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CLT precisa de adequações à realidade

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Sara Vasconcelos
repórter

Prestes a completar 70 anos, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – legislação que regulamenta o trabalho com carteira assinada no Brasil – tem dificuldades de acompanhar os avanços tecnológicos e mudanças na sociedade. A lei promulgada por Getúlio Vargas, em 1943, “a duras penas” para o trabalhador, reúne ainda um bom número de artigos que caducaram no confronto com outras leis. Neste 1º de maio, quando se comemora o Dia Mundial do Trabalho, o aplauso à maior conquista trabalhista brasileira vem junto com a crítica: é preciso se atualizar. Especialistas e trabalhadores concordam que as alterações não devem prejudicar direitos conquistados.
Cleber Viana é monitorado via online, enviando relatórios diários das suas atividades
Diversos artigos riscados indicam que foram revogados. O que está sem o traçado continua valendo, mesmo que, na prática, seja substituído por leis maiores ou mais recentes. O pagamento de horas é uma delas. O valor mínimo estimado em relação à hora normal trabalhada é diferente quando citada na CLT (20%) e na Constituição Federal (50%). O que vale? De acordo com o advogado especialista em direito do trabalho, Mirocem Ferreira Lima Júnior, “quando duas leis tratam do mesmo assunto, a mais recente predomina”.

A quantidade de projetos, mais de 400, que tramitam na Câmara propondo mudanças à lei  sugere a urgência da reforma. “É fruto da necessidade da CLT acompanhar as mudanças, garantindo os princípios de dignidade humana, segurança do trabalho, direitos que, às vezes, são tolhidos”, diz o advogado. Os projetos que tratam de novos arranjos de trabalho, como as terceirizações e cooperativas, levantam maior polêmica.

A desatualização gera situações tratadas por outras áreas – como a Constituição Federal, o Código Civil e súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) – a exemplo das ações relacionadas a comportamento: dano moral, assédio sexual, honra e imagem, cuja demanda nos tribunais cresceu nos últimos anos. Arcaísmos, como “emprêsa”, grafada com acento (art. 611) – apesar dos acordos e reformas ortográficas da língua portuguesa realizados em sete décadas (1943, 1945, 1971, 1990 e 2009) – ou ainda o padrão de moeda Cruzeiro (Cr$), extinto em 1967, usado para estabelecer valores de multas – reforçam a sensação da lei  ter “parado no tempo”.

O presidente da Federação dos Trabalhadores da Indústria do Rio Grande do Norte, Joaquim Bezerra, reconhece a necessidade de atualização da CLT, contanto que direitos sejam mantidos. “A reforma trabalhista e sindical é importante e deve ser feita de modo a não retirar direitos já consagrados do trabalhador”, disse. 

A opinião é partilhada pela procuradora do Ministério Público do Trabalho, Ileana Neiva Mousinho. Para ela, a CLT não está ultrapassada e sim em constante evolução, com o surgimento de normas e a prevalência da jurisprudência sobre o texto da lei. “A vocação da CLT é fixar um mínimo de direitos. O restante deve ser ampliado por leis e acordos coletivos. E a vocação das normas, abaixo da Constituição Federal, é de serem complementadas pela Constituição”, enfatiza.

Para evitar danos aos direitos adquiridos, as modificações devem ser amplamente discutidas para assegurar os direitos do trabalhador, sem ignorar a possibilidade das empresas cumprirem o estabelecido. “Sob o risco de fomentar o desemprego”, pondera Mirocem Júnior.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT), frisa o diretor executivo Ari Azevedo é contra qualquer forma de flexibilização. “Discordamos do argumento em voga pelo empresariado de que a CLT encarece o custo Brasil e engessa as empresas”, sentenciou. A redução da jornada de trabalho é defendida por empregadores para conter custos – reduzindo também os rendimentos do trabalhador. Muitas empresas adotam o sistema de turnos alternados, com jornada inferior às 8 horas, prevista na legislação, e baixam os salários.

Contratos são regidos por súmula

Alegando os custos tributários incidentes sobre a folha de pagamento, as empresas têm buscado formas alternativas para a contratação de pessoal. No Brasil, as terceirizações são regidas pela súmula 331, do TST.

Para as empresas, explica a analista e consultora em recursos humanos Karla Andreia Silva Santiago, a falta de amparo da lei gera confusão e insegurança jurídica na hora de contratar.  Quando não bem administradas, garante a consultora, as terceirizações passam de benefício para possível problema. Sem regulamentação, as empresas são obrigadas a conhecer o que rege a convenção coletiva de cada categoria para contratação de prestadores de serviços. “A empresa não sabe o que tem que pagar. É preciso uma boa assessoria jurídica”, diz.

Por conceito, a companhia só pode terceirizar as atividades que não fazem parte da operação principal, e nunca contratar trabalhadores por meio de intermediários. Na prática, adverte o advogado trabalhista Mirocem Júnior, a estratégia é adotada como forma da empresa “driblar os encargos trabalhistas”. Para promover mão de obra mais barata, houve uma “explosão de cooperativas e contratações terceirizadas ilícitas”, analisa Mirocem, em que cooperados estão diretamente subordinados ao contratante e atuando em atividades fim destes. 

Essas terceirizações, ressalta o presidente da Federação dos Trabalhadores da Indústria do Rio Grande do Norte, Joaquim Bezerra, usam a força de trabalho do cooperado sem pagar, tampouco resguardar os direitos trabalhistas e previdenciários. Para Joaquim, é importante que a reforma trabalhista e sindical preconize salários iguais para empregados e prestadores de serviços.

Outros arranjos como o trabalho por projeto, o trabalho por conta própria, o trabalho individual, o trabalho por pessoa jurídica, embora reconhecidos pela justiça enquanto relação de trabalho, não é regulamentado pela CLT. O designer João Dias de Oliveira, que trabalha por projeto, conta que é preciso firmar com a tomadora de serviço possíveis descontos e benefícios, durante a contratação, uma vez que os direitos atendem apenas relação de emprego. “É preciso deixar tudo ajustado”.

Lei reconhece trabalho à distância

No  fim do ano passado, a CLT passou a reconhecer o trabalho realizado a distância e não só o desempenhado a partir da empresa ou de casa. A lei número 12.551, de 15 de dezembro de 2011, alterou o art. 6º e determinou que os aparelhos de telecomunicação e informática servem para controlar e supervisionar o trabalhador.

A consultora de RH Karla Andreia Silva Santiago, afirma que muitas empresas disponibilizam equipamento e softwares e monitoram o cumprimento do trabalho à distância, com a mesma eficiência da supervisão presencial. “Algumas adotam o bloqueio de aparelhos celulares ou notebooks, ou de sistemas para controlar a duração do trabalho”, observa.

 Antes mesmo da lei entrar em vigor, o representante comercial da indústria farmacêutica Cleber Viana, 39 anos, já era monitorado a distância. Munido de tablet, cedido pela empresa sem restrição de uso, a supervisão é feita a partir do envio de relatório após cada uma das 18 visitas diárias. “A gente informa o local, a negociação. A empresa tem informação em tempo real sobre o que está acontecendo”, afirma.

Ao passo que a mudança é favorável ao trabalhador, a supervisão à distância e por meios eletrônicos ainda sofre resistência por parte das empresas e preocupação jurídica. Para que não ocorra excesso, a recomendação é para as empresas registrarem que o trabalhador ultrapassou a jornada, prevista em lei, para atender necessidade do trabalho.

Nem toda mensagem ou ligação fora do horário de trabalho, explica o advogado, configura o sobreaviso. “É o conteúdo da informação recebida quem determina’’. E acrescenta: “Os meios telemáticos servem como meio de prova de subordinação e supervisão e deve ser caracterizado o tempo de efetivo trabalho. Cabe ao judiciário separar o joio do trigo”, observa Mirocen Júnior.

Assédio é tratado por força da Constituição Federal

No Brasil, a Justiça do Trabalho se vale do artigo 5º da Constituição Federal para orientar as causas ligas a comportamento. Trabalhadores, juristas e especialistas defendem a inclusão do assédio moral no novo texto da CLT.  O tema é tratado como justa causa para pedido de rescisão de contrato por parte empregado, mas não especifica reparações.  “A falta de uma legislação específica faz com que as demandas judiciais, dependam da subjetividade, do entendimento do magistrado trabalhista”, avalia Mirocem Ferreira Júnior. Os valores dessas ações são arbitrados pelo juiz e podem variar conforme a extensão do constrangimento, da humilhação e do vexame submetido aos trabalhadores. A procuradora do trabalho Ileana Neiva Mousinho explica que, nesses casos, os princípios do direito constitucional são absorvidos no direito do trabalho. “Estas matérias não têm previsão na CLT não por desatualização, mas por que diz respeito ao direito da pessoa humana, independente se praticado dentro ou não do ambiente de trabalho”.

Segurança do Trabalho

A despeito de outros temas, as normas de segurança do trabalho, de acordo com a procuradora Ileana Neiva Mousinho, passam por “frequente e democrática alteração, em acordo com as novas tecnologias e arranjos”.  A mutação se deve ao artigo 200 da CLT, que estabelece que o ministro do trabalho tem delegação legal para editar Normas Regulamentadoras, por meio de um grupo de trabalho com auditores, empresários e empregados. “É uma carta em branco. É como se a medida de proteção fosse genérica na CLT e detalhada pelo MT, pelas normas como resultado do consenso entre empregados, empresas e governo”, explica Mousinho. Hoje existem 34 NR. Algumas delas, como a NR 17, que versa sobre insalubridade e desconforto acústico no ambiente de trabalho, altera a NR 15 que prevê o limite de segurança para ruído – em desuso em muitos países.

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