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Cidades perdem a tranquilidade

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Jangadas balançam ao compasso das ondas do mar de tons esverdeados. A brisa constante ameniza o sol forte. Alguns pescadores costuram redes enquanto outros bebericam um pouco de cachaça. Quem visita Caiçara do Norte, a 149 quilômetros de Natal, vai presenciar essas cenas e ter a falsa impressão de que o local é extremamente pacato. Mas basta uma troca de palavras com qualquer morador para que a verdade surja. A cidade litorânea foi tomada por uma espécie de tsunami que destrói famílias e impõem a violência no local. O problema não foi ocasionado por intempéries, mas pelas drogas que ocuparam  os lugares onde as políticas públicas não apareçam antes.
José Ricardo Barbosa, 29 anos, foi morto a tiros por dois homens ainda não identificados pela polícia. Deixou mulher e filho de quatro anos
O histórico de violência na cidade pode ser mensurado com os últimos acontecimentos. Em menos de 45 dias, foram três homicídios. Três jovens. Três execuções. A mesma explicação: envolvimento com drogas. O último crime foi registrado no dia 26 de janeiro. José Ricardo Barbosa, 29 anos, foi morto a tiros por dois homens ainda não identificados pela polícia.

José Ricardo não tinha emprego e já havia sido preso. Na prisão, aprendeu o ofício de artesão, mas não se dedicou à profissão. Deixou a mulher e um filho de quatro anos. “Eu sabia que ele era envolvido com droga, mas ele nunca trouxe nada para dentro de casa. Infelizmente as coisas acabaram dessa forma”, lamenta a viúva Maria José, 33 anos.

Para sobreviver, a dona de casa conta com o auxílio do Bolsa Família. Além dela, boa parte da população sobrevive da mesma forma. Não há muitas alternativas para Maria José e os demais 6.015 habitantes do município. Em outras áreas, a carência de políticas públicas é visível. Ruas sem calçamento, esgoto a céu aberto, lixo espalhado pela cidade chamam atenção do transeunte.

A cidade, aliás, vive um momento delicado politicamente. Em agosto passado, o prefeito eleito nas eleições de 2012, Alcides Fernandes Barbosa (PP), teve, à unanimidade, o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE-RN). O vice-prefeito Victor Vinícius de Almeida também sofreu a mesma penalidade. Os dois são acusados de captação ilícita de sufrágio, conhecido popularmente como compra de voto.

O prefeito e vice já haviam sido cassados em primeira instância, mas recorreram. Com a decisão, Caiçara do Norte teria uma nova eleição em novembro passado, mas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), através de decisão liminar do ministro Marco Aurélio, suspendeu a disputa. Permanecendo à frente da prefeitura o presidente da Câmara Municipal.

A instabilidade política aliada ao desaparelhamento do Município causa mais revolta na população. Nas escolas, as histórias sobre violência se multiplicam. “Tivemos professores ameaçados e o tráfico acontecesse na nossa porta”, diz a professora Virgínia do Nascimento. “Aqui, tem criança com oito anos que já pratica pequenos furtos. A situação é lastimável”, completa.

Caicó: apreensão de drogas cresce no início do ano

Apenas na última semana, homens do 6º Batalhão de Polícia Militar (BPM), em Caicó, conseguiram tirar de circulação mais de sete quilos de maconha e crack. Até a última quinta-feira, a polícia contabilizava um recorde na apreensão de entorpecentes no município. O total de drogas apreendido, somente em janeiro e nos primeiros dias deste mês, já é superior ao montante apreendido nos últimos dois anos. O trabalho da PM revela que os traficantes utilizam a maior cidade do Seridó como um dos pontos de distribuição de maconha e crack para demais cidades da região.
Equipe da Polícia Militar faz operação para coibir o tráfico no bairro João XXIII, em Caicó
A ação dos policiais aponta ainda que, nos últimos anos, Caicó passou a contabilizar outros crimes relacionados ao tráfico. Somente este ano, foram dois homicídios. Concomitantemente, a estrutura disponibilizada à Polícia Civil – responsável pela investigação e elucidação dos crimes – foi reduzida. O titular da Delegacia Geral do município, Igor Pessoa, lamenta a situação. “Queremos trabalhar, mas não tem como. Caicó é uma cidade de destaque no Estado, merecia mais atenção”, diz.

O delegado informa ainda que, apesar da existência de alguns agentes na DP, apenas três pessoas são responsáveis, de fato, pela investigação dos crimes. “Os demais ficam na delegacia para realizar o serviço burocrático. Em campo, trabalhando nas demais obrigações, sou apenas eu e mais dois”, explica.

Devido à inexistência de efetivo suficiente na Polícia Civil, os homens da PM assumem o papel de investigadores. O comandante do 6º BPM, major Walmary Costa, conta que, no comando, há o departamento denominado “2ª Seção”. É este o setor o responsável por realizar investigações. “A verdade é que a Civil não funciona. Não por falta de vontade do delegado e demais homens, mas é impossível trabalhar com a estrutura que eles contam. Por causa disso, a 2ª Seção realiza esse trabalho”, destaca major Costa.

Na tarde da última quarta-feira, o trabalho dos policiais militares resultou na prisão de uma traficante e na apreensão de quase três quilos de drogas. A jovem Poliana Cristina Alves da Silva Azevedo, 21 anos, foi presa por homens do Grupo Tático Operacional (GTO) daquela cidade. A jovem estava dentro de um taxi. O destino era a cidade de Parelhas, a 232 quilômetros da capital. Antes de embarcar no automóvel, Poliana adquiriu, de forma não revelada por ela e ao custo de R$ 10 mil, 2,5kg de maconha e 250gr de crack.

Através de uma denúncia anônima, os policiais do GTO tiveram conhecimento do caso e abordaram a traficante nas proximidades da localidade conhecida como Barra da Espingarda, na BR-427. Levada à delegacia e autuada em flagrante por tráfico de drogas, Poliana disse que iria vender os entorpecentes na cidade de origem. “A droga era minha. Comprei aqui em Caicó e ia levar para Parelhas para apurar dinheiro”, informou. Poliana disse ainda que não era viciada e nunca havia sido presa.

Um dia depois dessa abordagem, policiais da Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (Rocam) e do 3º Distrito de Comando de Policiamento Rodoviário Estadual (CPRE) prenderam o moto-taxista José Roni da Silva e uma adolescente de 16 anos  com 5 quilos de maconha e uma quantidade não divulgada de crack. A prisão ocorreu no bairro Vila do Príncipe. A adolescente afirmou que a droga era dela, mas não disse onde havia comprado e para onde iria levar os produtos.

A PM tenta coibir o tráfico. Rondas são realizadas em bairros considerados críticos. Na noite da quarta-feira passada, o bairro visitado foi o João XXIII. Na noite da última terça-feira, o local foi cenário de um homicídio. Fábio Gomes de Oliveira, vulgarmente conhecido como “Mossoró”, 24 anos, foi morto com vários tiros. A causa da morte é desconhecida, mas familiares e a polícia confirmam que o rapaz tinha envolvimento com drogas e dívidas com o tráfico teriam motivado a execução.

Apenas dos números de apreensões de drogas e os casos de homicídios registrados, o major Costa declara que Caicó é uma cidade tranquila. Responsável pelo comando de 450 homens que atuam em nove cidades, o policial conta que, não fosse o crack, a cidade não contabilizado 17 mortes violentas ano passado. “Nossa região é a mais segura do Estado. Pode comparar com outras regiões. É possível que Caicó esteja na rota de drogas, mas mantemos a segurança”, diz.

Major Costa diz ainda que os homicídios estão relacionados ao tráfico. “Lembro que a primeira apreensão de crack, em Caicó, aconteceu no ano de 2000. Nessa época, a gente contabilizava apenas um homicídio por ano. De lá para cá, teve um ano que foram 37 mortes. A maioria relacionada com droga”, destaca.

DEPOIMENTOS

Caiçara do Norte
Maria Antônia da Silva

A dona de casa e mãe de três filhos, Maria Antônia da Silva, faz uma viagem cansativa a cada quinze dias. O destino é o município de Caicó, a quase 300 quilômetros de distância de Caiçara do Norte. Além de Maria Antônia, mais duas mulheres fazem a viagem no carro do Conselho Tutelar. O motivo da viagem é a visita que as três mulheres vão fazer aos filhos. O primogênito de Maria Silva, um adolescente de 14 anos, e os outros dois meninos estão detidos no Centro Educacional (Ceduc) de Caicó cumprindo pena socioeducativa decretada pela Justiça.

O filho de Maria Antônia foi viver no mundo incerto. Preferiu as drogas e as aventuras relacionadas ao universo sombrio da criminalidade infanto-juvenil. Foi detido por cometer furtos e a primeira etapa da pena foi cumprida em Mossoró. Lá, foi espancado por outros meninos que chegaram a esfaqueá-lo. “Soube disso através de outras pessoas. Quando me contaram, ele já estava em Caicó. Conseguiram a transferência senão ião matá-lo”, diz a mãe.

O adolescente é filho de pais separados. O casamento de Maria Antônia com um policial da cidade de Caiçara não durou muito. O pai do adolescente, aliás, presenciou a decisão de juiz que condenou o filho de perto. Ele estava de serviço no fórum da cidade e viu quando o filho se desesperou com a decisão judicial. O menino saiu correndo e o pai foi atrás. Entrou em cena o policial. O homem sacou o revólver e disparou para cima. A ação do pai/policial fez com que o adolescente parasse de correr.

Ao lembrar o fato, Maria Antônia demonstra um pouco de revolta. A mulher está confiante que o filho vai esquecer o episódio e deixar para trás o vício e atitudes desordeiras. “Numa das visitas, ele me contou que vai mudar. Ele sai do Ceduc em março. Estou confiante”, diz.

Caiçara do Norte
Maria José, 33 anos


A dona de casa Maria José, 33 anos, mais conhecida como Zeza, nasceu e sempre morou em Caiçara do Norte. Viu de perto a evolução da violência na cidade. Não imaginava, entretanto, que seria mais uma vítima do mal que atinge a cidade. “Eu sempre escutava essas histórias por aqui. A cidade era tranquila, mas as coisas mudaram”, lamenta.

Há exatos quinze dias, o marido de Maria José, o desempregado José Ricardo Barbosa, foi morto a tiros. A polícia ainda não deu explicações oficiais sobre o crime, mas a esposa e demais moradores de Caiçara apontam o homicídio como mais um caso relacionado ao tráfico de drogas. “Sabia que ele metido com essa vida. Não trazia para casa, mas sabia”, diz.

Além da esposa, José Ricardo deixou um filho de 4 anos. O menino não entende bem o que aconteceu com o pai. A mãe teme que algo lhe aconteça. “Eu fico com medo. A gente não tem mais paz nessa cidade”, completa.

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