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Barragem e Chapada do Apodi

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Dom Jaime Vieira Rocha – arcebispo de Natal

As Igrejas particulares da Província Eclesiástica do Rio Grande do Norte, através de seus pastores, estiveram reunidas na efetivação de uma visita pastoral às famílias e localidades envolvidas pelo projeto de construção da Barragem de Oiticicas e a desapropriação de terras na chapada do Apodi-Barragem Santa Cruz, no último dia 04 do mês em curso. Repercussões muito positivas e ao mesmo tempo uma oportunidade para exercitarmos o nosso múnus profético e pastoral diante de Deus, dos irmãos e irmãs e da própria sociedade. Não estávamos ali como técnicos ou profissionais funcionários de alguma empresa ou representando algum interesse sócio- econômico.

O testemunho da Igreja do Nordeste em relação aos problemas e desafios que afligem grande parte de sua população, sobretudo os que vivem no semi-árido, remonta a décadas e décadas passadas, como o emblemático e referencial Encontro dos Bispos do Nordeste com o Presidente da República, em 1956, em Campina Grande – PB. Oportuno se faz lembrar a epopeia das secas a exigir dos governantes medidas emergenciais ou projetos de maior abrangência através da tão conhecida prática assumida pelo DNOCS da construção de açudes de médio e grande porte, até os projetos de grandes barragens, normalmente visando o fornecimento de energia elétrica ou a implantação de grandes perímetros irrigados para a incrementação de monoculturas para a exportação.

Desta feita, a questão se coloca sobre dois aspectos: a construção da barragem de Oiticicas, um projeto já existente desde 1953, quando fora implantado o seu canteiro de obras com a construção de armazéns, residências e escritórios que, ao longo do tempo (seis décadas), tornaram-se um fantasma e um atestado para o descaso com a população e o desperdício do dinheiro público. A retomada da construção de Oiticicas é, sem dúvida, louvável, levando-se em conta a garantia de recursos hídricos e demais benefícios para a região. Porém, nossa preocupação recai na defesa dos direitos das quase 800 famílias que vivem e trabalham na área de desapropriação, para que não padeçam das mesmas consequências impostas às populações desapropriadas por semelhantes projetos como “Sobradinho”, “Armando Ribeiro Gonçalves”… É imprescindível o envolvimento da comunidade na execução do projeto, com informações seguras sobre suas diversas etapas e providências em relação à transferência dos habitantes para um outro local que lhes seja favorável.

Quanto ao projeto do Apodi, que se manifesta de modo muito mais complexo, e já se constituiu objeto de pronunciamento da Igreja Católica do RN, em nota publicada em 05 de dezembro de 2011 e assinada pelos bispos da Província Eclesiástica do Estado, o que nos chama atenção é o fato de ali já existir uma experiência bem sucedida no âmbito da agricultura familiar, com áreas de irrigação implantadas pelo INCRA e pela Central Sindical de São Paulo “que adquiriu uma propriedade de 340 hectares, construiu casas, perfurou um poço que produz água mineral, garantindo um pequeno sistema de abastecimento de água às famílias; doou 60 cabras e 30 bicicletas”. Mesmo assim, agora o DNOCS está desapropriando terras já desapropriadas anteriormente e sem nenhum respeito para com as famílias que já estão bem situadas em seus lotes de produção.

O projeto defendido pelo DNOCS vai gerar perda da agrobiodiversidade que não só tem negativas consequências ecológicas, como implica no desaparecimento de saberes, e condena as famílias a depender apenas do cultivo baseado na monocultura.

Bom seria que as lições já adquiridas ao longo do tempo, a partir de projetos análogos em tantas outras regiões do Nordeste, alguns reduzidos ao fracasso e à degradação de terras férteis e produtivas, pelo uso de agrotóxicos, fossem levadas em conta para um firme propósito de reverter as referências negativas em processos que sejam vistos, a partir de agora, como modelos de políticas públicas que elejam como prioridades não apenas o fator econômico-produtivo, mas a garantia dos direitos das populações atingidas, a sua dignidade e bem-estar.

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