Yuno Silva – repórter
Loucos e analistas. Humor, ironia e crítica social. Verdades, meias-verdades e mentiras. Normalidades no manicômio, festa no berçário e blues como toque de alvorada no quartel. Uísque, sexo e cigarro, e de novo mais uísque, mais sexo e outro cigarro. O clima do livro “Recomendações a todos”, do escritor potiguar Alex Nascimento, é de caos e deboche. Tem tudo e mais um pouco, exceto brechas para hipocrisia, melindres e pseudo-intelectuais. Editada pela primeira vez há exatos 30 anos, a obra permanece atual e conduz o leitor incauto a uma viagem só de ida para qualquer lugar onde as palavras de ordem são reflexão, inconformismo e questionamento.
As duas edições publicadas nos anos 80 estão esgotadas, mas a recente adaptação para o teatro pelo Coletivo Atores à Deriva alavancou nova impressão capitaneada pelo Caravela Selo Cultural, a ser lançada nesta quinta-feira (12), às 19h30, no Restaurante Bella Napoli – local que serve como base etílica oficial para o “Bardo da rua São João”, forma carinhosa com que os amigos e leitores se referem ao notívago autor. O título retorna em formato pocket (174 páginas), ilustrado com instantâneos da montagem teatral clicados por Maurício Cuca, orelha assinada pelo ator e diretor Henrique Fontes, prefácio do editor José Correia Torres Neto e posfácio do jornalista Alexis Peixoto.
O pacote completo, ou melhor, a ‘overdose completa’ da realidade perturbadora desenhada por Alex Nascimento em “Recomendações a todos”, ainda inclui três apresentações do espetáculo homônimo, em cartaz dias 13, 14 e 15, sempre às 20h, na Casa da Ribeira. Separados, o livro custa R$ 30 e o ingresso R$ 20 – juntos saem por R$ 40.
Quando o espetáculo estreou, em novembro do ano passado, Alex foi questionado pela reportagem do VIVER se o teor do texto era pessimista. De bate pronto respondeu: “Não, pelo contrário, é otimista demais. A humanidade é muito pior que isso!” [risos]. Sobre a reedição do livro disse com peculiar ironia, seguida de risadas, que ele mesmo “não tinha essa intenção (de republicar), mas essa turma (do Coletivo Atores à Deriva) se juntou com minha filha contra mim para me convencer a relançar.”
“A reedição foi desencadeada por um encontro de amigos”, lembrou José Correia. “Primeiro Henrique (Fontes) entrou em contato comigo para pegar as coordenadas de como encontrar o Alex, quem conhece ele sabe que não usa celular e que troca o dia pela noite. Depois, quando o espetáculo já estava em processo de montagem, surgiu a proposta do relançamento. Quando joguei a proposta nos peitos de Alex, sugerindo uma edição comemorativa pelos 30 anos, ele retrucou: ‘E quem vai ler essa porra?’ Não foi difícil convencê-lo”, recorda o editor, que imprimiu tiragem com 500 exemplares.
O ESPETÁCULO
“Uma boa obra não envelhece, mas se renova no decorrer dos anos”, garante Henrique Fontes, ator e diretor do Coletivo Atores à Deriva e principal responsável pelo novo fôlego de “Recomendações a todos”. Fontes leu o livro nos anos 1990 e “tinha certeza que logo, logo” algum diretor de teatro iria adaptar para o palco. “Em 2011, como ninguém ainda havia decidido montar a peça, fiz o que Alex chegou a sugerir uma década antes: coloquei o projeto em prática.” Para ele, “montar ‘Recomendações a todos’ é um sonho de adolescência.”
Em cena, Henrique divide o palco com Bruno Coringa, Doc Câmara, Paulo Lima e Tházio Menezes, e, juntos, interpretam o mesmo louco com personalidade multiplicada por cinco. Para quem já conferiu a peça e leu o livro, sabe que a acidez e picardia do texto original permanecem, mas foi necessária uma adaptação para materializar a essência da obra. Na opinião do grupo, o espetáculo é uma “louca tentativa de colocar no palco um dos mais absurdos e irreverentes romances produzidos em terras potiguares.”
A adaptação e direção foi compartilhada, e contou com auxílio da diretora equatoriana Coco Maldonado.
O ENREDO
O livro relata os passos de um louco que, expulso do manicômio, tenta conviver com os “lindos normais”. Narrada em primeira pessoa, essa trajetória percorre desde o nascimento, passando pela primeira festa (no próprio berçário), os tempos de recruta no Exército, o primeiro emprego e seu eterno caso de amor e ódio com os analistas.
Serviço:
Lançamento do livro “Recomendações a todos” (Caravela Selo Cultural) de Alex Nascimento, nesta quinta-feira (12), às 19h30, no Restaurante Bella Napoli, em Petrópolis – 174 páginas, R$ 30.
Apresentação do espetáculo “Recomendações a todos”, com o grupo Coletivo de Atores à Deriva, dias 13, 14 e 15, sempre às 20h, na Casa da Ribeira. Ingressos R$ 20 (livro + ingresso R$ 40).
BATE-PAPO / ALEX NASCIMENTO
O livro é ácido e atual. Onde foi buscar inspiração: memórias, experiências…
Não não, na humanidade. Onde vamos buscar acidez se não na própria humanidade?
Há um contexto que reflete algum momento específico ou o texto é atemporal e as pessoas vão se identificar em qualquer época?
Em qualquer época. O ser humano é atemporal, é a mesma merda do começo até o fim, então fui escrevendo o que estava vendo desde o dia em que nasci.
Seu personagem em “Recomendações a todos” é uma espécie de estranho no ninho?
Como todo doido que se preza, o cara começa e termina num hospício, lugar de onde não deveria ter saído. Se ele começa louco e termina louco, não teve cura nenhuma, então é um estranho no ninho.
E quando o grupo de teatro chegou com a notícia de que seu texto seria encenado, como reagiu?
Ao contrário dos políticos, eu não alego inocência em nada. Quando escrevi, não tinha a menor noção de que um dia poderia ser adaptado para o palco, até o dia que esse louco (Henrique Fontes) chegou lá em casa com esse papo. [risos]
Se enxerga no espetáculo?
Enxergo qualquer pessoa, não tem ninguém normal, tenha certeza disso. [risos] Reconheço meu livro, não é literal, palavra por palavra, loucura por loucura, ideia por ideia, mas tem muita coisa.
Você é conhecido por ser notívago. O que a noite tem de especial?
A melhor coisa da noite é não ter Sol, que esculhamba com qualquer coisa. O Sol destrói qualquer ideia. A noite é encantadora.