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As nuances do Boi Neon

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Yuno Silva
Repórter

As vaquejadas, por mais que hoje (para muitos) sirvam apenas como referência cultural, fazem parte do imaginário nordestino. E não precisa ser um estudioso ‘gênio da raça’ para constatar que o ambiente está vinculado a comportamentos conservadores e impregnado de machismo. Pois é nos bastidores desse universo particular que transita Iremar, um vaqueiro aficionado por moda que traz dentro de si bravura e sensibilidade, força e delicadeza – uma dicotomia com potência suficiente para desconstruir estereótipos e preconceitos. Vivido pelo ator Juliano Cazarré, o personagem surge nas telas para trincar a imagem cristalizada que se tem do sertanejo ao propor uma ressignificação urgente do papel do homem e da mulher dentro desse contexto.

Personagem principal do filme “Boi Neon”, Iremar, mesmo imerso em um cotidiano intenso e visceral, busca inspiração para novas ambições na recente industrialização do Nordeste e no desejo de trabalhar no pólo de confecção do semi-árido. Deitado em sua rede na traseira de um caminhão, o vaqueiro divaga em sonhos de lantejoulas, tecidos requintados e croquis.
O ator gaúcho Juliano Cazarré vive o vaqueiro Iremar, que sonha trabalhar na indústria têxtil
Sob a batuta do pernambucano Gabriel Mascaro, também diretor do documentário “Doméstica” (2012) e da ficção “Ventos de Agosto” (2014), o longa entra em cartaz a partir desta quinta-feira (4) em Natal com duas sessões diárias (19h10 e 21h20) na sala 5 da rede exibidora Moviecom.

Legítimo representante do cinema independente, aquele que não faz concessões para se adequar ao mercado, “Boi Neon” vem colecionando boa críticas por onde passa. Confirmado na lista de mais de 60 festivais no Brasil e exterior, com estreia já acertada no circuito comercial de 17 países, o filme foi premiado em Veneza (Itália) e Toronto (Canadá) – entre setembro de dezembro de 2015 a produção recebeu 15 prêmios. 

Como se não bastasse, “Boi Neon” ainda coleciona elogios de nomes consagrados da indústria cinematográfica como os diretores Francis Ford Coppola, Jonathan Demme (de “O silêncio dos inocentes”), Jean-Pierre Jeunet (de “O fabuloso destino de Amèlie Poulain”). A reportagem do VIVER conversou por mensagem eletrônica com o diretor, que participava de um festival em Roterdã na Holanda.
Boi Neon lança novo olhar sobre a imagem do sertanejo
O personagem
Vivido pelo ator Juliano Cazarré, o vaqueiro Iremar integra a equipe que se encarrega de preparar os bois que irão entrar na pista ao mesmo tempo que alimenta o sonho de se tornar um estilista. O filme desconstrói estereótipos e revela um novo olhar sobre a figura cristalizada do sertanejo nordestino. Em “Boi Neon”, enquanto o homem costura, a mulher dirige; quando o rapaz passa roupa, ela conserta o caminhão; o macho alisa o próprio cabelo, mas ela se orgulha das madeixas pixaim. Tudo isso num agreste em pleno desenvolvimento econômico.  

#SAIBAMAIS#O diretor Gabriel Mascaro bagunça as noções de gênero e golpeia o clichê do nordeste miserável. O longa foi laureado em Veneza (com o prêmio especial do júri para o diretor), Toronto (com menção honrosa na primeira mostra competitiva do festival) e no Festival do Rio (filme, roteiro, fotografia e atriz coadjuvante para Alyne Santana). Por onde passou, o filme também levantou poeira por conta das cenas de nudez (masculinas) e sexo (com uma grávida).Cineasta pernambucano Gabriel Mascaro fala ao VIVER sobre o longa que vem arrebatando críticas e prêmios em festivais como de Veneza (foto)

Bate-papo – Gabriel Mascaro
Diretor

Mascaro, esperava toda essa receptividade, prêmios e elogios?
Foi uma surpresa o filme emplacar em festivais importantes e ter uma carreira importante no exterior depois de tanta energia, tanto trabalho e tanta gente envolvida. É massa quando o filme é exibido fora, mas minha alegria maior, no momento, é poder ver o filme entrar no circuito nacional. Muito prazeroso esse encontro com o público brasileiro.

Arrisca elencar alguns motivos para essa aceitação internacional de “Boi Neon”?
O filme se passa em uma vaquejada do Nordeste brasileiro, um universo bem particular com personagens que tem uma relação local, mas ao mesmo tempo encontra um eco universal por falar sobre a dualidade do ser humano. São personagens que guardam dentro do corpo bravura e sensibilidade, a força e a delicadeza. É um filme sobre seres humanos em um ambiente em transformação, pessoas que não querem ir embora e sim sonhar com novas possibilidades naquele lugar que escolheram viver.

O projeto é antigo, como surgiu a ideia para o filme?
Estudei em uma escola que vinha muita gente do interior, que tinha a vaquejada como tradição cultural muito forte, então cresci em contato com essas pessoas. Foi por um acaso que alguns anos depois estava viajando pelo interior de PE e parei em um parque de vaquejada. Veio uma energia grande de tentar pensar alguma coisa sobre aquilo, e durante minhas pesquisas topei com um vaqueiro que se dividia entre o gado e a moda. Me tocou bastante e serviu como ponta pé inicial para criar o personagem. O filme procura atualizar esse imaginário do sertanejo, concentra energias em personagens que lidam com desafios contemporâneos nesse novo Nordeste.

Alguns críticos elogiam com a ressalva das cenas longas. Qual sua opinião sobre esse comentário?
O filme trabalha com uma sutileza grande, que percebe esses corpos (dos personagens) e o lugar em transformação, tenta entender de forma complexa as relações construídas. Não manipulamos os sentimentos através da edição, é um filme honesto com o uso do tempo – que é minha ferramenta principal. Espero que quem perceba a honestidade e a força que esse tempo traz, sinta a potência de ser transportado para outro lugar.

Como se construiu a parceria de coprodução Brasil-Uruguai-Holanda?
O projeto surgiu em um contexto de fazer intercâmbio cultural, desde a captação de recursos (buscamos incentivo nesses três países) conseguimos tornar esse desejo real. Nossa equipe é misturada, houve uma colaboração criativa de pessoas com outras experiências. Foi muito especial, pra mim, atualizar o imaginário do Nordeste em contato com visões diferentes sobre o lugar onde vivo.

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