Ivan Maciel de Andrade
Advogado
Há um livro que se notabilizou na literatura brasileira pelas qualidades literárias do organizador e dos missivistas cuja correspondência foi por ele compilada. O organizador é o romancista Graça Aranha e as cartas são as que foram trocadas entre Machado de Assis e Joaquim Nabuco. Observa José Murilo de Carvalho: “Trata-se de conjunto numericamente modesto de 53 cartas e um bilhete. Machado comparece com 31 cartas, Nabuco com 22”. Graça Aranha é o autor de “Canaã” (1902), que tem importância reconhecida por antecipar o movimento modernista de 1922 e por descrever a filosofia de vida de imigrantes europeus no Espírito Santo, representados pelos personagens Milkau e Lentz. Como anota Alfredo Bosi: “É o contraste entre o racismo e o universalismo, entre a ‘lei da força’ e a ‘lei do amor’ que polariza, ideologicamente, em ‘Canaã’, as atitudes do imigrante europeu diante da sua nova morada.” Esse conflito ideológico não desfigura, no entanto, a construção ficcional de “Canaã”.
Graça Aranha escreveu a introdução, em forma de ensaio, à correspondência entre o ficcionista Machado de Assis e o estadista Joaquim Nabuco. Sua apresentação abrange 86 páginas do livro (de 160 páginas, sem computar os anexos, os quais, se deve reconhecer, complementam e valorizam substancialmente os textos que perfazem a correspondência). Nesse estudo inicial, Graça Aranha faz longa e detalhada análise da personalidade dos dois missivistas, das características do talento e da vocação intelectual de cada um e das razões – nascidas, como sempre acontece, de identidades e dessemelhanças – que os aproximaram numa amizade que durou até a morte de Machado de Assis.
A correspondência se iniciou em 1865, quando Machado de Assis tinha 26 anos e Joaquim Nabuco 15. Nessa fase de sua vida, Machado era jornalista, poeta, contista, crítico e autor teatral. Seu primeiro romance, “Ressurreição”, somente surgiria em 1872. Escrevia, então, no jornal “Diário do Rio de Janeiro”, dirigido por Quintino Bocaiúva e Saldanha Marinho. Publicara (1863) um livro com o título de “Teatro de Machado de Assis” e outro de poesias – “Crisálidas” (1864). Joaquim Nabuco era aluno do Colégio Pedro II e, segundo Graça Aranha, “leu na presença do imperador e da imperatriz o poema ‘Uruguaina’”. Machado comentou o poema na colaboração semanal (“Ao acaso”) que mantinha no “Diário do Rio de Janeiro”: fez críticas ao jovem poeta, mas previu que ele “tinha o direito de contar com o futuro”. Nabuco escreveu a Machado, agradecido, mas negando que fosse poeta. Abandonaria os versos, dizia, logo que “pelo estudo e pela meditação” pudesse “se aplicar ao positivo e ao exato”.