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Contando o tempo

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Aos sete anos, idade em que a vida passou a ser perceptível para mim, queria ter 18, para ver mulher nua em cinema. Aos sete anos, saí para brincar na rua e me senti bafejado pelo vento da bagunça, da anarquia, não dizia, mas me nomeei irrevogável  dono de minha vida. Não mandava em nada, a não ser nas peladas sobre o calçamento ameaçador aos ossos, nos pegas entre turmas do bairro do Tirol. Palmadas corretivas, outras nem tanto, impunham meu lugar.
Queria demais ter 18 anos, porque ouvia em detalhes quase cínicos, as cenas das chanchadas exibidas no decrépito e heroico Cinema Panorama, nas Rocas, para onde iam a pé, os mais velhos da Ezequias Pegado, rua do Posto de Gasolina Miguel Barra, ainda em pleno funcionamento, bem mais efetivo do que todos nós, os fantasmas vivos de um chão de brincadeiras nem tão sadias.

Eu não tinha 18 anos e, somente quando tivesse quinze, poderia tentar enganar os espertos porteiros e os fiscais do Juizado de Menores, que flagravam vários dos meus comparsas territoriais e afetivos. Voltavam como se de uma batalha, a Waterloo que nunca houve para eles, que se achavam tão importantes quanto Daniel Boone, o homem que enfiava uma machadinha na árvore na programação vespertina da TV Tupi.

É, meus amigos, sou do tempo – derradeiro, se é atenuante, da TV Tupi, fortaleza da cadeia poderosa de comunicação de Assis Chateaubriand, um homem não respeitado, temido, o que a leitura de sua história me permite considerar de estatura moral menor. Ser forte pelo medo, acima do reconhecido talento, depõe contra todos os que dispunham e ainda contam com o mínimo espaço para escrever, caluniar e chantagear seus alvos.

Sou do tempo do tênis Kichute, uma imitação barata de chuteiras, que usei com orgulho, amarrando seus cadarços nas canelas de palito. Com meu par de Kichute, sentia-me mais seguro, dono de uma certa potência nas rebatidas pela defesa, setor onde me jogaram pela precária intimidade com toques de trivela e dribles, prerrogativas de dois amigos da infância, Tércio e Adriano.

A infância. É agora nesta sexta-feira que ela vai indo embora com maior rapidez, longe como vai ficando o mar a quem permanece na beira da praia olhando o invisível movimento das águas, temerário do confronto entre as nadadeiras falíveis e as ondas de infinita força.

O tempo é irmão da ausência. Vai passando e tragando aqueles que compartilhavam dos instantes que um menino considera capital. Faço 51 anos, cinco dias depois de saber, saber é muito ruim quando o tempo avança, da morte do médico Carlos Alexandre, o Xandão gordinho das disputas de bola na areia fofa de Pirangi do Norte. Xandão se foi mais moço que eu e o tempo é cruel na sua falta de critérios.

Cobiça  Interessante como tem gente com desejos incontroláveis. Gente que critica o salário de José Vanildo na Federação de Futebol não por moral e cívica, mas para ter o salário na própria conta.

Candidatura Agora, a suposta candidatura de José Vanildo a deputado federal enfrenta movimento de cassação pelos donos do mundo de teclado, os comentaristas, muitos deles apócrifos. Os juízes de redes sociais.  Queriam eles, o direito que José Vanildo tem. E eles também.

Volta da torcida Desde que com respaldo científico – científico sem tonalidade ideológica -, sou a favor da volta do público aos estádios. Para quem depende de Série D, alguns jogos parecem acontecer em cemitérios.

Fantasmas Jogadores fantasmas que, de tão ruins, parecem não existir. Lugares em branco, como uma folha de papel manuseada por alguém sem boas relações com o idioma pátrio.

Motivação A chance de o América, vencendo, ultrapassar o ABC, é a motivação do clássico de domingo. Pontos imperdíveis desperdiçados pelos dois, começam a fazer falta quando o Grupo 3 entra na fase do emparelhamento dos primeiros colocados.

Mata-mata A terminar hoje a primeira fase,  ABC enfrentaria  o Retrô de Camaragibe (PE) enquanto o América toparia com o  Sergipe.
Familiar da ausência, o tempo é varredor do espaço existencial de quem vai ficando. Há vazios demais, maiores do que os de um campo de futebol que tantas vezes vi silencioso e deserto, nas idas e vindas ao Estádio Juvenal Lamartine, o Maracanã de minhas vizinhanças e dos sonhos de encontrar algum craque sendo Alberi temporário, sendo Alberi ocasional, para que eu pudesse ver nele, o Alberi contado pelo meu pai no Juvenal Lamartine em tempos de guerra santa de ABC contra América.

Escolhi de diversão, por amor sincero e falta de opção paga, o tempo em 90 minutos de um jogo de futebol para ser a minha razão de viver, já esquecido das mulheres nuas do Cinema Panorama.

O futebol me ajudou a caminhar, a tropeçar, a cair e a levantar, sempre na conjugação passageira, jamais eterna, demarcada pelo tempo, que hoje, imploro para voltar ao menino de sete anos.

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