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Às nossas memórias fotográficas

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Tadzio França – repórter

Os trilhos dos bondes, os aviões  sobre o rio Potengi, uma bucólica avenida Rio Branco, a Ribeira glamourosa, e outros momentos de uma Natal que não existe mais viraram história — e fotos. Os registros da capital que muda a cada instante foram em boa parte captados pelas lentes de fotógrafos pioneiros que, desde a primeira metade do século XX, estão em ação. Em conjunto, estes acervos constituem uma fonte histórica de alta importância. No entanto, permanecem dispersos, com ocasionais aparições na Internet, ainda engavetados pelos seus criadores e herdeiros. No mês  em que se celebra o Dia Mundial da Fotografia, 19 de agosto, cabe saber por onde e como anda a memória fotográfica natalense.
Jaeci Emerenciano Galvão posa em frente ao seu painel de fotos, na casa onde vive em Ponta Negra
Natal ainda vivia a tensão e a euforia da 2ª Guerra Mundial quando Jaeci Emerenciano Galvão fez seus primeiros cliques.  Hoje com 83 anos, Jaeci possui um dos maiores acervos fotográficos sobre a Natal dos últimos 70 anos. Tudo está guardado na sua casa em Ponta Negra, onde a TRIBUNA DO NORTE esteve na manhã de quarta-feira. Cerca de 200 dessas fotos foram digitalizadas e reunidas nos VCDs “Natal de ontem” e “Natal de hoje”, facilmente encontráveis para venda em alguns restaurantes, hotéis e estabelecimentos turísticos. Os filhos de Jaeci pretendem reunir os álbuns de “ontem e hoje” em um livro, projeto que ainda não foi concretizado. Apesar da saúde fragilizada, Jaeci quer participar do processo de escolha desse material.

O acervo mais histórico de Jaeci está praticamente reunido nos VCDs. No mais, foram registros das inúmeras fotos comerciais, de eventos, esporte  e o meio social que ele fez ao longo dos anos. O fotógrafo admite que bastante coisa foi perdida, pela falta de um catalogamento mais cuidadoso. Sequelas de um tempo em que tudo era novidade, o começo de tudo. A ‘Foto Jaeci’, sua marca registrada, foi aberta em 1948, na rua Amaro Barreto, Alecrim. Pelas suas lentes curiosas, o veterano registrou uma Natal com pouco mais de 50 mil habitantes, e clima de cidade do interior. Razões que fazem as fotos ainda mais especiais.

A Natal dos anos 40 e 50 se movimentava entre a Ribeira, Cidade Alta, Petrópolis e arredores, se divertia nos cinemas Rex e Royal, e se embriagava nos botecos da rua Chile. Jaeci registrou um pouco de tudo isso, desde as primitivas praias de Ponta Negra e Areia Preta, até uma avenida João Pessoa sem trânsito, pacífica e relaxada. A fotografia só entrou no caminho do veterano por causa da mãe, que receosa das notas baixas do garoto no velho Atheneu, procurou logo uma profissão para ele. Comprou a máquina fotográfica do tio, e fez com que as imagens – hoje históricas – pudessem mostrar uma cidade de outro tempo. Antes de Jaeci, atuavam na área nomes como José Seabra, Jorge Mário e Grevy. Todos com acervos que ainda não foram devidamente organizados.

Um olhar na morfologia natalense

Giovanni Sérgio também segue a ‘linhagem’ da fotografia veterana. A mãe, Lolita, foi a primeira mulher a atuar profissionalmente como fotógrafa no mercado natalense. “Ela tem um acervo pessoal incrível dos anos 60 até os 90. São na maioria registros da vida dela, da família, de eventos que ela cobriu. É importante como um bom documento da vida social da época, e acredito que será algo ainda mais valorizado no futuro”, analisa.

Já o acervo de Giovanni registra uma Natal a partir dos anos 80, já considerado um tempo distante por quem observa a cidade hoje. “Registrei as mudanças na paisagem, a gradativa verticalização, a morfologia da nossa capital. A Tirol antiga que foi soterrada por edifícios e clínicas. É um registro do meu tempo, que não é mais como hoje”, diz. O fotógrafo conta que seu material ficou ainda mais sistemático a partir dos anos 90, época em que Natal apresentou sua mudança urbana radical.

“Natal envelhece rápido, porque também muda rápido. A esquina de uma rua que eu fotografei dois anos atrás já não é a mesma de hoje. A cidade muda velozmente e carece dos registros do que ela já foi”, diz Giovanni. O acervo do fotógrafo conta, atualmente, com cerca de três mil fotos ainda não digitalizadas. Mas está tudo catalogado, bem guardado, esperando um rumo futuro. “Quero publicar em livro, ainda gosto de ter o objeto em mãos. Não me interessa exposições, ou pôr tudo na Internet – pelo menos não agora”, diz. Segundo ele, acervos de veteranos como Jaeci, por exemplo, mereciam uma atenção mais organizada do poder público.

ASAS SOBRE A BELLE ÉPOQUE

O fotógrafo, escritor e jornalista João Alves de Melo (1896-1989) reuniu um dos acervos visuais mais preciosos sobre a 2ª Guerra em Natal, e a história da cidade no começo do século passado. O material, que conta cerca de quatro mil fotos, está sob a guarda do filho Edmundo Alves. Uma parte desse acervo – 800 fotos – está no livro “Asas sobre Natal – Pioneiros da Aviação no RN”, que deverá ser lançado pela Fundação José Augusto na 1ª quinzena de setembro. O livro está em fase de diagramação por Marize Castro. A  foto de Roosevelt e Vargas no jipe às margens do Potengi em 1943 é o clique mais famoso do fotógrafo. 

Além de registrar os movimentos aéreos de 1920 até 1945, João Alves Melo também captou a vida social e urbana natalense, com seus personagens, ruas e prédios públicos. “São caixas e mais caixas de fotos, preciosidades que muita gente não viu até hoje. Temos até as chapas de vidro que os fotógrafos da época usavam”, diz Edmundo. Segundo ele, há interesse em digitalizar o material e fazer uma exposição. Mas só depois que “Asas sobre Natal” for lançado.

FOTOS DE UM VELHO IMIGRANTE

O italiano Rocco Rosso não era fotógrafo profissional, mas seu interesse pela vida aérea e militar da Natal do começo do século XX rendeu imagens não menos históricas que as de outros mestres. O acervo de cerca de 100 fotos, que hoje está com seu genro Carlos Roberto de Miranda Gomes, foi publicado no livro de memórias “O velho imigrante”, lançado em junho deste ano pelo Sebo Vermelho. Rocco trabalhava para a Air France na Base Aérea de Natal, em Parnamirim. Por lá fotografou funcionários franceses,  pilotos, mecânicos, cenas da Rampa, hidroaviões, e outros momentos situados entre os anos 30 e 40, numa época pré-guerra.

“Meu sogro amava a fotografia. Chegou a fazer parte de uma associação de fotógrafos da época, e conviveu com os pioneiros do ramo”, afirma Carlos Gomes. Por ser italiano, Rocco foi afastado da Base Aérea, e sua produção caiu ao longo dos anos 40. O acervo de Rocco era formado por três mil cadernos, sendo boa parte destruído por cupins, restando apenas vinte. No momento, as fotos figuram apenas no livro lançado por Carlos. Ele tem planos de, no futuro, reunir tudo para uma exposição. “Será preciso copiar, restaurar, ampliar…um processo caro”, lamenta.

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