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Conjecturas sobre Machado de Assis

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Ivan Maciel de Andrade
Advogado                                    

Como é que Machado de Assis lidaria com os novos meios de comunicação? Refiro-me ao escritor e não ao funcionário público e cidadão de vida metódica e disciplinada. Devemos nos lembrar de que ele desde muito moço esteve ligado ao jornalismo. Exercendo atividades de crítico teatral e literário, inicialmente. Depois, na condição de comentarista dos fatos semanais, autor de poesias, contos e romances, publicados frequentemente em diferentes periódicos. Hoje, teria um blog e usaria as redes sociais? Pelo que dele conhecemos através das inúmeras biografias – com todas as limitações para melhor conhecê-lo com que se deparam os biógrafos, em razão de seu temperamento avesso a confissões e revelações pessoais –, Machado seria um arguto e agudo analista das repercussões socioculturais dessas novas tecnologias (internet, banda larga, telefonia celular etc.). E certamente usaria o universo digital como riquíssimo “insumo” para a produção de sua obra literária.

Reconheço que essas conjecturas têm um inevitável caráter arbitrário. Afinal, tanto o escritor quanto o homem Machado de Assis seriam, por força de fatores históricos, uma espécie de versão contemporânea do que foi o chamado Bruxo do Cosme Velho à época em que viveu – o Segundo Reinado e o início da República. Mas existe uma característica em Machado a ser considerada: ele, enquanto escritor, foi um revolucionário, na visão estética e no espírito crítico – envolto em humor, ironia, sátira – sobre as estruturas sociais e a condição humana, olhada, melhor seria dizer devassada, em seus mistérios e ambiguidades, com pessimismo, num tom que mesclava galhofa e melancolia.

Machado, com a desenvoltura usada para sair do universo servil do Morro do Livramento para a elitizada convivência com intelectuais, jornalistas e escritores que formavam a “intelligentsia” da sociedade de então, haveria de adaptar-se, com a mesma facilidade, aos tempos da informática. Exploraria com habilidade e sagacidade, ao que se pode presumir, o que ela teria a oferecer de melhor e mais proveitoso à sua atividade de cronista e ficcionista. Não seria de seu feitio intimidar-se. Nem tampouco aderir de forma dócil e submissa. O mais natural – pelos exemplos que deu ao longo da vida – seria partir, com espírito aberto aos desafios, para o conhecimento e utilização dos recursos disponíveis no ciberespaço. Procuraria adaptá-los ao projeto a que se dedicou, desde a adolescência e até pouco antes da morte: a construção de uma obra literária que, apesar de escrita em português, se ombreia com quaisquer outras obras de ficção – reconhecidamente geniais – da literatura universal.

Mas, mesmo levando em conta todas as radicais mudanças históricas ocorridas do fim do século XIX aos nossos dias , atente-se para o fato de que a técnica de ficção de Machado – associando a narrativa em que os personagens são pessoas (como destaca o excelente estudo crítico de José Luiz Passos – Objetiva, 2014) a uma visão filosófica, única entre escritores brasileiros – é incrivelmente atual e difícil, ainda hoje, de ser compreendida em toda sua complexidade e originalidade. A era digital teria muito pouco a ensinar a gênios como Shakespeare e Machado de Assis sobre o ser humano.

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