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Cascudo: um poeta no inferno da biblioteca

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Yuno Silva – Repórter

Mesmo sem ter sido publicada, obra poética de Câmara Cascudo começa a ganhar novas conexões dentro do panorama do modernismo e autores latinosConhecido e reconhecido como professor universitário, escritor, historiador e pesquisador das manifestações culturais e tradições brasileiras, aos poucos uma outra faceta de Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) começa a ganhar holofotes: sua produção poética. Cascudo não só se aventurou pelos campos da poesia como foi além ao manter laços com o Modernismo e alguns de seus principais pensadores como Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Como se não bastasse incluir Natal no mapa intelectual brasileiro em plena década de 1920, quando a cidade tinha menos de 40 mil habitantes, Cascudo também foi responsável pela inauguração da poesia visual no Rio Grande do Norte em 1926 com “Não gosto de sertão verde” – um ano antes de Jorge Fernandes publicar “Rede”.

Vale salientar que a abordagem desse assunto, neste sábado dia 29, é proposital: Cascudo nasceu no dia 30 de dezembro há exatos 114 anos, e nada melhor que revelar um lado ainda pouco conhecido do mais importante intelectual potiguar do século 20 para manter aquecida a memória em torno de seu legado literário.

Curiosamente Cascudo não lançou livros de poemas, pelo contrário, escondeu de tudo e de todos, e até dele próprio uma obra que já tinha até nome: “Brouhaha”. O fato é que sua produção poética, de vozes negras e índias, pode estar perdida em meio ao imenso acervo guardado (e ainda não organizado) no Ludovicus – Instituto Câmara Cascudo; e é aí que entra o trabalho investigativo de Dácio Galvão, autor da tese de Doutorado “O poeta Câmara Cascudo: um livro no inferno da biblioteca”. Para Dácio, um dos motivos que tentam explicar a não publicação do livro são as críticas feitas por Mário de Andrade aos quatro primeiros  poemas produzidos por Cascudo.

Dácio Galvão explica que o título remete a uma carta de Cascudo para Mário de Andrade, onde ele afirma que vai “colocar o livro no inferno da biblioteca”, no limbo. “Uma atitude entre um agastamento, uma brincadeira e uma seriedade”, aposta. “Quando Mário de Andrade leu os poemas fez algumas observações críticas que, dizem, podem ter desmotivado Cascudo, mas não acredito nisso. Mário era polemista, criticava todo mundo, prova disso é que ‘Não gosto de sertão verde’ (dedicado a Manuel bandeira) foi publicado tal qual havia sido escrito”. Na época Mário co-editava a revista Terra Roxa e Outras Terras.

Galvão apurou, através da troca de cartas travada entre Cascudo e Mário, que o potiguar não aceitou as observações nem cedeu em nada do que havia sido proposto pelo colega paulistano. “Na verdade Cascudo demonstra uma grande consciência quanto as estripulias visuais de ‘Não gosto…’, que inaugura o poema visual no RN”. Dácio verifica que a crítica de Mário de Andrade se mostra contraditória, pois o texto foi enviado para Manoel Bandeira com muitos elogios. “O próprio Bandeira também achou maravilhoso”.

Dácio Galvão: trabalho lança luz a um Cascudo modernista e sintonizado com as vanguardasRELEVÂNCIA

A tese de Doutorado surge de uma preocupação pessoal de Dácio Galvão, que já havia estudado a poesia concreta e a Poema/Processo durante o Mestrado. “Nesse primeiro estudo, o recorte temporal limita-se ao intervalo entre os anos 1950 e 70. Senti necessidade de ir um pouco mais atrás (de 1922 a 50)”, esclarece. Apesar da pequena amostragem, Galvão cruza uma série de informações aos nove poemas de Cascudo que contextualizam todo um panorama Modernista.

No estudo, as poesias são catalogadas em três ciclos: sertanejo, colonização e modernista. “Minha pesquisa confere uma outra maneira de olhar a produção poética de Cascudo. Ele estava antenado com o que estava acontecendo no resto do Brasil e não brincava em serviço”, sentencia. Já o quarto ciclo do Cascudo poeta é sua verve como tradutor, sendo pioneiro na tradução do norte-americano Walt Whitman. Ainda há duas poesias inéditas, que só se tem conhecimento dos títulos: “Feitiço” e “Sentimental Epigrama para Prajadipock Rei de Sião”.

De acordo com Dácio Galvão, a grande relevância da pesquisa é a possibilidade de revelar o Cascudo poeta, capítulo essencial para se compreender sua obra na totalidade. “Esse estudo lança luz sobre um poeta modernista, e me interessou demonstrar que o Modernismo estava presente no RN, caracterizado por ações difusas”, avalia. A pesquisa em torno da poética cascudiana começou em 2004; e em 2005 é lançado o CD “Cascudo poeta e leitor de poesia”.

Dácio obteve autorização da família de Mário de Andrade, em São Paulo, e da de Cascudo aqui em Natal para consultar o acervo. As cartas trocadas por eles entre 1924 e 44 foram organizadas em um livro, por Marcos Antônio de Moraes, que acabou ganhando o Prêmio Jabuti na categoria Teoria/Crítica Literária.

Novidades para 2013 e acervo digital disponível em fevereiro

A pista para encontrar o livro de poemas “Brouhaha” foi revelada, agora resta encontrar o material no meio dos cerca de 10 mil documentos que ainda faltam ser organizados e digitalizados pelo Ludovicus – Instituto Câmara Cascudo. “Ninguém nunca encontrou este livro, e acabei com a responsabilidade”, disse a neta Daliana Cascudo, diretora do Instituto. “A possibilidade de se resgatar esse livro do ‘inferno da biblioteca’, como disse vovô na carta para Mário de Andrade, são reais, pois ele era muito cuidadoso, meticuloso com suas coisas, e acredito que ele tenha guardado, nem que esteja todo separado”.
Daliana Cascudo diz que livro poético ainda não foi resgatado, mas digitalização das cartas está concluída
Daliana adianta que, após disponibilizar para consulta o acervo com as 26 mil cartas digitalizadas, irá procurar o livro inédito. A previsão é que o material esteja disponível em fevereiro – foi montada uma sala com três computadores para atender pesquisadores interessados. O acervo não será publicado na íntegra na internet, justamente para gerar interesse e movimento no Instituto. Os cerca de 10 mil volumes da biblioteca particular de Cascudo também podem ser consultados. “O que está faltando é organizar os documentos, que contém recortes, manuscritos e originais datilografados. A expectativa é que o livro de poesias está nesse meio”.

A neta de Cascudo informou que a Editora Global irá reeditar o livro “Folclore do Brasil”, lançado em 1977. Também foi lançado este ano o livro infantil “Cascudinho – o menino feliz” e há outra pesquisa em curso sobre a troca de cartas entre Cascudo e o escritor pernambucano Joaquim Inojosa, sob os cuidados do professor Humberto Hermenegildo de Araújo, do Departamento de Letras da UFRN.

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