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“Ainda não sabemos quais os impactos precisos gerados no território com os parques eólicos”

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As condições de emprego geradas em decorrência de um Parque Eólico não são as mesmas que os gerados por um Parque Hoteleiro”, frisa o sociólogo Ângelo Magalhães Silva, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Em se tratando de território, continua, ambos são invasivos, mas “em se tratando de efeitos de empregabilidade local, penso que são diferentes”. A pergunta é quem emprega mais e por mais tempo. Segundo ele, são tipos de serviços distintos, porém sujeitos a mudanças climáticas. “Qualquer estrutura produtiva gera impactos, e ainda há dúvidas relativas a quanto de território é e pode ser destinado à atividade eólica no Polo Costa Branca, e se isso limita os investimentos do turismo imobiliário”. Para Ângelo, a questão importante nesse sentido diz respeito à infraestrutura gerada pelo turismo e saber se ela complementa a logística do setor eólico. “Isso é importante, pois possui relação com o passado dos investimentos turísticos que foram destinados ao RN nos anos 1980 e 1990, com o PRODETUR”, diz.
Ângelo Magalhães Silva confessa que não sabe ao certo se o Nordeste vive um bom econômico. “Percebo que alguns setores da economia foram bastante ativados recentemente, especialmente por programas de incentivos governamentais à produção e acesso a crédito. Mas não tenho dúvidas que o nordeste e demais estados brasileiros vivem um boom do consumo, especialmente com o renascimento da classe ‘C’, expressão adequada ao fordismo periférico que marca alguns setores de nossa economia”.
 
Ângelo Magalhães Silva é licenciado e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. É doutor em Ciências Sociais na área de Política, Desenvolvimento e Sociedade, pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da mesma universidade. É ainda professor adjunto de Sociologia da Universidade Federal Rural do Semiárido – UFERSA.  Confira a entrevista.


O senhor afirma que o Nordeste vem se tornando um espaço de “território da energia”. Como se manifesta essa “nova fronteira” de exploração na região?

Geralmente as estruturas produtivas de ganhos de capital em escalas necessitam de território. A história do Nordeste é, em grande medida, a de atividades econômicas organizadas também a partir desta “vantagem comparativa”. Não se acumula capital sem território; a terra é fundamental especialmente para os vários tipos de renda, como ocorre em Mossoró, cidade do oeste do Rio Grande do Norte, com os altos preços do aluguéis. Mas não é qualquer terra. O território mais apropriado é aquele sujeito a um processo que na geografia crítica vem se chamando de acumulação por despossessão, onde se varre qualquer resistência política e econômica e cria-se uma artificialidade nova, produtiva.
Em boa parte do Nordeste e do Rio Grande do Norte isso foi assim com a atividade têxtil, a agricultura irrigada e outras mais modernas como o petróleo. A mudança na paisagem é apenas uma consequência inicial. A acumulação por despossessão se expressa no RN e seria impensável sem a relação entre Estado e grupos econômicos do setor energético. Quando digo que o Nordeste e o RN vêm se tornando o “território da energia”, afirmo que é o Estado também quem orienta o capital, especialmente promovendo mais infraestrutura e diminuindo os riscos do “negócio dos ventos”, do petróleo, do turismo, além de outros.

Construiu-se a ideia de que o investimento em energia eólica é sempre bem vindo por se tratar de energia limpa e renovável. Qual é o impacto dos parques eólicos nos territórios locais?

Ainda não sabemos quais os impactos precisos gerados no território com os parques eólicos. O discurso empresarial corrente é de que os impactos são mínimos, algo bastante questionável. E são poucos os diagnósticos socioeconômicos que os explicitam. A questão é saber o que se chama de impacto quando se trata da relação energia eólica e território. Na sociologia, esses estudos são poucos e precisam observar os princípios da governança corporativa e responsabilidade socioambiental, caro a muitas empresas do setor energético, e especialmente se elas as efetivam.
O Grupo de Estudos sobre Desenvolvimento e Violência – GEDEV do qual faço parte iniciou esses estudos recentemente. Como disse, a mudança na paisagem é apenas um desses impactos, os visíveis, e revela, sim, um outro território construído. Basta saber ainda que consequências esse novo território causa para comunidades pesqueiras locais, fazendas, pequenos municípios e os trabalhadores locais. Estudos dessa ordem não existem para o Polo Costa Branca, aqui no RN. Em algumas entrevistas realizadas em alguns municípios que compõem o “Polo”, é comum relatos de moradores afirmando o fim de algumas vegetações nativas, mudança no comportamento de aves, privatização de antigas áreas comunais de plantio, pesca e criação de animais. Basta ainda saber quais os impactos de ordem subjetiva, ou seja, as expectativas de famílias e indivíduos com a presença dessas estruturas produtivas. Não sabemos se os fortes ventos mudam positivamente e com força o futuro de alguns municípios, e o sentido de uso que passa a atribuir os habitantes às suas terras.

Os investimentos em energia eólica no Nordeste são em sua maioria privados ou públicos? Os grupos que investem são nacionais ou transnacionais?

Quando se fala no Brasil e no Nordeste sobre modernas estruturas produtivas, há muito capital investido, mas da associação entre Estado e grandes grupos econômicos. Na maioria dos casos, como sabemos, o Estado, além de orientar o capital, os incentiva. É dinheiro público a serviço da acumulação privada, sob o manto da contrapartida do emprego, renda e, agora, da proteção ambiental. No caso dos investimentos em energia eólica no Nordeste, basta olhar para os incentivos do BNDES. Recentemente, este banco público liberou R$ 378 milhões em financiamento para os parques eólicos da Bahia e do Rio Grande do Norte. Claro que há um montante significativo de capital privado no negócio, como é de se esperar, e de muitos grupos econômicos com vários braços como Google, DuPont, Iberdrola e muitos outros.

Segundo o BNDES, são 107 Parques Eólicos na linha de financiamentos, representando R$ 8,4 bilhões em empréstimos. É preciso muito vento para pagar esse financiamento. É muita empresa e muito Estado juntos. Claro que isso varia de estado para estado. O Ceará faz uma campanha forte para atrair empresas do setor e instalar fábricas de aerogeradores, alguns com destino ao uso no varejo, algo novo. O RN ainda ensaia estes passos. Para efeito de pesquisa acadêmica séria, o oportuno era saber o volume dos investimentos externos diretos (IDE) que chegam ao Brasil e atraídos pelas empresas do setor, especialmente suas oscilações frente às mudanças recentes na economia mundial. Ou seja, os investimentos aumentam ou diminuem? Isso é importante, pois saberíamos em que medida se dá esse dinamismo corporativo e sua capacidade diversificadora aqui no Brasil e em estados pobres como o RN, para além do PROINFA, por exemplo.

No caso do Rio Grande do Norte, que tem recebido muitos investimentos em energia eólica, quais são as contradições e problemas que surgem junto às comunidades locais? Os investimentos são bem recebidos? Há tensões?

Não há explicações científicas sobre isso ainda. Para o RN não há estudos socioeconômicos sérios a tal respeito. Nós do GEDEV estamos iniciando. Há mudanças nas comunidades locais, como ocorre como os pequenos municípios ao chegar uma fábrica de tecido ou um bairro de uma cidade que passa a ser destino turístico. Há alguns indicativos de certa mudança no mercado de terras local, onde famílias e pequenos capitalistas passam a atribuir outro sentido de uso ao solo. Isso não é algo restrito ao litoral nem efeito somente dos empreendimentos do setor eólico. Programas de incentivo à casa própria com longos financiamentos contribuem para mudanças no intraurbano de cidades como Natal e Mossoró, no preço da terra e na mobilidade.

Tensão – turismo e energia eólica

Outra questão séria e que leva tempo diz respeito aos impactos nos municípios que vivem do turismo, como alguns do Polo Costa Branca. Há uma tensão entre turismo e energia eólica? É difícil saber e, talvez, ainda cedo. Penso que a saída para compreender essa tensão e a existência de impactos associados a essa combinação passa pela questão ambiental, especificamente as áreas de proteção ambiental que existem no Polo Costa Branca e que estão sob a mira do capital internacional.

O senhor destaca que, no litoral do Polo Costa Branca no Rio Grande do Norte, são os chamados “parques eólicos” e não os parques hoteleiros que convivem com a caatinga e entre dunas de areia, sal e falésias vão ocupando a paisagem local. Esse investimento é menos invasivo, gera empregos? Que oportunidade econômica possibilita?

Essa é uma questão interessante, pois as condições de emprego geradas em decorrência de um Parque Eólico não são as mesmas que os gerados por um parque hoteleiro. Em se tratando de território, ambos são invasivos. Porém, em se tratando de efeitos de empregabilidade local, penso que são diferentes. A pergunta é quem emprega mais e por mais tempo. São tipos de serviços distintos, mas sujeitos a mudanças climáticas. Qualquer estrutura produtiva gera impactos, e ainda há dúvidas relativa a quanto de território é e pode ser destinado à atividade eólica no Polo Costa Branca, e se isso limita os investimentos do turismo imobiliário. A questão importante nesse sentido diz respeito à infraestrutura gerada pelo turismo e saber se ela complementa a logística do setor eólico. Isso é importante, pois possui relação com o passado dos investimentos turísticos que foram destinados ao RN nos anos 1980 e 1990, com o PRODETUR.

O nordeste brasileiro vem assistindo a um boom econômico. Qual tem sido a dinâmica desse crescimento e como impacta o território regional/local?

Não sei ao certo se o Nordeste vive um boom econômico. Percebo que alguns setores da economia foram bastante ativados recentemente, especialmente por programas de incentivos governamentais à produção e acesso a crédito. Porém, não tenho dúvidas que o nordeste e demais estados brasileiros vivem um boom do consumo, especialmente com o renascimento da classe “C”, expressão adequada ao fordismo periférico que marca alguns setores de nossa economia. Penso que as atividades do setor energético no Brasil e aquelas que se expressam no Nordeste têm possibilidades de conectar escalas, especialmente as regionais e suas estruturas produtivas já presentes.

Temos que discutir, como afirmei em outro lugar, se isso é possível sem um projeto mais amplo de desenvolvimento e não apenas de crescimento. Podemos incorrer no risco do acirramento da guerra fiscal, dos desequilíbrios regionais e de um país que não se desenvolve e cresce setorialmente. Teríamos, assim, manchas de crescimento e áreas inteiras estagnadas. O RN é um exemplo disso. O retorno à ideologia do localismo vem contribuindo negativamente para isso, e o território é visto apenas como vantagem econômica e competitiva, e não como elemento capaz de integrar o futuro do econômico e o futuro do social.

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