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Ceduc era gerido por jovens internos

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Ao chegar às dependências da unidade do Ceduc no bairro de Nazaré, ontem, a promotora da Infância de Juventude, Mariana Rebelo, teve uma surpresa: foi proibida de entrar, não por uma diretoria designada pelo poder público, mas pelos próprios adolescentes internos, que haviam tomado conta do lugar. Com o cargo de diretor vago desde abril, o Ceduc Nazaré saiu do controle do Estado e passou a ser gerenciado pelos próprios internos.
Presidente da Fundac, Getúlio Batista, pode sofrer intervenção
A constatação, feita pelo Ministério Público Estadual na manhã de ontem, gerou medidas extremas. O Batalhão de Choque foi chamado para garantir a entrada da promotora e o MPE agora estuda se deve pedir uma intervenção na Fundação Estadual da Criança e do Adolescente (Fundac), responsável pelo gerenciamento dos centros.

O anúncio da possível intervenção foi feito por membros do Ministério Público e da Justiça. O tom da entrevista coletiva foi duro, com várias críticas ao Governo do Estado e à governadora Rosalba Ciarlini. Para os promotores presentes, o procurador geral de Justiça, Manoel Onofre Neto e o juiz da Infância e Juventude, Homero Lechner, o poder público vem agindo com desinteresse em resolver os problemas do atendimento aos jovens em conflito com a lei. O caso do Ceduc Nazaré foi considerado um exemplo do descaso. “Chegamos a um ponto em que o diretor de uma unidade é o próprio adolescente infrator. É um absurdo”, aponta o juiz Homero Lechner.

O possível pedido de intervenção é fruto de um acúmulo de problemas. A interdição do Ceduc Pitimbu, no meio do ano, e do Ciad, mais recentemente, são exemplos desse acúmulo. Para o procurador-geral de Justiça, Manoel Onofre, há falta de gestão. “No meio do ano, apresentamos um relatório para a governadora Rosalba Ciarlini com uma exposição detalhada de todos os problemas e sugestões de planejamento, o que nem é o nosso papel, mas que por conta da gravidade foi necessário. Mas até agora não houve evolução”, disse o procurador-geral. Manoel Onofre complementou dizendo que enviou três ofícios para o gabinete da governadora para obter um retorno, mas em vão. “Não queremos apurar possíveis atos de improbidade e nem partir para uma intervenção, pois se tratam de medidas extremas. Mas a promotoria está estudando a possibilidade de intervenção na Fundac”, complementa.

O fundamento para as “medidas extremas” são as violações a direitos constitucionais, tanto em relação aos adolescentes, que são internados em locais sem condições mínimas; quanto em relação a sociedade em geral. Muitos dos adolescentes continuam em liberdade mesmo quando cometem infrações graves. O motivo é a falta de vagas no sistema de ressocialização de jovens em conflito com a lei. “O Estado está “legalizando” as infrações cometidas por adolescentes. Hoje mesmo jovens serão soltos por falta de vagas no sistema. É um absurdo”, aponta o promotor da Infância e Juventude, Marconi Falcone. Há casos de adolescentes que praticaram assaltos à mão armada e até homicídios sendo soltos por falta de vagas.

Batalhão de Choque

No caso do Ceduc Nazaré, o Batalhão de Choque chegou a entrar em conflito com os adolescentes internados, segundo a promotora Mariana Rebelo. Foi necessário fazer alguns disparos com balas de borracha para conter os internos, que claramente desafiavam os policiais.

Foram apreendidos durante a visita utensílios para o uso de drogas, celulares e armas de fabricação artesanal. Um dos internos era considerado o líder da  unidade. Segundo informações do MPE, ele tem 19 anos e é responsável pelo tráfico de drogas dentro do próprio Ceduc. O interno foi transferido para o Ceduc Caicó, após liderar o “motim” em Natal. A punição deve se estender por três meses.

Presidente da Fundac tem uma avaliação diferente

O presidente da Fundac, Getúlio Batista, afirmou que o Ministério Público Estadual cometeu “excessos” ao afirmar que o Governo do Estado não vem trabalhando para promover melhorias no sistema de atendimento a jovens em conflito com a lei. “Estamos fazendo a reforma do Ceduc Pitimbu, licitando a questão do Ciad de Natal. Então, não é verdade que o Governo não trabalha”, aponta. No que diz respeito ao caso do Ceduc Nazaré, Batista disse se tratar de “um fato isolado”. “Não é verdade que os internos dominaram a unidade”, complementa.

Getúlio Batista também discorda da ideia de que, frente ao relatório apresentado pelo MPE acerca das deficiências do sistema estadual, o Governo tem sido inoperante. “Ora, nós recebemos o relatório em julho. Estamos em outubro. São apenas três meses. Não dá pra resolver tudo em três meses”, discordou. O presidente da Fundac reiterou os pedidos já realizados de que os promotores façam visitas pessoais às unidades. “Chamei os promotores para almoçar no Ceduc Pitimbu e nenhum deles veio. O próprio procurador Manoel Onofre pode vir à unidade e conferir a reforma de perto”, disse.

O relatório em questão foi apresentado ao Governo do Estado em julho. Várias deficiências são apontadas no documento, desde na parte de recursos humanos quanto na estrutura física das unidades. Em relação aos recursos humanos, o MPE verificou uma incongruência. Há mais servidores oficialmente na Fundac que trabalhando de fato nas unidades. “Temos no máximo 230 adolescentes internos e a Fundac com mil e quatrocentos funcionários. Cada adolescente custa R$ 5,5 mil por mês e mesmo assim o serviço não é de qualidade”, aponta Manoel Onofre Neto.

Apesar da quantidade de colaboradores, os Ceducs sofrem com a falta de profissionais. Há carência de assistentes sociais, psicólogos, socioeducadores, policiais, entre outros. Em Nazaré, por exemplo, o Ceduc tem somente um policial por turno. O relatório do MPE, elaborado em junho, aponta que com “apenas um policial por turno há constantes afrontas ao policial de plantão, que não consegue conter os adolescentes”. Na visita da promotora Mariana Rebello, houve ameaças de morte. Os problemas relatados pelo MPE não se restringem à questão de recursos humanos. Ficou comprovado falta de estrutura física, com prédios sucateados, sem manutenção e impróprios para abrigar os jovens internos.

Getúlio Batista afirma que as reformas estão sendo realizadas. “O projeto para o Ceduc Pitimbu tem piscina olímpica, quadras, um muro de 60 metros quadrados, entre outras coisas. Além disso, trocamos o forro, o bebedouro e a comida agora é de primeira qualidade. Ou seja, há mudanças, estamos trabalhando”, justificou. A licitação para a reforma de outra unidade – o Ciad de Natal – está em curso também. A previsão para concluir a obra do Ceduc Pitimbu é julho do próximo ano com 50 novas vagas.

A segurança do Ceduc Nazaré será reforçada, ainda segundo o presidente da Fundac, Getúlio Batista.

Bate-papo

Manoel Onofre Neto, procurador-geral de Justiça

“Nunca vi uma situação assim, tão caótica”

O Governo costuma dizer que os problemas do sistema de acolhimento a adolescentes em conflito com a lei. O senhor acha justificável?

Essas ações envolvem várias entidades na defesa de um sistema mais estruturado. Entendemos que existe um tempo necessário, mas eu, que sempre fui promotor na área de infância e juventude, nunca vi uma situação tão caótica quanto a atual. E o Governo do Estado não tem conseguido dar as respostas necessárias. Então, não dá para acatar como argumento, até porque já existe dois anos da atual gestão. Não houve uma resposta concreta e a situação tem se agravado nos últimos dois anos.

E em relação ao relatório produzido pelo MPE?

Fizemos uma apresentação à governadora e à vários secretários de Estado, onde ficou clara toda a problemática envolvendo o acolhimento dessas crianças e desses adolescentes. O Governo pediu 30 dias para analisar o conteúdo e tomar providências. Esse prazo terminou em agosto.

O Ministério Público irá pedir intervenção?

Os promotores da área da infância estão avaliando isso. A governadora Rosalba Ciarlini foi informada. Seria uma intervenção na Fundação Estadual da Criança e do Adolescente. O MPE estuda pedir essa intervenção, que é uma medida extrema.

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