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Ditadura ‘incinerou’ comunistas

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Um mistério que já 38 anos pode ter chegado ao fim. No livro “Memórias de uma Guerra Suja”, o ex-delegado do Departamento de Ordem Político Social (DOPS) do Espírito Santo, Cláudio Antônio Guerra, que trabalhou na repressão aos opositores do regime militar, revela que o corpo do potiguar Luiz Ignácio Maranhão Filho, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi incinerado na fornalha de uma usina de processamento de açúcar no interior do Rio de Janeiro. Luiz Maranhão foi preso em São Paulo no dia 3 de abril de 1974 quando saía de uma reunião com  dirigentes do PCB. Ele foi detido por homens do temido delegado Sergio Paranhos Fleury, colocado numa viatura policial e levado para DOPS.
Luiz Maranhão Filho: uma nova versão para a morte do militante do Partido Comunista Brasileiro
O livro, escrito pelos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros com base em depoimento do ex-delegado, revela o destino dos corpos de uma dezena de militantes políticos que até então era um mistério. Além de Luiz Maranhão, foram incinerados na usina de açúcar João Batista e Joaquim Pires Cerveira, detidos na Argentina pela equipe do delegado Fleury; Ana Rosa Kucinsk e Wilson Silva; David Capistrano, João Massena Mello, José Roman, dirigentes históricos do PCB;  Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho, militantes da Ação Popular Marxista Leninista (APML).

De acordo com Cláudio Guerra, o corpo de Ana Rosa “apresentava marcas de mordidas pelo corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente.” Wilson não tinha as unhas da mão direita. Os torturadores arrancaram a mão direita de Capistrano.  “O forno da usina era enorme. Ideal para transformar em cinzas qualquer vestígio humano”, lembra ele.

Torturador, sabotador, matador de aluguel, Cláudio Guerra era um  dos policiais mais poderosos da década de 1970. “Circulava no eixo Rio-São Paulo-Minas Gerais com a desenvoltura de uma autoridade anônima consciente de seu poder de destruição humana. Hoje é um pastor evangélico que passa boa parte das manhãs de domingo estudando hebraico, e grande parte de seu tempo estudando a Bíblia”, informa o livro.

Foi preso pelo assassinato do bicheiro capixaba Jonathas Borlamarques de Souza e condenado a 18 anos de prisão – que está suspensa judicialmente – pelas mortes da primeira esposa e da cunhada.

Na lista de mortes atribuídas ao repressor estaria também outro potiguar perseguido pela ditadura: Emanuel Bezerra, torturado pela equipe de Fleury. Segundo denúncia dos presos políticos registradas no livro Tortura Nunca Mais, “Emanuel foi morto no DOI/CODI-SP, onde o mutilaram, arrancando-lhe os dedos, umbigo, testículos e pênis. No livro, Guerra relata como matou outro militante – Nestor Veras, do Comitê Central PCB: “Ele tinha  sido torturado e estava agonizando. Dei o tiro de misericórdia, na verdade dois, um no peito e outro na cabeça.”

De acordo com o portal iG, que teve acesso ao livro,  editado pela Topbooks, “o relato de Cláudio Guerra é impressionante. Tão detalhado e objetivo que tem tudo para se tornar um dos roteiros de trabalho da Comissão da verdade, criada para apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988.

Notícia surpreende família Santa Cruz

Os 38 anos de procura por um filho morto e torturado durante o Regime Militar foi tema de dois livros da pernambucana Elzita Santa Cruz, mãe do jurista Fernando Augusto Santa Cruz  Oliveira. Ontem, a primeira notícia real sobre o destino do filho, que teve o corpo incinerado em 1974, surpreendeu a família. João Arthur Santa Cruz, que mora em Natal e é irmão de Fernando,  cobra punição aos envolvidos.

Vindo de uma família ligada ao socialismo, João Arthur explicou que Fernando Santa Cruz foi o terceiro filho de Elzita Santa Cruz que foi vítima do Regime Militar. Rosalina e Marcelo, hoje vereador em Olinda, também foram presos e torturados nos anos 70. Fernando Santa Cruz, que cursava Direito e era militante de movimentos políticos, foi impedido de prosseguir no curso e desapareceu no dia 24 de fevereiro de 1974, aos 24 anos de idade.

A prisão ocorreu em um sábado de Carnaval. O jovem estava no Rio de Janeiro, hospedado no apartamento do irmão, Marcelo, que residia na cidade. Fernando foi encontrar com o amigo e também militante político Eduardo Colier, em um bar localizado na rua Praia do Lemos, em Copacabana, zona Sul da capital Fluminense. Marcelo chegou a acompanhar o irmão até as proximidades do bar, mas retornou para casa devido à presença de visitas no apartamento. Foi a última vez que um familiar viu Fernando Santa Cruz – e início da via-crúcis de Elzita.

A mãe do jovem buscou informações junto a pessoas dentro do Exército e clamou pela vida do filho. Elzita percorreu várias unidades onde presos políticos estavam encarcerados e recebeu a notícia de que Fernando estava em um quartel em São Paulo. Chegando lá com roupas e alimentos para o filho, ela disse que não poderia encontrar com Fernando porque ele estava se recuperando de agressões que havia sofrido na prisão e, por isso, somente no outro dia poderia encontrá-lo. Porém, ao retornar, informaram que ele nunca esteve preso no local, o que revoltou a família. “Devolveram a sacola com as roupas e mantimentos com o nome Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira escrito. Mas minha mãe só tinha informado que o nome dele era Fernando Santa Cruz. Como eles sabiam do nome completo se não estava preso?”, argumentou João Arthur, que mora em Natal e trabalha na Secretaria Estadual de Saúde  “Minha mãe nunca se conformou e hoje (ontem), com 98 anos, ela está lançando a segunda edição do livro “Onde está meu filho”, que trata exatamente sobre o sumiço dos presos da época do Regime Militar.

Ele disse que os familiares sabiam da morte, mas que a expectativa era que Fernando tivesse sido colocado em uma vala junto a outros presos. O objetivo da família é continuar cobrando que os responsáveis pelos crimes que continuam vivos paguem pelos delitos e informem onde podem estar os restos mortais dos presos. “Torço para que a presidenta finalize a composição da Comissão da Verdade para que sejam apurados todos os crimes e punidos os responsáveis.”

Mery: aberrações da ditaduraLivro deve apressar trabalhos da Comissão da Verdade

Militantes dos direitos humanos avaliam que a divulgação dos relatos do ex-delegado do DOPS, Cláudio Guerra, reforça a necessidade de se apressar o trabalho da Comissão da Verdade, a ser criada pela presidência da República para apurar os crimes cometidos durante a Ditadura Militar. A comissão terá sete membros, que ainda não foram escolhidos pela presidenta Dilma Rousseff. Mery Medeiros, ex-preso político e militante da causa, acredita que a comissão é fundamental.

“Estamos sabendo mais do que realmente aconteceu durante a ditadura. Isso, essa confissão, esse mea culpa, é resultado da democracia. Tem coisas que ainda não foram divulgadas e que precisam ser apuradas. A sociedade ainda se choca com as aberrações, as barbáries cometidas naquele período”, afirma Mery Medeiros, que ficou preso durante quatro anos. Ele complementa: “A comissão não visa o revanchismo, mas o estabelecimento da verdade”.

Marcos Dionísio, também militante na área de direitos humanos, acredita que o livro com as confissões de Cláudio Guerra servirá de estímulo para que mais pessoas falem. “Isso sinaliza com a necessidade de se apressar a criação da comissão da verdade, para pôr um fim no sofrimento das famílias de pessoas atingidas pelo regime”, encerra.

Haroldo Maranhão, sobrinho-neto de Luiz MaranhãoBate papo

Haroldo Maranhão, sobrinho-neto de Luiz Maranhão

Nada muda para nossa família

Como a família viu a divulgação do relato do ex-delegado Cláudio Guerra?

Havia uma versão anteriormente contada pelo médico Amílcar Lobo, que fazia as perícias no regime. Nela, Luiz Maranhão havia recebido uma injeção letal, teve o corpo decepado e jogado em um rio em São Paulo. A nova versão tem fatos diferentes, mas nada muda para a família. Ainda se trata de um ato de barbárie contra um brasileiro, um patriota, um cidadão.

Por que nada muda?

Porque não temos nenhuma prova concreta, nenhum documento, nada que indique com certeza o que aconteceu. Esse relato foi feito por um ex-delegado, mas o Estado brasileiro ainda não se pronunciou sobre o que verdadeiramente aconteceu.

Na sua opinião, esse livro reforça a necessidade de uma comissão da verdade?

Reforça sim, sem dúvidas. Dei uma olhada no material publicado e o que há é a confissão de uma pessoal que participou da ditadura militar. Por que vou acreditar nessa e não na outra versão, embora o relato do ex-delegado tenha vários detalhes? São relatos trágicos e dolorosos que revelam a barbárie praticada nesse país.

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