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Casos de ‘justiça com as próprias mãos’ preocupam

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Igor Jácome – Repórter

“Correram atrás de mim e me cercaram. Acho que tinha umas 100 pessoas. Me bateram com pau, com corda, me jogaram no chão”. O relato é de Wancleir Barbosa Bezerra, 23,  que foi perseguido e linchado por moradores do conjunto Parque dos Coqueiros, zona Norte de Natal, após tentar assaltar uma padaria na última sexta-feira (21). Um vídeo que mostra o homem amarrado, sendo chutado e espancado se espalhou pelas redes sociais em poucas horas. 
Wancleir Bezerra, que tentou assaltar uma padaria, mostra marcas após ter sido espancado
Esse caso não é isolado. No dia anterior (20), um adolescente de 15 anos, suspeito de ter matado o dono de um estabelecimento durante um assalto em Parnamirim, foi espancado pela população do bairro Passagem de Areia, até a chegada da Polícia Militar (PM).

A atitude das pessoas comuns de “fazer justiça com as próprias mãos” tem preocupado representantes de entidades que lutam pelos Direitos Humanos, além das próprias autoridades policiais. “A Constituição garante que qualquer cidadão pode prender uma pessoa em fragrante delito. Mas a polícia deve ser chamada imediatamente. Em um caso como esse, as pessoas se tornam as agressoras. Também estão cometendo um crime”, afirma o comandante geral da Polícia Militar do Estado, coronel Francisco Araújo.

O presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Marcos Dionísio, também aborda o risco ao qual a própria população se expõe. “As pessoas devem se lembrar que os criminosos têm quadrilha, famílias, amigos, e sabem quem foi que os agrediu. Isso pode se tornar uma tragédia, um efeito cascata”, destaca.
#SAIBAMAIS#
Após ter sido amarrado e espancado pela população, Wancleir foi preso pelo assalto. Ele já respondia à Justiça por um homicídio que aconteceu em 2008, quando acabara de completar 18 anos. A pena  estava sendo cumprida no regime semiaberto. Após dormir na prisão, ele era liberado durante o dia. O homem afirma que trabalha em uma fábrica de beneficiamento de camarão em Extremoz e concordou em conversar com a reportagem no Centro de Dentenção Provisória de Pirangi, na zona Sul de Natal, onde está detido.  “Eu não precisava disso. Eu trabalho. Só sei que eu estava em casa e pensei: ‘vou assaltar hoje’”, diz.

Ao entrar na padaria, fingindo estar armado, o assaltante viu a atendente correr e pedir socorro. Cerca de seis pessoas o perseguiram pelas ruas do bairro.  “Daqui a pouco me cercaram e começaram a bater em mim”, relata. A polícia chegou minutos depois. “Os policiais só me abordaram e mandaram eu entrar na viatura. Rodei em muitos lugares; até no  Itep [Instituto Técnico-Científico de Polícia, para fazer exame de corpo de delito]”, relata. 

‘Falha do Estado no combate ao crime explica reação’

Para Marcos Dionísio Medeiros Caldas, presidente da Comissão de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte, a falta de estrutura das polícias, da Justiça e do sistema carcerário é o principal motivo da iniciativa popular de “julgar” os suspeitos e condená-los a castigos bárbaros. “A população teve um sentimento de vulnerabilidade, criado por causa do fracasso da polícia e do Estado, de combater os crimes”, afirma.

Ainda de acordo com ele, casos de linchamento sempre existiram, mas só ultimamente tiveram visibilidade da mídia. Isso pode ter como motivação a velocidade com a qual as informações e os vídeos são divulgados pelas  redes sociais. “Nesses espaços, os vídeos são compartilhados sem qualquer balizamento ético ou moral. Até pessoas ditas ‘de bem’ compartilham essa violência”, coloca.

 A preocupação de Dionísio é que essa prática se dissemine principalmente entre as futuras gerações. “Temos que pensar que sociedade é essa. Que tipo de educação nossas crianças e jovens estão recebendo com esses exemplos de trucidade?”, questiona. “Isso não é Justiça. As pessoas estão se igualando aos bandidos. De algozes, eles passam a ser vítimas”, acrescenta. Ele ainda lembra que a prática do linchamento é um crime pelo qual os populares podem ser presos.

O representante do conselho ainda  criticou as ações do governo estadual, responsável pela estruturação das policias Militar e Civil. “Faltam policiais, falta estrutura e investigação. Conheço casos em que apenas a polícia não consegue achar os suspeitos que estão com mandado de prisão aberto. Eles são vistos todos os dias pela família da vítima. Essa falta de estrutura acaba enfraquecendo também as outras instituições”, coloca. “Terá que se fazer um esforço sobrehumano para que nossa sociedade volte a ter uma coexistência pacífica”, conclui. 

Memória

No Rio, um adolescente de 15 anos foi espancado e, nu, acabou preso pelo pescoço a um poste
Teve grande repercussão nas redes sociais e na mídia brasileira o caso de um adolescente de 15 anos, que foi espancado e preso pelo pescoço a um poste no Rio de Janeiro, com uma tranca de bicicleta e sem roupas, após ser acusado de assalto. O caso ocorreu em 31 de janeiro. Após a divulgação de um vídeo que mostrava a humilhação pela qual o jovem passou, outros casos foram encontrados em várias regiões do país. Jovens presos pela polícia carioca no início desse mês confirmaram que faziam uma “patrulha” para encontrar e agredir supostos assaltantes. As opiniões sobre o tema acaba dividindo opinião da população. Em setembro do ano passado, um jovem de 26 anos, diagnosticado com esquizofrenia, foi espancado pela população da zona Sul de Natal. Ele  foi confundido como assaltante, pois quebrou o vidro de um carro. O rapaz foi amarrado e recebeu vários chutes. A ação foi gravada. Segundo a família, que comprovou a doença do jovem, ele seguia para um consulta com o psicólogo.

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