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Condenados a 100 anos de prisão

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Roberta Trindade – repórter

Em direção ao portão de ferro vinham eles, o caminhar pausado, vestidos com bermudas e camisetas surradas, semblante sereno, um deles chegou a ensaiar um sorriso. Levados para uma sala com várias cadeiras – parecia ser um local onde eram ministradas aulas – as janelas foram abertas para entrar a claridade da tarde. Lá, sentaram os dois homens, depois se levantaram e, de pronto, estenderam as mãos para cumprimentar a equipe de reportagem da TRIBUNA DO NORTE.

Josinaldo: garçom de restaurante frequentado por artistas da GloboMoreno, 1,73 de altura, magro e com vontade de falar, Francisco de Assis da Silva, 37, conversou durante quase duas horas.  Josinaldo da Silva Oliveira, 22, bem mais contido, parecia conformado com todos os anos “programados” que vêm pela frente.

Namorar, casar, ter um emprego, a casa própria, um carrinho para sair no fim de semana com a família. Desejos simples de uma infinidade de brasileiros. Todos têm sonhos, vontades, metas, mas Francisco e Josinaldo assumiram o risco, no dia 21 de abril de 2006 de terem a vida revirada e a liberdade interrompida. E foi exatamente o que aconteceu apesar de terem apostado na impunidade. 

Francisco foi condenado em 2008 a 126 anos e seis meses de prisão em regime fechado e Josinaldo a 107 anos e três meses de reclusão. Ambos participaram do assalto a um alternativo que fazia o percurso entre a cidade de Patos, sertão paraibano, a Caicó,  no Seridó do Rio Grande do Norte, um terceiro homem (o líder do bando, morreu um dia após a prisão).

Onze pessoas estavam no alternativo – seis homens e cinco mulheres – que foi desviado da rodovia para uma estrada carroçável. Todos foram feitos reféns e ficaram na mira de revólveres durante pouco mais de intermináveis duas horas. Os homens foram amarrados e amordaçados. Um deles por pouco não morreu sufocado. As mulheres foram deixadas dentro do veículo. Apenas uma delas não teria sido violentada sexualmente. Entre as vítimas estava a companheira de um policial militar. O líder do bando ao descobrir que ela era mulher de um PM tirou a vítima do alternativo e a estuprou. Segundo o processo, Francisco teria estuprado outras duas vítimas e Josinaldo levou uma outra mulher para o mato onde iria cometer a violência.

De acordo com informações do juiz Henrique Baltazar, que proferiu a sentença contra os réus, Josinaldo levou a mulher para o mato e teria perguntado a ela se a vítima queria ter relações sexuais com ele, como a resposta foi negativa, o bandido desistiu de estuprá-la, voltou para a van e afirmou que havia violentado a vítima.

Jovem segue o caminho do tio no mundo do crime

Josinaldo tem hoje 22 anos, mas quando participou do assalto estava apenas com 18 anos. Jovem, com uma vida inteira pela frente poderia ter seguido um caminho diferente, mas preferiu o caminho dos tios que eram bandidos. Um deles está preso no pavilhão 1 de Alcaçuz – destinado aos presos mais perigosos. “Meu tio fez de tudo. Cometeu latrocínio (onde mata-se para roubar), matou policial e teve uma pena menor que a minha. Não entendo isso”.

O preso acha a pena que lhe foi imposta injusta, mas é bem provável que as vítimas não pensem da mesma forma. “Eu perdi toda a minha vida. Se eu tiver bom comportamento com mais 15 anos posso ganhar a liberdade. Vou ter 37 anos. O que mais poderei fazer da vida?”

O rapaz trabalhava como garçom quando morava no Estado do Rio de Janeiro. “Eu conheci a Xuxa e o ator Thiago Lacerda. Se pudesse sair da prisão voltaria a ser garçom. Gostava muito da minha profissão”.

O apenado tem um filho que nasceu um mês antes de Josinaldo ter cometido o assalto. Casado desde aquela época ainda continua com a mesma mulher. “Sempre que ela pode vem me visitar”.

Josinaldo também foi questionado sobre o porquê de ter cometido o assalto e a resposta foi a mesma de Francisco. “Tinha que sustentar minha família. Estava desempregado”.

O rapaz contou que quando era menor teve passagem pela polícia por alguns furtos “insignificantes”. “Foi coisa boba”.

No final da reportagem ambos pediram para que o juiz revesse as penas impostas aos dois e pediram apoio aos direitos humanos. Sobre o que havia nos autos do processo, eles disseram: “Tem coisas horríveis lá. Depoimentos terríveis, mas não foi bem o que aconteceu”.

Acusado de estuprar refém tem medo de ser morto

A pena máxima no Brasil é de  30 anos, mesmo assim, devido alguns crimes e qualificadoras há certos réus que recebem penas bem superiores. No Rio Grande do Norte, Francisco e Josinaldo ainda vão passar muitos anos para ganhar a liberdade. Se tiverem bom comportamento podem deixar a cadeia antes de completar três décadas atrás das grades apesar das penas serem superiores há uma década. Francisco parece arrependido pelo o que fez. “De coração, se pudesse voltar atrás não teria feito aquilo tudo. Estar aqui tem sido uma grande lição. Se um dia sair deste lugar posso até escrever um livro.”

Por vezes, o homem franzino ameaçou chorar. Disse diversas vezes que não teve direito de defesa e que, apesar de ter sido condenado por onze assaltos (o número de vítimas que estava no alternativo), dois estupros e atentado violento ao pudor, afirmou que não violentou sexualmente ninguém. “Nunca faria isso. Quem estuprou foi o falecido que era primo de Josinaldo. Apenas ouvi os gritos das vítimas.”

E, como morto não fala, Francisco continuou a justificar o que ocorreu naquele dia (feriado de Tiradentes). “Se eu pudesse teria matado o “falecido” para ele não violentar as vítimas, mas só ele estava armado. Eu já havia cometido assaltos esporádicos, porém, nunca com violência sexual”. O juiz que atuou no processo, Henrique Baltazar, afirmou que Francisco era o mais violento e que obrigou as vítimas a fazerem sexo oral, vaginal e anal.

O apenado enfatizou que a família, mesmo sem dinheiro, contratou um advogado que lhes cobrou R$ 5 mil para a defesa e que em nove meses, Francisco estaria livre para responder em liberdade. “O advogado foi pago e nunca mais apareceu. Estou há mais de quatro anos preso”.

O presidiário contou que deseja trabalhar para sobreviver dentro da unidade prisional. Sem visita de familiares, ele passa por uma situação difícil. “Não tenho  nada para higiene pessoal. Durmo em uma cela sem colchão, sem iluminação, mas prefiro assim”.

Estuprador na prisão não é aceito pelos presos e este é o motivo pelo qual, Francisco “morre de medo”. Desmoralizado perante os outros apenados pelo delito que cometeu, o presidiário  prefere ficar na cela do castigo a ir para o pavilhão três (o pavilhão cinco onde eles estavam foi desativado). “Eu tenho muito medo de morrer. Lá, podem me matar. Ninguém quer em uma cadeia estuprador. Só sabe quem passa”.

Pai de quatro filhos, uma jovem de 18 anos e três garotos com idades de 17, 15 e 14 anos, separado da mulher há nove anos, ele está sozinho só com a roupa do corpo. E, se existe justiça, ele afirmou que está pagando tudo o que deve à justiça de Deus e a da terra. “Se tenho pena alta que me deixem trabalhar dentro da penitenciária. Passo o tempo na cela matando muriçoca. Poderia ser útil”.

Questionado sobre o porquê de Francisco ter cometido o assalto o homem justificou: “Era para sustentar a família. Estava desempregado”. 

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