quinta-feira, 18 de abril, 2024
28.1 C
Natal
quinta-feira, 18 de abril, 2024

Comerciante da Cidade Alta conta segredo para se manter por 40 anos no mercado

- Publicidade -

O nome no toldo azul já está meio desbotado e o estabelecimento não é, a primeira vista, o que se imagina encontrar. A fachada não é uma vitrine, mas uma escada. Melhor: uma sucessão de degraus que parecem subir para lugar algum, ladeados por uma profusão de sandálias, carteiras, cintos de couros e camisetas com estampas de caveiras, bandas de rock, um Coringa  de sorriso vermelho, faces brancas e cabelos verdes, personagens  de Game of Thrones… Seria uma loja mais típica no “Beco Diagonal”, a área comercial do mundo mágico de Harry Potter, que no Centro de Natal.
Cristian Santana conta um pouco dos 40 anos do pequeno comércio na Cidade Alta que resiste ao tempo e às crises econômicas
Mas, a “Santana Artesanato” está lá, no coração da antiga área nobre da capital, quase esquina da avenida Rio Branco com a rua João Pessoa, há 40 anos. É mais antiga que qualquer uma das lojas vizinhas mais próximas, a gigante C&A e as Sandálias Havaianas. Começou na primeira metade dos anos 1970, com José Pereira de Santana, nascido em São Vicente (região do Seridó potiguar), que veio para Natal prestar serviço militar e virou camelô. No início  deste século, ele passou a loja para os dois filhos, Cristian e Cristiano Santana. Os dois e mais uma irmã – que tem loja no Centro de Artesanato da antiga Cadeia Pública (no bairro de Petrópolis) – nasceram ali mesmo, na loja, e vez por outra, recebem uma ajudazinha para as vendas do neto do velho Santana, Lucas Santana.

A variedade do estoque aumentou; a clientela antiga ainda aparece, mas está mais diversificada; o nome no toldo azul poderá não ser repintado – Cristian pensa em mudar para “Escada do Rock”, mas reluta por razões sentimentais – e o Centro não é mais o mesmo de quatro décadas. Conversando com a reportagem, Cristian dá apenas uma certeza: vai continuar, enquanto espera alguma coisa ser feita para revitalizar o comércio de rua na Cidade Alta. 

São 40 anos aqui na rua João Pessoa, no mesmo ponto, vendendo os mesmos produtos. Como tudo começou?

Meu pai veio para Natal para servir na Marinha. Depois que ele deu baixa, ele casou e, para não passar dificuldades, resolveu ser camelô. Ele vendia aqui perto, na esquina da esquina da avenida Rio Branco com a rua Coronel Cascudo. Isso foi no início dos anos 70, mas algum tempo depois, através de amizades, ele viu a oportunidade de alugar esse ponto aqui, na João Pessoa. No começo, ele vendia óculos de sol, carteiras, gravatas… acessórios. Um dia um rapaz ofereceu a ele para vender artigos de couro. A procura foi boa e ele resolveu se especializar. Além de vender peças dos fornecedores, ele também começou a fabricar as próprias peças. Fazia bolsas,  cintos, carteiras. Só nunca fez as sandálias. Em pouco tempo, apesar de naquela época a Cidade Alta ter várias outras lojas de artesanato, a nossa virou assim uma espécie de referência para artigos em couro.

O ponto era mais conhecido, no boca a boca entre os clientes, como “a loja da escadinha” porque sempre foi assim, pequena, com os produtos pendurados nas paredes da escada que dá acesso a sobreloja. Mas, seu pai chegou a instalar a família aqui. Você nasceu e cresceu dentro da loja?

Isso. A gente morou mais de dez anos aqui. Eram tempos difíceis. A gente abria logo cedo. Era um tempo bom, porque a gente morava no Centro da cidade, via muito movimento, as pessoas que vinham para o comércio, e a noite era um bairro bastante calmo. Quando as lojas fechavam, a gente tinha a rua toda para brincar. O lado ruim é que era tudo muito apertado e eramos uma família de cinco: meu pai, minha mãe, meu irmão e minha irmã. Quando saíamos daqui eu tinha 13 anos. Mas, acho que foi o fato de ter nascido e crescido dentro do comércio que me formou. Eu via meu pai na  batalha, ele é um guerreiro, e fui aprendendo aquilo com ele, fui gostando… Ele sempre me dizia para estudar, para ser alguma outra coisa. Cheguei a concluir o curso de Cooperativismo, na UFRN, e comecei Matemática e depois Química, mas sempre voltava para o comércio. Meu negócio é esse aqui, está no sangue.

Vocês começaram em uma época que Natal não tinha o movimento turístico que tem hoje. O artesanato, inclusive, não era tão valorizado como produto comercial quanto é hoje. Qual era o perfil do cliente de antes e o de hoje?

O diferencial do comércio de artesanato, nos anos 70 até o final dos anos 80, para a situação atual era que antes tanto comprava o cliente local quanto o que vinha de fora. Naquelas décadas, a Cidade Alta era o centro hoteleiro de Natal. Era antes da Via Costeira. Tínhamos o Hotel Ducal, o Samburá, o Jaraguá… O turista circulava por aqui, mas também tínhamos os clientes locais, clientes cativos, gente que ainda hoje vem comprar ou que indica a nossa loja. Esses clientes mais antigos são aqueles que gostam do produto de couro, pela durabilidade, os preços e também por razões sentimentais, da ligação que esses produtos tem com as origens no sertão. Teve também aquela época do pessoal meio hippei, que usava sandálias, bolsas de couro como símbolos do estilo alternativo. Um e outro continua a comprar. Para continuar a atrair o pessoal mais jovem, eu comecei a diversificar os produtos. Além de artigos de couro, estou trabalhando com camisetas, botons e mochilas com estampas de grupos de rock, personagens de filmes, de séries de tv. Produtos que fazem mais meio estilo. Continuou vendo sandálias, cintos, carteiras de couro. As bolsas não dá. Ficaram muito caras. Mas, o perfil do cliente hoje é bem diversificado. Acho que é assim para o comércio de rua em geral. Os shoppings mudaram mudo para o comércio. Eles provocaram um deslocamento grande de clientes. O comércio de rua precisa, hoje, de incentivos.

Olhando o caso aqui da Cidade Alta, quando você fala em incentivos está pensando em que?

Não é só o caso da Cidade Alta. É o caso da Ribeira também. A Ribeira é como um tesouro abandonado. Aquela área e mais aqui, a Cidade Alta, é onde estão as origens de Natal. Você vai a Recife, Salvador, Fortaleza, São Luís e vê que os centros históricos recebem uma atenção diferenciada. Os casarões são preservados, os sítios históricos são divulgados, contam com uma infraestrutura de segurança, alternativas de estacionamento. Tudo é para atrair o turista e também como uma área de convivência para o habitantes locais que podem ver, naqueles locais, como é que a cidade surgiu, como era. O comércio dá suporte e ganha com isso. Em Natal a gente não tem nada disso. 

Aqui na rua João Pessoa a prefeitura já tentou alguns projetos para criar uma área de convivência. Tinha o calçadão…

(Risos) Olha, eu pequei três épocas aqui na João Pessoa. Peguei o tempo em que a rua era livre, o calçadão e agora que só tem meio calçadão. Na minha opinião, a experiência do calçadão foi a melhor. Aqui era para ser um área para as pessoas transitarem, marcarem encontros, conversar com amigos, ver as lojas com calma. Mas, para isso, não é só fechar a rua aos carros. Precisaria que a Prefeitura investisse em infraestrutura, bancos na sombra, segurança, área para estacionar nas proximidades. Podia ser só neste trecho entre a Rio Branco e a Princesa Isabel, mas tinha que ter tudo isso e mais algumas atrações artísticas-culturais para estabelecer uma espécie de programação. Hoje, tem uma feirinha uma vez por mês e, quando tem, a gente das lojas já nota a diferença no movimento para melhor. Pelo menos, para mim!

Esse seu raciocínio é para atrair o cliente local ou você também acha que isso atrairia o turista de volta ao Centro?

O Centro não está mais no roteiro turístico das operadoras de passeios em Natal. Quando muito, eles passam com o ônibus em frente a Catedral, vai na Igreja do Galo e na praça André de Albuquerque e só. O turista vem para Natal através de pacotes de viagens, já chegam com os roteiros pagos e fechados. Levam da via Costeira ao Forte e pegam a ponte para as praias. Estamos fora desses roteiros. As vezes eu recebo turistas aqui, mas são aqueles que vem do hotel sozinhos, por conta própria, passam na frente da loja e param atraídos pelos produtos de couro. Acho que as operadoras pensam que o turista em Natal só quer praia, mas penso que muitos deles também querem outras coisas, como conhecer o centro histórico da cidade. Alguns chegam aqui e, conversando, reclamam que o city tour não incluía o Centro da cidade e eles vieram sozinhos. Muitos, quando chegam aqui, se surpreendem com a variedade do comércio e até com a “muvuca” das pessoas.

Existe um problema de segurança, aqui no Centro, que preocupe o comércio e afaste os passeios turísticos?

A segurança aqui podia ser bem melhor. A gente tinha um trailer da PM aqui na esquina (com a avenida Rio Branco), mas desde o Carnatal do ano passado que levaram ele, disseram que trariam de volta e não reinstalaram até hoje. O nosso problema de segurança é mais com a presença dos “lanceiros”, esses ladrões que ficam esperando uma oportunidade para pegar e correr com produtos que ficam à mostra nas lojas. Não tenho notícias da freqüência de assaltos. Podia ter mais policiamento na área. A volta do trailer já seria uma coisa boa. Só a presença dos policiais ali já inibia a presença desses lanceiros e eles eram uma referência a quem recorrer quando acontecia algo.

A preocupação maior, então, é mesmo com a crise econômica?

Para mim, a crise econômica ainda não provocou esse impacto todo, não! Nós sempre fomos pequenos. Eu sou cadastrado como MEI (micro empreendedor individual) desde 2010, 2011. Desde o início que somos uma empresa familiar, nunca tivemos funcionários. Então, estamos conseguindo nos manter e acho que, no geral, os pequenos estão nessa mesma situação. Mas, a coisa está começando a apertar. Acho que aquela coisa que falamos, sobre a revitalização do Centro, pode ser uma coisa a ser feita para enfrentar a crise. Falta a Prefeitura chamar a gente, os comerciantes do Centro, nos ouvir e discutirmos algumas coisas para melhorar tudo isso aqui.   

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas