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Companheiros

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Dácio Galvão [ [email protected] ]

Mês de abril, dia 23, é aniversário de Pixinguinha. Por ser o compositor tão identificado com o choro, o criativo gênero musical genuinamente brasileiro e nele ter introduzido o saxofone na formação tradicional composta por instrumentos como o cavaquinho, bandolim, violão de sete cordas… Pixinguinha marcou também com a data do seu natalício o Dia Nacional do Choro. Na base do choro ou chorão está o homem da flauta de ébano Joaquim Antonio da Silva Callado (1848-1880). Soma de sonoridades européias (schottisch, valsa, polca…) reagrupadas e na centralidade o africano lundu. Daí para migração do popular para o camerístico foi um pulo. Fosse pela versatilidade dos instrumentistas ou justificando-se na busca aberta e inventiva que instiga os fazedores de novos sons. Jacob do Bandolim, Ernesto Nazareth, Quinteto Vila Lobos são mais que pilares da modalidade. Hermeto Paschoal, Egberto Gismonti, Jards Macalé eventuais e fundamentais experimentadores.  Por essas terras de comedores de camarão salve João Juvanklin! Fora dos ciclos visíveis é recluso feito ostra. Na leitura de um Henrique Cazes, João atinge aquele patamar de categoria absolutamente respeitável no contexto comparativo aos grandes mestres perto ou longe de nós. Cazes avisa e sacramenta para a história que Sebastião de Barros, o K-Ximbinho nascido em Taipu-RN é o responsável pela introdução de elementos de jazz no choro nacional. Só! Uma revolução.

Paulo Moura na entrevista que me concedeu em novembro de 2009, publicada na revista Palumbo (ele que havia participado de duas gravações de CD’s do Projeto Nação Potiguar executando no clarinete em versões distintas a música Ternura) ratificou corroborando com a afirmação do autor do livro, Choro do Quintal ao Municipal: Eu concordo com isso. Há algumas notas na melodia dele, nas progressões harmônicas, que também aconteciam na época nos Estados Unidos com Charlie Parker.”  Moura gravaria um disco inteiro, o K-Xim-Blues reinterpretando  K-Ximbinho. Revelaria adiante o alcance da propagação do chorista potiguar dizendo que “tem bastante gente no exterior que toca K-Ximbinho. Em Israel, eu estive lá, e o pessoal toca. Nos Estados Unidos também…” Não é moleza essa constatação. Observe que não é o fato do artista viajar para o exterior, cada vez mais fácil em tempos de economia globalizada e da economia criativa viver certo apogeu na cristalização do capitalismo. Está em jogo a circulação da obra do artista-músico, na assimilação da forma e conteúdo! Sem o marketing sem investimento comercial. Exemplo cabal: quantas músicas conhecemos desse artista?

Nada melhor poderia acontecer em meio às celebrações do choro no Brasil com o primoroso lançamento do disco: Nailor Proveta Velhos Companheiros de K-Ximbinho. Imprescindível a audição na melhor e mais depurada produção fonográfica realizada em torno desse extraordinário instrumentista. Estamos todos nós intimados a e fazê-lo soar em todos os ambientes. Todas as tribos estão instadas. Temas e improvisos em massas sonorosas. Um timaço escalado no jogo de sopros, cordas, teclas e baquetas: Teco Cardoso, Léa Freire, Josué dos Santos, Odésio Jericó, Jorginho, Edson José Alves, Edmilson Capelupi, Edu Ribeiro, Carlos Roberto e Sidiel Vieira. Um golaço. Arrisca Teco localizando Proveta em uma de suas investidas ilimitadas: Nailor atinge aqui um nível de performance para mim histórico e finalmente registrado, já que é comum chegar a este nível em shows (daqueles que saímos sem saber se foi verdade mesmo o que acabamos de ouvir) mas raramente em gravações de estúdio.

Uma rapaziada virtuose ajuntada por identidades estéticas e musicais recíprocas cujo compromisso é a essencialidade repertorial de K-Ximbinho somado aos acréscimos próprios numa troca síncro-diacrônica onde o original se reapresenta novo e o novo existindo através, e sem anular o tradicionalizado. A recriação consciente dialética e gostosa para os ouvidos incitando desenhos diversos no campo não verbal. É o som que pulsa domina e se empodera. Não há léxicos. O que existe são temas definidos e solos belíssimos que lava o corpo e a alma. Dez músicas do homenageado-tributado. O selo paulista, Maritaca, é de alta qualificação seletiva. Não brinca em serviço registrando música-música. Nailor Proveta assina individualmente a maioria dos arranjos carregando experiência de quem dividiu palcos com artistas do naipe de Natalie Cole, Benny  Carter, Sadao Watanabe, Bobby Short, Joe Willians, Anita O’Day para citar alguns estrangeiros… É primeiro integrante da irrequieta Banda Mantiqueira.

Não vejo ano mais consagrador para o nosso Sebastião de Barros no sentido da revitalização recirculação por via de talentosos e gabaritados músicos que apitam e interferem na cena musical redimensionando-o em novos circuitos. Um trabalho sem soberba, sem concessões. Como fez Paulo Moura em K-Xim-Blues. Como foi a própria vida-obra de grande chorista curtidor e admirador de Parker, o nosso K-Ximbinho!

Fico me perguntando se não seria dever de ofício todos nós desatando os nós e bodes cotidianos nos obrigarmos a ouvir até a exaustão esse disco. Nessa overdose, seríamos outros! Ou se nossos músicos não deveriam ouvir e re-ouvir mais e mais essas composições. E as nossas emissoras de rádios??

Trabalho limpo e límpido. O resultado teria que ser esse mesmo. Na calibragem de Ouro Negro de Moacir Santos. Resume o singular Nailor Proveta, no plural: Nós reunimos alguns amigos que tem a linguagem daquela época que era misturar a bossa do choro com o suingue do jazz e eles foram de uma categoria muito fina.

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