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Ciência se aprende na escola

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Como podemos erguer um objeto sem fazer nenhum esforço físico? A pergunta é boa, instigante. Em frente ao quadro, as crianças apertam os olhos e queimam os neurônios para tentar encontrar uma resposta. Fosse uma escola comum, o professor nesse exato momento procederia com a explicação. Depois de citar pelo menos dois físicos consagrados e duas fórmulas, seria hora de passar para o próximo conteúdo. Mas essa não é uma escola comum. Trata-se da Escola Alfredo Monteverde, projeto vinculado ao Instituto Internacional de Neurociências de Natal, especializada em educação científica.

Nesse caso, o próximo passo para os alunos é a elaboração de hipóteses, a discussão em grupo e a tentativa de construir experimentos a partir das hipóteses levantadas. O que mais chama a atenção é a diferença de método. Ao invés de receber a resposta pronta do professor, como possivelmente aconteceria em uma escola regular baseada no método tradicional de ensino, as crianças são instigadas a pensar e discutir em conjunto uma resposta apropriada para o problema. O processo não é passivo, elimina-se a repetição. Para isso, o próprio método científico, com experiências e testes práticos para as hipóteses concebidas pelos alunos, é o farol do processo. Algo muito diferente do que acontece em escolas ao longo do Brasil.

Diante disso, fica a pergunta: como é possível estimular crianças e adolescentes a se interessarem por ciência e pesquisa ainda no ensino básico? De acordo com o professor da UFRN, André Ferrer, doutor em Educação e que pesquisa aspectos do ensino de ciências, as dificuldades para atingir um bom resultado na área dentro do ensino regular são variadas. Há questões como a remuneração do professor, a falta de estrutura e equipamentos, as deficiências na formação dos futuros professores, além de aspectos curriculares e metodológicos. As questões estruturais, mais focadas no ensino público, são amplamente conhecidas, o que não quer dizer que sejam de fácil resolução. Contudo, há problemas curriculares e metodológicos que atingem os alunos como um todo.

Nesse ponto, voltamos ao início: o método adotado nas escolas da Associação Alberto Santos Dummont de Apoio à Pesquisa, fundação que gere o Instituto de Neurociências, em comparação com as demais escolas. Apesar de ser necessário ressaltar que as escolas ligadas ao Instituto não tem a “obrigação” de percorrer toda a grade curricular, ficando como formação complementar, é inegável que se trata de um método onde o aluno faz parte do processo. Ao invés de ser um depositário de conhecimento, ele aprende a se apropriar da realidade.

Outro ponto importante nessa diferença de método diz respeito à divisão do conhecimento em diferentes disciplinas. Da forma como se ensina atualmente, o conhecimento fica fracionado, não há interdisciplinaridade. Contudo, na prática, a realidade não se apresenta dessa forma fragmentada. Um exemplo: para entender um fenômeno na área de neurociência é necessário entender física, química, biologia, e, principalmente, compreender como tudo isso se articula em um só fenômeno.

“Um aluno com uma visão fragmentada sempre vai ter dificuldades para se apropriar da realidade, porque a realidade não se apresenta dessa forma fragmentada”, explica Dora Montenegro, coordenadora das escolas da AASDAP. Por conta disso, na Escola Alfredo Monteverde os alunos trabalham em torno de projetos. Tendo um único tema por semestre – Ciência e Arte, Ciência e Biologia, Ciência e Robótica, etc – eles passeiam por vários conceitos de ciência e cidadania, construindo uma visão articulada dos fenômenos estudados e, principalmente, aprendendo a defini-los com palavras próprias. “Fazemos questão que eles usem as próprias palavras”, resume Dora Montenegro.

Apesar do modelo voltado para ciências, o objetivo da proposta pedagógica das escolas ligadas ao Instituto de Neurociências não é formar futuros cientistas. Não se trata de um processo de “fabricação de cientistas em série”, mas da utilização do método científico para formar cidadãos. O que se procura é formar pessoas críticas, conscientes, com capacidade de pensar por si e expressar essas idéias. “Quando eles terminam o curso, podem fazer o que quiserem”, diz Dora, acrescentando que para Miguel Nicolelis, idealizador do projeto, se dois alunos se tornarem cientistas “ele já está feliz”. “Mais importante é contribuir para o crescimento dessas pessoas. Dar oportunidade”, encerra.

CNPQ mantém programa de bolsas

Além de projetos que buscam uma nova forma de ensinar, existem também tentativas de complementar o ensino regular e ajudar os alunos a obter uma outra visão de ciência. Em Natal, um dos projetos mais bem sucedidos é o Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência), mantido pelo CNPq. O Programa tenta aliar a boa formação do professor, que antes de terminar a licenciatura tem experiência de sala de aula, e a preparação de aulas mais elaboradas e planejadas para os alunos. A Escola Estadual Berilo Wanderley abrigou o Pibid de Física no ano passado com bons resultados. Três alunos chegaram à terceira fase das Olimpíadas de Física, por exemplo.

O professor de Física, Raimundo Nonato, foi um dos principais articuladores do projeto no Berilo Wanderley. Os alunos de licenciatura do curso de Física do IFRN foram encaminhados ao Berilo para trabalhar em conjunto com o professor Nonato. Um deles foi Luís Roberto da Silva, estudante do sétimo período de Física. A disponibilidade de mais pessoas para pensar e planejar as aulas foi fundamental no processo. Foi possível realizar experimentos, aulas de campo, participação em Olimpíadas, entre outras atividades. “Se eu estivesse sozinho, nunca poderia ter feito tudo isso, por conta da falta de tempo para planejar. Como eu viria testar experimentos, organizar laboratório se quando termina a aula em uma turma já há outra para seguir?”, diz Raimundo Nonato.

Elaborar um experimento para demonstrar como certos conceitos funcionam na prática é muito mais importante do que parece. Afora todo o efeito lúdico, a visualização de como a teoria funciona de fato aproxima o aluno da matéria, o que não é pouca coisa. Os conceitos de ciências costumam ser muito abstratos para crianças e adolescentes. “A ciência que o professor quer ensinar é muito abstrata, diferente do conhecimento que o aluno já tem sobre a realidade”, diz o professor André Ferrer. E complementa: “Se eu soltar dois objetos, um mais pesado e outro mais leve, o pesado vai chegar primeiro ao chão. Mas se eu retirar o ar, os dois vão chegar ao mesmo tempo. Então o aluno já chega com um conhecimento espontâneo e o professor precisa ter trato para ensinar o conceito formal”.

Estudantes do RN na Olimpíada de Astronomia

No ano passado, Pedro Henrique Rodrigues da Mota viveu uma semana incomum para a maioria dos adolescentes da sua idade. Aos 15 anos, ele conheceu os detalhes do Programa Espacial Brasileiro, em  São José dos Campos, São Paulo, visitando as sedes do Instituto Espacial Brasileiro (INPE), Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e  o Centro Técnico Aeroespacial (CTA). A visita não foi por acaso. Pedro Henrique foi um dos 50 classificados na última olimpíada de Astronomia e ganhou o direito de ver de perto como o Brasil tem pensando e executado o seu programa espacial.

Aluno do Centro Educacional Integrado (CEI), na sede da avenida Romualdo Galvão, Pedro Henrique também teve classificação expressiva na Olimpíada de Física. Nas duas edições, ele foi medalha de prata. O sucesso nas duas competições nacionais não nasceu do acaso. Segundo o garoto, o interesse por física e astronomia vem desde a época do Ensino Fundamental. “Sempre gostei de matemática, mas me interessei por Astronomia no Ensino Fundamental. A partir disso, passei a utilizar esses conceitos também na sala de aula”, explica.

O interesse incomum nas escolas de Ensino Fundamental e Médio foi cultivado à base de leitura, como é o caso do livro do físico inglês Stephen Hawking, “O universo numa Casca de Noz”. “Eu tinha uns 12 anos quando li esse livro e consegui entender porque a linguagem é fácil. Meus pais sempre me estimularam a ler bastante e eu também procurava material sobre o assunto na internet”, relembra, acrescentando que documentários no canal por assinatura History Channel também foram importantes.
Apesar do fascínio por Astronomia, Pedro Henrique não tem certeza se essa é mesmo a sua área de preferência. “Fico em dúvida se quero astronomia mesmo. Acho que vou acabar seguindo alguma área de engenharia, como engenharia mecânica”, projeta. O desejo do adolescente em estudar assuntos relacionados a matemática e física é algo incomum na educação no Brasil e também no mundo.

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