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Despertando Clarice Lispector

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Yuno Silva – repórter

A personalidade intrincada da escritora Clarice Lispector (1920-1977) e sua literatura labiríntica ganham forma e volume na pele da atriz Beth Goulart. Em Natal pela primeira vez, ela apresenta o monólogo “Simplesmente eu, Clarice Lispector”, nesta terça-feira, às 21h, no Teatro Riachuelo. Beth trabalhou quase três anos, entre pesquisa e preparação, antes de estrear em 2009. Visto por mais de 400 mil pessoas em todo o Brasil, o espetáculo ganhou quatro prêmios, entre eles o importante Shell de Melhor Atriz, e ao contrário do que se possa imaginar o palco será pequeno para a dimensão da personagem e seus desdobramentos.
Elegante e sempre na companhia do cigarro, Beth Goulart personifica Clarice Lispector em gestos, falas e figurinos
Em cena, Beth personifica Clarice e outras quatro personalidades: a inquieta e criativa Joana, do livro “Perto do Coração Selvagem”; a dedicada Ana, do conto “Amor”; a professora Lóri, de “Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres”; e a mulher sem nome, que no conto “Perdoando Deus” se deixa mergulhar na liberdade e representa a ironia, a inteligência e o humor. “A obra de Clarice permite muitos olhares. Suas personagens transpiram momentos de sua vida, sua maneira de ver as coisas e escrever. Tudo está intimamente ligado”, disse a atriz por telefone ao VIVER. Além de atuar, Beth Goulart também assina o roteiro e a direção.

A atriz contou que “encontrou” Clarice ainda na adolescência e que o espetáculo “é a realização” de um desejo antigo. “O que me levou a fazer Clarice Lispector no teatro foi o mistério do espelho, a identificação que sinto por ela”, garante. Para Beth Goulart, Lispector revolucionou a literatura brasileira ao redimensionar a linguagem: “Ela fala do indizível com sutileza, e quero atingir o vazio de mim mesma para refletir a profundidade desta mulher que conhece o segredo das palavras e suas dimensões”, acrescenta.

Para encarnar Lispector, uma pessoa avessa à entrevistas e com um humor refinado, a atriz aptou por uma caracterização cuidadosa, onde a neutralidade serve como suporte para se passear livremente pela pele das personagens e da autora. “O espetáculo todo é como se fosse uma grande folha em branco a ser escrita por esses personagens, pelos movimentos, pelas ações, pelos sentimentos, pela luz”, informou.

O processo de construção do monólogo inclui pesquisa e vivências com a psicanalista Daisy Justus, especializada em Clarice Lispector, que analisa sua obra sob a ótica da psicanálise. “Vi e ouvi tudo o que podia sobre ela, suas entrevistas, fotos, me tornei uma esponja de tudo o que se referia a ela”.

O MODO CARINHOSO DO INACABADO

Em 2003, aos 16 anos, o potiguar Leandro passou a seguir um dos muitos conceitos difundidos por Clarice: “Uma verdade inventada é mais real do que se fosse verdade”. O então estudante do ensino médio preparava-se para o vestibular, e a leitura recomendada para a prova transformou sua vida. Topou com Macabéa, do livro ”A hora da Estrela”, seu primeiro contato com  Clarice, e a identificação imediata foi tão intensa que desde então se autorebatizou Leandro Lispector. “Como diria Clarice: não interessa meu nome verdadeiro”.

Graduado em Letras, mestrando em Literatura pela UFRN e orientador da especialização “Literatura e Ensino” no programa de ensino à distância do IFRN, sempre que pode Leandro recorre às palavras da escritora ao revelar o que mais atrai na obra de sua mentora intelectual: “Gosto muito de uma ideia que ela traz, onde coloca da possibilidade de inventar outras existências para suportar essa realidade”. Ele se espelha na obra “Água Viva”, onde a poética de Clarice “jorra” de forma involuntária, para criar seus versos. “Não me sinto poeta, nem escritor, a minha grandeza vem justamente de ser nada”, filosofa, já citando Clarice.  À convite da TN, Leandro estará hoje na plateia de ‘Clarice”

Primeiro abismo Clariciano

A primeira vez que/me lancei para o abismo
Foi quando eu li Clarice
Lispector/Ou Ela me leu pela primeira vez
no abismo?/Sem cálculos, resultados…
Apenas o NADA:
Apesar de.

BATE-PAPO

Beth Goulart, atriz

Dois anos para viver 60 minutos de intensidade

Como foi sua preparação para viver Clarice Lispector?

Foram dois anos de pesquisa e mais seis meses de preparação vocal e corporal. Como tem muito texto, preciso ter o domínio completo da situação. São 60 minutos intensos de espetáculo, entrecortados por trechos de depoimentos e entrevistas de Clarice, com histórias das quatro personagens.

Sob o olhar da metalinguagem, a Beth Goulart também aparece durante a encenação?

Não, ela (eu) está presente a partir das escolhas, da direção e do roteiro, da emoção, do olhar sobre a Clarice, sua obra e suas personagens. Mas ao final do espetáculo, sempre converso com o público sobre literatura. Há essa intenção de incentivar a leitura, de trocar opiniões sobre o cotidiano, sobre política, um improviso moldado a partir do perfil e da resposta da plateia.

O espetáculo traz à tona temas como criação, vida e morte, Deus, cotidiano, solidão, arte, loucura…

Todas as opiniões são da Clarice, que acaba falando sobre eles (os temas) através de suas personagens. Apesar de representar momentos de sua vida, o texto não é linear, não é explicativo, a intenção é passar informações para que o público tire sua própria conclusão. No palco falo do processo criativo, do humor, das angústias, mostro em cena um pouco dos conceitos claricianos.

E esse seu desejo antigo de interpretar a escritora?

Clarice sempre me interessou, foi uma referência desde a adolescência, uma relação que vem me acompanhando durante a vida. Ela permite muitos olhares, o processo da vida dela está diretamente relacionado com sua obra, sua maneira de ver a coisas e escrever. E foi no livro “Cartas perto do coração”, onde são reveladas a troca de correspondência entre Clarice e Fernando Sabino, que comecei a enxergar a Clarice personagem. Foi a partir dessa leitura que tive vontade de mostrar a mulher Clarice e como ela se confunde com as histórias que escreveu.

Como foi o processo de caracterização?

Foi cuidadosa, pois Clarice tem apenas duas entrevistas: um depoimento em áudio para o Museu da Imagem e do Som e uma entrevista para a TV Cultura. Tive que aprender as pausas para respirar, seus trejeitos, olhares.

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