sábado, 20 de abril, 2024
25.1 C
Natal
sábado, 20 de abril, 2024

Aurora boreal

- Publicidade -

CLÁUDIO EMERENCIANO – professor da UFRN

A percepção da beleza é um dom. Atributo que lança o homem no infinito. Sensibilidade individual e manifestação da espiritualidade, dos sentimentos, dos sonhos e de tudo susceptível de elevar, sem fim, a condição humana. Eis quando o transcendental se confunde com a busca interminável do bem, em todos os sentidos e dimensões. Há circunstâncias em que o homem se entrega ao êxtase, sobretudo no usufruto do amor e na partilha do bem. A beleza universal, que nos cerca e nos instiga, exerce sobre os homens receptivos à sua percepção, em âmbito universal, um inesgotável encantamento, conjugando fé, dúvida, anseio, arrebatamento, harmonia e simplicidade. Jesus, no Evangelho de São Lucas, foi categórico, contundente e preciso: “o Reino dos Céus está dentro de vós”. Até os que não crêem sabem identificar, no âmago de cada um, a fonte de suas mais puras opções, dos seus ideais de vida e de sua vocação. Na verdade, há os que perseguem seus caminhos integrando a fé e a razão; os que somente sabem descortinar o mundo e a vida submetendo-os, com exclusividade, ao seu arbítrio ou aos seus desígnios; os que só acreditam no que é tangível ou fruto do acaso; há, agora, em pleno século XXI, um renascimento, como nunca se viu, de uma mistura apocalíptica, integrada por fanatismo, ódio, violência, desamor à vida e estupidez. A perplexidade, a insegurança e as incertezas se acumulam. A condição humana se avilta. Estiola-se, com milhões e milhões escravos da fome e da miséria.

Os governos se mostram fragilizados, incapazes, inertes ou impotentes para responder, com eficiência e agilidade, aos problemas e desafios da atual conjuntura. O mundo está órfão de estadistas. Há uma generalizada mediocridade, que atinge muitas atividades ou ações essenciais à paz e ao bem-estar das pessoas: da política à economia; da literatura às artes; da ética à moral; da espiritualidade à comunicação social. A ganância de banqueiros e especuladores em bolsas de valores desestabiliza a economia mundial. Será essa a nova “Babel”? Será esse o “paraíso” do neoliberalismo? Onde estão os instrumentos legais, as vedações éticas e morais, a voz da consciência universal, para coibir essa dominação do Ter sobre o Ser? O que fazer?

Acostumei-me, desde menino, a contemplar àquele primeiro desabrochar de luminosidade, que rompe e devassa o manto escuro da noite. Toda aurora é um renovar-se de esperanças. Em todos os tempos. Aos seis anos, na praia da Redinha, postava-me num montículo de areia, em frente à casa de veraneio, para contemplar e desfrutar esse renascer de vida. Eis a minha “aurora boreal”. Em minhas andanças pelo mundo, sobrevoando o litoral africano, vi as cores estonteantes e magníficas do nascer do dia. Em Lisboa, atravessando o Tejo ao amanhecer, vi a primeira face do dia refletida nos Jerônimos, na Torre de Belém, no Palácio da Ajuda, no Bairro Alto, em Alfama e Mouraria. A percepção emergiu de dentro da alma e do coração. Vi o nascer do dia em Roma, uma das minhas “paixões eternas”. Com minha esposa e amigos, bem cedo, num sábado da Aleluia, adentrei na Basílica de Santa Cruz em Jerusalém, imaginando a audiência do Papa Inocêncio III a São Francisco de Assis. Memorável reencontro da Igreja consigo mesma, suas origens e missão. Cena magistralmente descrita por Julien Green no livro “São Francisco de Assis” e genialmente reconstituída por Franco Zeffirelli no filme “Irmão sol, irmã lua”. O santo imitador do Cristo invocou Mateus 6, 25-34 (“…Observai as aves do céu, não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo vosso Pai celeste as sustenta. Por ventura, não valeis muito mais do que as aves? …Considerai como crescem os lírios dos campos: eles não trabalham, nem fiam. Eu, contudo, vos afirmo, que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles…”). Minha esposa (Dadaça) e eu descortinamos a aurora boreal no interior da Noruega entre fiordes. Mas a nossa verdadeira “aurora boreal” é sentimental. É ato de harmonia com a Criação.  Esperança e fé na vida e na paz de todos os homens. 

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas