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Aos construtores, a impunidade (Parte II)

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Francisco de Sales Matos – advogado, prof. da UFRN

Nosso retorno ao assunto em tela não tem outro propósito, senão repercutir o “grito do silêncio” dessa verdadeira massa de consumidores que, genuflexa, posta-se diante do poder dos construtores e incorporadores, aceitando pacificamente seus produtos, com vícios e defeitos, além de uma instrumentalização jurídica abusiva e excessivamente onerosa, imposta para a venda desses produtos. Não custa lembrar que o tema se contém no universo da (ir)responsabilidade civil do construtor que, em cotejo com os direitos do consumidor, desafia os doutos pela complexidade e vastidão. De saída, não podemos deixar de esclarecer que os contratos de compra e venda de imóveis ou de promessa de compra e venda, articulados por vendedores, construtores e incorporadores, são também conhecidos como contratos de adesão ou de massa, o que significa dizer que são elaborados unilateralmente pelos próprios empreendedores, cabendo aos consumidores apenas concordar com seus termos, isto se quiserem adquirir os produtos postos em venda. Ultrapassado este aspecto preliminar, tem-se que é recorrente dentre os construtores o estabelecimento de prazo aparentemente certo e determinado para entrega das obras que se propõem a vender. E é nesse bote que embarcam os consumidores embalados pela publicidade, pelo sonho da casa própria, pelo prazo razoável contratualmente estabelecido para entrega do bem e, enfim, animados pelos vendedores treinados para vender sonhos. E, assim, planejam a organização das suas vidas, inclusive o próprio casamento, a venda de suas moradias, a entrega da casa alugada, a devolução da casa do sogro(a) ou mesmo a mudança da escola das crianças.

Acontece que, o grande dia chega e nada de casa ou apartamento. A construção está pelo meio ou do meio pro fim ou nem no meio, nem no fim, só no papel. E aí fazer o quê? Só resta rezar, apelar para o Papa ou recorrer à Justiça. Considerando que 98% dos consumidores não recorrem à Justiça e que esses engodos continuam incólumes, a conclusão que se chega é que nem a reza, nem o Papa tem dado jeito para que os construtores entreguem as obras que vendem no prazo que eles mesmos estipulam. Agora, o mais grave é que as construtoras inescrupulosas se valem das famigeradas cláusulas de tolerância e continuam a cobrar a correção do período de suas inadimplências, além de fixar novas prestações para esse período, afetando tremendamente os consumidores nas suas próprias existências e nos seus direitos fundamentais, sobretudo o especial direito à moradia. Porém, aos poucos a transparência aflora e hoje é possível vislumbrar o agressivo prejuízo que esses atrasos na entrega de obras provocam nas parcas economias dos consumidores, na verdade direitos individuais homogêneos. Para ilustrar, basta demonstrar que em Natal não são raros os empreendimentos imobiliários construídos ao valor médio de R$ 600.000,00 por apartamento. Considerando que o saldo devedor a ser financiado, reajustado pelo INCC, cresce em torno de R$ 4.000,00 por mês, verifica-se que esses atrasos, protagonizado pelo próprio construtor, custa ao comprador R$ 48.000,00 por cada 12 meses de atraso.

Agora, se isto é muito grave, imagine-se o comprador em situação de inadimplência. Aquele que faltar um dia com seus deveres é obrigado a pagar juros, multas e demais consectários, e se atrasar o pagamento por prazo superior a 15 dias é notificado dessa inadimplência e corre o risco de perder o imóvel e praticamente tudo que pagou. Mas há luz no fim do túnel. Essa clarividência aos poucos toma conta da consciência coletiva e já se constata uma tendência de se buscar reparação junto ao Poder Judiciário, em que pese a complexa burocracia processual e o vacilo dos Tribunais que claudicaram num primeiro instante não entendendo o que estava subjacente na aparente inofensividade desses atrasos. Mas agora já percebem a razão da desídia empresarial e a cada dia evoluem em suas decisões em favor dos consumidores. Mesmo assim, a demanda é baixa e o construtor/incorporador continua na zona de conforto da impunidade, agredindo direitos individuais homogêneos. Com a palavra o douto Ministério Público.

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