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As rabecas se encontram

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Yuno Silva – repórter

O poder de transformar a sociedade através da arte rende frutos concretos e duradouros em qualquer lugar do mundo, sobretudo quando iniciativas são realizadas com conhecimento de causa e compromisso. Quando a comunidade onde estão inseridas participa, o alcance dessas iniciativas ganham proporções que contrariam até a tendência do ‘curso natural das coisas’. Caso do bairro de Felipe Camarão, zona Oeste de Natal, que até pouco mais de oito anos só era notícia nas páginas policiais e visto pela opinião pública como um lugar violento e sem perspectiva para seus moradores.

Em encontro de rabecas no IFRN, herdeiros da tradição de expoentes brasileiros, entre eles o luthier paulista Fábio Vanini e o tocador Maciel Salu, reforçam a longevidade do instrumento de origem mouraO quadro mudou com a chegada do Conexão Felipe Camarão. Hoje o lugar é visto como um celeiro importante da identidade cultural da capital potiguar, e o projeto sociocultural é responsável por tirar do ostracismo Mestres da Cultura Popular como Manoel Marinheiro (do Boi de Reis), e evidenciar o trabalho do mamulengueiro Chico Daniel, ambos já falecidos, entre outros personagens não menos interessantes como o Mestre Cícero da Rabeca – na ativa do alto de seus 87 anos.

Além de investir em aspectos culturais, o Conexão também abriga uma oficina de luteria, cujo intuito é oferecer nova oportunidade profissional para interessados na arte de construir instrumentos. A partir desse viés, a sede do projeto sediou, na manhã de ontem (23), o “Encontro Rabeca e Rabequeiros”, evento realizado em parceira com o IFRN – Cidade Alta que reuniu participantes do projeto, luthiers profissionais, aprendizes e expoentes da rabeca.

A secretária Estadual de Educação, Betânia Ramalho, também prestigiou o evento e ouviu algumas sugestões da coordenadora do Conexão Felipe Camarão sobre a sistematização do ensino musical no currículo escolar: “A Cultura não pode ser abordada em separado das outras disciplinas, o currículo escolar precisa ser descompartimentado para abarcar essa nova necessidade do ensino. Existe mercado para músicos, atores… são profissionais como qualquer outro”, garante Vera Santana. “A presença do IFRN abre caminho para maior profissionalização técnica dos artistas”, acredita a coordenadora do Conexão.

Liceu de artes

Segundo o diretor do Campus IFRN-Cidade Alta, Lerson Maia, a parceria começou a ser construída a cerca de um ano, e significa um retorno às origens do ensino técnico no Estado: “Há cem anos, o Liceu da Artes, como ficou conhecido a Escola de Aprendizes Artífices criada em 1909, oferecia cursos para artesãos (sapataria, marcenaria, alfaiataria e serralheira)”, lembra o diretor. “Atualmente, temos uma oficina de luteria funcionando no Instituto, mas, até então, só trabalhávamos com xilofone. Agora, a partir dessa experiência, a meta é incorporar a fabricação de rabecas dentre os cursos oferecidos”, planeja Lerson.

O IFRN-Cidade Alta também funciona como centro cultural, com galeria de arte, auditório-teatro, museu de brinquedos infantis tradicionais e memorial do ensino técnico no RN. “Inclusive, estamos com inscrições abertas para cursos gratuitos  nas áreas de dança, teatro, flauta e coral infantil”, informou. Qualquer pessoa interessada pode participar e as inscrições seguem até a próxima segunda-feira (28).

Os professores do IFRN-Cidade Alta, Roderick Fonseca (rabequeiro do grupo Café do Vento) e Arlindo Ricarte, participaram do evento e Arlindo falou sobre o funcionamento da luteria: “Trabalhamos com instrumentos para fins pedagógicos, e o xilofone a marimba são os melhores para desenvolver a iniciação musical. Também estamos experimentando a fabricação de saxofones de bambu, pífanos de PVC e ‘claricano’. Nosso foco é geração de renda”, disse.

Maciel Salu: filho de salustiano mantém tradição

Outro convidado ilustre presente no Encontro é o rabequeiro pernambucano Maciel Salu, neto de João Salustiano e filho do famoso Mestre Salustiano. “Só vamos conseguir mudar a realidade do Brasil investindo em Cultura, e nem preciso dizer que iniciativas como essa reforçam essa teoria”, disse Maciel. Para ele, os Mestres são detentores de um conhecimento especial que pode se perder se não houver maior atenção por parte do poder público. “A arte tem a capacidade de tirar pessoas do mal caminho, da alienação que impera no meio dessa tal globalização”, garante.

Em tempo, as atividades do Conexão Felipe Camarão são patrocinadas, através da Lei federal de incentivo à Cultura Rouanet pelo Programa Petrobras Cultural e pelo Ministério da Cultura, mais apoio do Banco Votorantim e do Banco do Nordeste.

Luthier paulista ensina sua arte

O luthier paulista Fábio Vanini, em Natal desde o dia 18, onde ministra curso de luteria até o dia 25, salienta que a rabeca é um instrumento essencialmente artesanal: “Ninguém vai até uma loja de instrumentos para comprar uma rabeca, pois, antigamente, era o próprio rabequeiro quem construía seu instrumento, então fica muito difícil competir competir com produtor fabricados em série. Também não há escola para se aprender a tocar”, diz Vanini. Sobre o grupo de alunos que participa do curso, o paulista vê grande potencial e aponta algumas particularidades: “Tem gente muito capacitada, desde um engenheiro (o professor Ricarte) que tem plena consciência da acústica, até gente que não sabia nem pegar em um martelo”. O luthier destacou o aprendiz Severino Roque Batista, 50, que tem vivência com o maracatu. “Roque vem de uma família de artistas populares, cresceu ouvindo rabeca, mas só agora está aprendendo a construir uma”, anima-se Vanini.

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