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Contos de amor e humor

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Ubiratan Brasil
Agência Estado

Desde 2011, o escritor Reinaldo Moraes escreve contos eróticos para a revista Status. Um prato cheio para leitores de bom gosto pois, além de driblar bem com as palavras, invadindo elegantemente o mundo da sacanagem, Moraes tem um humor exemplar, que transforma seus escritos em ótimas conversas.

Basta ler “O Cheirinho do Amor – Crônicas Safadas” (Alfaguara), reunião de alguns daqueles textos, que o escritor lançou ontem na Livraria da Vila-SP. Até em assuntos em que não se pensaria em sexo – como retiro para artistas -, Moraes dá um jeito de se sentir à vontade. E, nessa toada, ele trata de Serge Gainsbourg, feministas fazendo topless, carros de corrida, viagens espaciais, Marquês de Sade, tartarugas, futebol, psicanálise. Sobre o assunto, Moraes respondeu, por e-mail, às seguintes perguntas.

Hilda Hilst gostava de dizer que um livro erótico é bom quando, no colo do leitor, esse livro começa a levantar. Como testa a eficiência de seus escritos?
Bom, é melhor o livro erótico não ter muito mais que umas 200 páginas, né? Senão o peso do livro vai exigir que o leitor tome uma azulzinha extra para surtir o efeito que a Hilda menciona. De todo modo, acho “livro erótico” um rótulo boboca, no qual não caberiam obras de autores como Aretino, Bocaccio, Sade, Miller, Bataille, e da própria Hilda Hilst, que são literatura da pesada, vão aos limites da experiência erótica, mostram a proximidade de Eros com Tânatos, chutam as canelas e o saco da moral burguesa, e tudo com grande maestria estilística e originalidade narrativa. Nada a ver com 50 Tons de Cinza e assemelhados, subliteratura chicletosa que acertou no milhar. O melhor teste pra literatura, erótica ou não, ainda é o da gravidade: se o livro for ruim, ele fatalmente vai cair da sua mão.

Quando é melhor insinuar que revelar?
A velha regra de um certo bom gosto literário que se pretende canônico estipula que insinuar é tarefa estética mais refinada e revelar quase sempre resvala na pornografia, na vulgaridade, ou nelas atola o pé, direto. Diante dessa regra, o que dizer? F…-se, é a minha resposta costumeira.

Existe algum limite para o pudor?
O  pudor, por definição, é todo feito de limites. A sacanagem, por outro lado, não tem fronteiras nem limites. É como já disse alguma atriz num velho filme americano: “As garotas boazinhas vão para o céu. As garotas sapecas vão a qualquer lugar”.

Você acredita que, no erotismo, a imaginação é meio caminho andado?
Na literatura, a imaginação pode ser 100% do caminho para o erotismo. Um casto pode virar um libertino no teclado. Mas escritores menos castos podem se beneficiar das próprias memórias para moldar detalhes da vida erótica de seus personagens, dando uma folguinha para a imaginação.

Concorda que o erotismo é uma forma de se investigar a sociedade?
Inevitavelmente sim, a começar pelo teatro social da sedução, pelo menos em obras literárias com alguma base realista – figurativista, se diria nas artes plásticas. E mesmo o sexo nu e cru, como já nos ensinou Gilberto Freire, reproduz as complexas relações sociais entre os atores em cena, na vida real e, por extensão, também na arte. E essas relações não raro são de pura dominação, como no período colonial entre senhores e escravas, ou, hoje em dia, entre escalões de alguma hierarquia, em geral com um homem poderoso assediando uma mulher subordinada a ele. Mas, cá entre nós, uma sacanagenzinha pura e besta, sem sociologia nem psicologia, até que pega bem lá pela página 53 de qualquer livro.

Onde gostaria que o leitor guardasse seu livro: no banheiro, na estante ou na mesa de centro?
Gostaria que o meu leitor tirasse o livro da estante e o levasse para o banheiro. Deixa a mesa de centro para a mais vistosa cultura de capa dura, do tipo que dificilmente levitaria no colo de alguém.

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