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Ano da Cabra

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Woden Madruga [[email protected]]

O  ano novo na China começou quarta-feira, 19, mas não tem nada a ver com o calendário carnavalesco brasileiro. Lá tudo é muito mais antigo.  Nem Cristo havia nascido e  os chineses comemoravam o novo ano com muitas festas e com uma vantagem de sobra: não havia papai noel.  O ano novo chinês, de 2015, é consagrado à Cabra. Pode ser substituída pelo Carneiro. Mas a Cabra é a preferida da maioria  e ela esta nas manchetes dos jornais  e nas capas das revistas do mundo inteiro. Leio num  dos jornais  de Lisboa:

“Na China a celebração é feita de forma exuberante. Petardos e muito fogo-de-artifício servem para afugentar os maus espíritos e as famílias juntam-se numa ceia em que a mesa tem de estar farta. Este período é considerado como  a maior festa da China, equivalente ao Nata ou à passagem de ano no Ocidente (…) O que significa a cabra, o novo animal zodíaco chinês? A cabra possui a energia Yin, que simboliza, paz, harmonia e tranquilidade. Este signo, segundo os rituais chineses, pode trazer para o ano que nasce agora o apaziguamento de guerras (…) O ano da cabra é também aquele em que a arte vai predominar, além do dinheiro.

Depois de ler a reportagem  no jornal português me lembrei de um livrinho que fala dessas coisas da China e que me foi presenteado pelo escritor e historiador Raimundo Nonato. Fui procurá-lo nas estantes. Depois de algum tempo encontrei-o por trás de outros livros.  Tamanho livro de bolso, 128 páginas, com o titulo “Cabra”  encimado com “Zodíaco Chinês e, no centro da capa, com fundo azul, um belo exemplar de cabra, chifres enormes, encaracolados. O autora do livro é Catherine Aubier, astróloga. A  edição original foi publicada em Paris,  em 1982, com o título “Chévre”. A edição brasileira é da Editora Pensamento, São Paulo.

O velho e querido mestre Raimundo Nonato escreveu    na página de rosto: “Ao WM: Abraços aos caprinos. Cordialmente, Raimundo Nonato. Rio, 9/5/85”. Logo em baixo, um selo: “R Nonato – Rua Marquês de Abrantes, 168/601 – 22.230 – Rio de Janeiro – Flamengo”. Era a residência do escritor.

Na abertura do livro está escrito:

“A lenda do Buddha – Num certo Ano Novo chinês,  mais de cinco séculos antes de nossas era, o Senhor Buddha convidou todos os  animais da criação, prometendo-lhes uma recompensa correspondente à sua onipotente e miraculosa mansidão. Com a alma turvada pelas preocupações do momento – não se diz no Oriente que é próprio do animal, comer, dormir, acasalar-se e sentir medo? – quase todos desdenharam o chamado do divino Sábio. Doze espécies, todavia, fizeram-se representar. Pela ordem de comparecimento: o Rato, o Búfalo, o Tigre, o Gato,  o Dragão, a Serpente, o Cavalo, a Cabra, o Macaco, o Galo, o Cão e o9 Javali. Outras tradições substituem o Gato pelo Coelho e o Javali pelo Porco..

“Para agradecer a esses animais, o Buddha ofereceu a cada um deles um ano que lhe seria dedicado daquele momento em diante (…) Assim, foi estabelecido um ciclo de doze anos eu combina a sucessão e o ritmo desse bestiário fantástico (…) Essa é a lenda.”     

A Cabra
Nas páginas seguintes Catherine Aubier vai escrevendo vários capítulos sobre a Cabra e suas influências nas relações com o homem e o seu ambiente: “A Cabra e o seu simbolismo,” “A Psicologia da  Cabra”, “A criança Cabra”,  “A vida sentimental”, “A vida profissional”, por aí. Tem trechos assim:

– A cabra de três cores, branca, preta e vermelha, montada nas nuvens, parece estar na terra apenas de passagem. De fato, seu domínio, seu universo próprio é  céu, a imensidão, o espaço.

– Ela brinca, pula, cabriola, indiferente. Mal você  percebeu seus chifres, já desaparece atrás de uma densa nuvem, corta-a num golpe só de seus cascos e ri das mil gotas de chuva cintilando num cálice de uma aurora luminosa.

– Mas cuidado: se você não a levar a sério, ela irá desencadear a tempestade, deflagrar o raio, excitar o trovão. Essa pequena Cabra é uma criadora de chuva, amiga do relâmpago e hóspede da abóbada estrelada. Pertence à constelação do “Cocheiro”.
– A Grécia antiga fez dela a ama-de-leite de Zeus, mas nossa Cabra zomba disso, pois tudo para ela é fantasia, capricho, pretexto para se divertir com os homens e com o seu arraigado senso de seriedade.

– A Cabra não é, contudo, insensível à terra, a suas virtudes e seus ciclos. Animal maternal e protetor, participa no desencadeamento das chuvas, na fertilização e no desabrochar da natureza. Profundamente intuitiva e dotada de grande sensibilidade, sabe ser forte diante dos obstáculos e nunca desiste, aconteça o que acontecer.

As cabras da gente
As cabras são uma das minhas paixões nas Queimadas, começando pelas raças nativas que comecei a gostar e admirar nas conversas com Manoel  Dantas Vilar Filho (Manelito) e Ariano Suassuna, reforçando a aprendizagem em andanças por estes sertões a fora. Numa dessas viagens fui bater em Canudos e Uauá, mesmas veredas de Euclides da Cunha, levado por Francisco J. C. Dantas, sergipano de boa cepa, escritor, autor dos excelentes romances Coivara da Memória e Desvalidos (onde se encontram Fabião das Queimadas e Inácio da Catingueira), também criador de ovelhas e cabras, viagem enriquecida com a presença do poeta Luís Carlos Guimarães.

Mas a universidade mesmo onde o sujeito aprimora seus conhecimentos, faz doutoramento,  é na Fazenda Carnaúba (Taperoá, nos cariris velhos da Paraíba),  de Manelito, primo e sócio de Ariano no criatório de  várias raças nativas, aqui e acolá melhoradas geneticamente com  raças europeias, alpinas   e murciana, esta espanhola excelente. Trouxe  de lá algumas delas que agora povoam, já há vários anos, os  cercados, currais e  apriscos da Ubaia, ‘anêxo’ às Queimadas, quase ao pé da Serra do Mel: Moxotós, Murcianas, Azuis, Repartidas, Canindés, Graúnas, Caóbas, puras e mestiças. Uma beleza!

Lembro-me agora de uma palestra que Manelito fez num seminário sobre “Cooperação em Ciência e  Tecnologia com foco no Semiárido”, realizado em Fortaleza em setembro de 2004. Às folhas tantas ele falou assim:

– A Bíblia – elo entre o homem e a Divindade – contém, em certo sentido,  a crônica da vida de um povo numa região muito seca. Fala em cabra 120 vezes e as ovelhas permeiam seus textos. As “civilizações do regadio” daquelas regiões sumiram na poeira dos tempos. Há um simbolismo revelador em suas narrativas.

-As cabras do Brasil, como se sabe, foram submetidas a uma desconsideração histórica e se preservaram na Caatinga vasta, à margem remota das Secas, pela ação de homens e mulheres simples do campo, que, intuitivamente, sobreviveram à custa da compatibilidade ecológica e da versatilidade produtiva desses caprinos.

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