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Da volta de Vereda

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Era madrugada de terça-feira, 10, abro o computador e vejo na bacia das almas, depois de longo e tenebroso verão, um imeio do mestre Florentino Vereda, botânico de nomeada internacional mercê as suas pesquisas (disputadas por universidades europeias, norte-americanas e asiáticas, também), notadamente as que andou fazendo pelos cerrados de Tocantins e partes dos semiárido nordestino. Vereda é colaborador bissexto deste Jornal de WM, motivo de muita satisfação para todos nós que fazemos a velha TN.  Ausente por longa temporada, retorna, agora, com um texto sobre os problemas decorrentes da Copa do Mundo de 2014. Antes do artigo, transcrevo o bilhete “anêxo”:

“Boa noite, meu caro Woden:

Ausente por uns tempos, volto ao Jalapão para retomar as pesquisas com a mangaba do cerrado. Depois de passar o ano novo em Aachen, na companhia do meu amigo Prof. Axel Geburt, estive em Israel para  analisar a possibilidade de cultivo de mangaba no deserto de Neguev. Israel soube lidar bem com a seca. Imagine se tivesse um DNOCS. De qualquer forma, mando-lhe um pequeno e modesto texto que escrevi a bordo do avião que me trouxe de Tel Aviv, já que a leitura ali era incompreensível para mim.

Um grande abraço de Florentino Vereda.

P.S. Se puder, dê um abraço no nosso amigo Alex, que está relançando “Recomendações a todos”, seu primeiro livro de uma série de best-readed. E se o último será o primeiro, espero que ele não encerre a carreira. Pena não estar aí. F.V.”

Segue o artigo:

A Babel tupiniquim

Talvez seja apenas uma questão de desentendimento. O mundo é, hoje, uma aldeia global – uma Torre de Babel – onde todos falam de tudo, sem uma língua comum. A maioria dizendo rematadas e impublicáveis besteiras. Daí os mal-entendidos e os incidentes diplomáticos graves ou ridículos. Veja-se o quiproquó criado pelo secretário da FIFA, quando sugeriu ao Brasil “(… se donner um coup de pied aux fesses)”. O tradutor traduziu como “dar um chute no traseiro”. Deve ser um daqueles tradutores babacas de filmes americanos que não usam termos como “bunda”, “rapariga” ou “tarado”, preferindo “traseiro”, “vadia” e “pervertido”, palavrões desconhecidos no Brasil, do Oiapí ao Xuoque. Na realidade, a palavra “fesse” significa “nádega”, que poderia ser “rabo” ou “rabelo”. Ou seja, Jérône Valcke, ingênua e inocentemente – pelo desconhecimento da língua de Camões – sugeriu ao governo brasileiro que desse um empurrão, uma mãozinha ao ministro Rebelo, para que ele pudesse atender aos desejos da FIFA, melhor dizendo, do Brasil, e realizar “a maior Copa de todos os tempos” como bem disse a Presidente (a) em seu curto e saudoso exílio na Índia.

Numa época em que não se pode mais usar palavras como “negro”, “aleijado”, “velho” e que quase tudo pode ser interpretado como politicamente incorreto, não admira o “donkey ass” que, por muito pouco, não azedou a amizade franco-brasileira. Anos atrás incidente semelhante ocorreu com o Presidente De Gaulle, cuja frase “Brésil n’est pas um pays sérieux” foi traduzida como “O Brasil não é um país sério”. “Sérieux” não significa, apenas e tão somente, “sério”.

Na realidade, o General, em visita à favela da Rocinha, lugar preferido por traficantes locais e autoridades visitantes – os suspeitos de sempre -, vendo uma roda-de-samba com mulatas rebolando “leurs grosses fesses”, disse que o Brasil não era um país sisudo, austero e, por conseguinte, chato e esnobe como seus desafetos britânicos. Enfim, a culpa é da imprensa, como dizem os “cumpanhêros”. Melhores e mais calmos foram os tempos em que Exupéry descansava à sombra do baobá da São José, sonhando com “O pequeno príncipe”, depois de uma passada pelo Canto do Mangue, com direito a um saboroso peixe à comadre na companhia de… deixa pra lá. É outra estória e vamos parar por aqui.

O fato é que nem sempre as coisas são o que parecem ser. Hoje, se um barbudo com jeito de hippie, vestindo uma batina, fosse visto pelas ruas dizendo “vinde a mim as criancinhas”, na certa seria confundido com um padre irlandês e, denunciado por mães aflitas, logo estaria preso sob suspeita de pedofilia. À noite seria a atração do programa de Datena, juntamente com um delegado que aproveitaria seus quinze minutos de fama. E na saída das bodas de Canaã a polícia – ‘bafômetro à mão’ – levaria em cana todos os que se entusiasmaram com a transformação da água em divino vino, milagre ainda não explicado pelo Dr. Eumando.

O fato é que esta Copa ainda vai dar muito o que falar, como tudo que se refere a futebol e política. Nem sempre a mascote escapou da polêmica. Depois de uma acirrada disputa, chegarem à final o Saci-Pererê e o Tatu-bola (‘Tolypeutes tricinctus’). O Saci parecia favorito, pois contava com a torcida dos “patrulheiros dos costumes e da linguagem”. Com a pele escura e uma perna só, estaria homenageando, a um só tempo, os “afro-descendentes” e os “portadores de necessidades especiais”. O problema foi o cachimbo. Os fabricantes de cigarros bem que tentaram uma emenda à Lei Geral da Copa, mudando o cachimbo por um cigarro, já que o cachimbo estaria fazendo a apologia do ‘crack’. E hoje há muito ‘crack’ e poucos ‘craques’. Ponto para o Tatu-bola. Afinal, segundo o ilustre e renomado semiólogo belga, Prof. Neil D. Custer, discípulo de Roland Barthes, um símbolo diz mais que mil palavras. O Prof. Custer é um “castrato”, amando do canto lírico. Mas eu estou a divagar. E, como diz o nosso Rubinho, que não é o Lemos, mas o Barichello “devagar se vai ao longe”.

Voltando ao Tatu-bola, ninguém melhor que ele poderia mostrar ao mundo a verdadeira face do “homo brasiliensis” e, acima de tudo, dos seus nobres representantes. Afinal, como eles, são matreiros, vivem entocados esperando o escuro da noite para saírem à caça da sua sobrevivência. Quando atacados se enroscam, disfarçam e dissimulam, esperando serem esquecidos. Bola tem tudo a ver com futebol e política, assuntos intrinsecamente correlatos.

Ao Tatu foi dada a bola. Ao torcedor, a cerveja e o futebol. Faltam apenas as mulheres. Quem sabe, a FIFA está providenciando, com a ajuda de Dominique Strauss Kahn. Bota fé, pessoal.

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