Descobrir a infecção na terceira idade foi um choque muito grande. O que as pessoas iriam pensar de mim ao saberem disso?”, indaga.

Aos 67 anos, falar sobre HIV/Aids com Rita de Cássia é quebrar tabus. Com medo de ser acusada de traição por familiares e amigos, ela prefere silenciar e esconder a doença. Mostrar o rosto é uma impossibilidade à maioria dos portadores do vírus. “O que eu posso fazer? Meu marido morreu aos 51 anos após um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Ninguém jamais soube que ele tinha aids. Nem eu sabia até que fiz a doação de sangue e recebi a ligação do Hemonorte dias depois. Eu escondo a doença com medo do preconceito”, relata a aposentada.

A infectologista Tereza Dantas, que atua no Hospital Giselda Trigueiro, analisa que o aumento do número de infectados no Rio Grande do Norte segue a tendência mundial. Segundo ela, a principal causa é a não utilização dos preservativos e a não realização periódica de exames de sangue para detecção do HIV. “A epidemia se pauperizou. Ou seja, está atingindo pessoas de nível sócio-cultural e financeiro mais baixo. Está atingindo muitas mulheres e se interiorizou”, atesta a especialista. A proporção entre infectados, que era de 40 homens para 1 mulher até meados da década de 1990, hoje se equipara em 1,6 homem para cada mulher infectada em quase todo o país.

#SAIBAMAIS#Ao longo dos últimos 30 anos, desde que a doença foi descoberta em 1981, o tratamento da aids avançou significativamente. Mesmo assim, somente no ano passado, cerca de 1,8 milhão de pessoas morreram de causas relacionadas à doença em todo o mundo, conforme relatório da UNAIDS. “O Programa de Aids do Brasil é muito bom. Ele realmente investe no aperfeiçoamento dos profissionais, na assistência e na prevenção. Mas, às vezes, a prevenção não dá conta. A prova é que os números sempre aumentam”, analisa Tereza Dantas.

Sob controle, do ponto de vista de tratamento clínico com o uso assistido do coquetel, a aids deixou de ser uma doença letal e passou a ser tratada como crônica, assim como a hipertensão, por exemplo. “Os jovens, principalmente, deixaram de usar camisinha. Há tratamento eficaz para a aids. Mas o melhor, porém, é não tê-la. O vírus HIV não tem cara e a melhor defesa é a prevenção”, alerta a especialista.

Bate-papo

Tereza Dantas, médica infectologista

“Os cuidados são iguais para todos com vida sexual ativa”

Qual avaliação a senhora faz do atual quadro epidemiológico da aids no Rio Grande do Norte?

Eu diria que a aids no Rio Grande do Norte está acompanhando o cenário nacional. A epidemia se pauperizou. Ou seja, está atingindo pessoas de nível sócio-cultural e financeiro mais baixo. Está atingindo muitas mulheres e se interiorizou. 

O número de infectados reflete a realidade atual?

Existe muita sub-notificação ainda no Estado. Quando se analisa os números de registros de notificação de casos registrados em nível de Rio Grande do Norte, talvez a gente esteja parecendo numa posição tranquila em relação aos demais estados brasileiros. Hoje ocupamos a 21ª posição em relação ao índice de infectados no Brasil. A gente observa pacientes mesmo dentro de um serviço de referência como o Hospital Giselda Trigueiro que não foram notificados e, principalmente, pacientes em nível de consultório privado. Existem colegas médicos que fazem consultório privado de pessoas com HIV e existem critérios para notificação, por se tratar de uma doença de notificação compulsória. Os critérios de notificação não significam apenas receber um resultado de HIV positivo e o dado é notificado e já cai nas estatísticas nacionais. Não é assim.

Qual o processo de notificação?

Para ser notificado, é preciso ter o exame positivo de HIV e/ou sintomatologia clínica, que são as doenças definidoras de aids ou uma contagem de células CD4, que são as células de defesa, que é um dos exames que utilizamos para acompanhamento dos pacientes, menor ou igual a 350. Então se a pessoa apenas tem o HIV positivo, não tem doença clínica e tem o CD4, uma defesa acima deste valor, ele é uma pessoa HIV positiva mas não está nas estatísticas.

Nos últimos anos, o número de infectados aumentou entre as mulheres. Este aumento se deve à independência sexual da mulher, à contaminação dos maridos e/ou ao uso de seringas comuns para drogas injetáveis? 

No nosso Estado, não é muito comum o uso de drogas injetáveis. A grandessíssima maioria realmente se infecta através das relações sexuais. Seja contato heterossexual – mulher casada e fiel que adquire a aids do marido infiel que “pula a cerca” e pega a doença lá fora e traz para dentro de casa – ou de mulheres que mantem relações, por exemplo, com homens bissexuais. Eu acredito, na verdade, que o caminho migrou daí. Começou realmente com um número maior de homossexuais, tanto que no início da epidemia em nível de Brasil eram 40 homens positivos para cada mulher positiva. Hoje,  em nível de Rio Grande do Norte, já é menos de dois homens para cada mulher. Em Mossoró, por exemplo, para cada homem notificado há uma mulher notificada. 

Quem são os potenciais transmissores do HIV para mulheres?

Os bissexuais e os heterossexuais estão transmitindo aids para as mulheres. Mulheres estas que muitas vezes não se encontram no que, no passado, se chamavam grupos de risco. Hoje em dia, qualquer pessoa que tem uma vida sexual ativa tem um comportamento de risco. Porque eu posso ser fiel, mas se meu marido, se meu não namorado não for fiel, eu posso estar com uma falsa impressão de que estou segura e, na verdade, não estou.

O índice de infecções entre idosos  aumentou na última década. Como a senhora analisa esta situação?

De um certo período pra cá, principalmente com o uso dos medicamentos para o tratamento da disfunção erétil masculina, esses homens que até então estavam praticamente sem vida sexual, começaram a tê-la novamente. São pessoas que não foram educadas na época em que eram jovens e adultos, pois não era preciso usar preservativos ou não se falava tanto em preservação. E, a partir de agora, com o risco de aids, hepatite, sífilis e de outras DSTs, eles estão redescobrindo o sexo e não tem o hábito de usar camisinha. Para todas as pessoas que tenham uma vida sexual ativa, o cuidado é o mesmo.

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