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Do movimento e da quietude dos milagres

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carmem vasconcelos [ Poetisa ]

Um amigo me escreve dando conta de uma viagem que fez recentemente para dentro si mesmo. Quis (ou precisou, não sei) viajar para bem longe de onde hoje vive para fazer isso. Buscou raízes, voltou para as raízes. Mexeu-se um bocado para poder ficar quieto. E ficou quieto para poder mexer-se. Como ele disse, caminhou pelos próprios infernos, contemplou os próprios milagres. Achei poéticas, belas as suas palavras. E o melhor de tudo, são palavras transbordando verdades. Por isso, sem pedir consentimento, eu as pus aqui. E também as pus aqui porque elas me fizeram pensar em como às vezes a gente sai à intempérie para poder se recolher, para poder achar conforto. Isso não é um paradoxo. Assisti a uma entrevista do ator Paulo José. O enfoque dessa entrevista foi a sua sempiterna inquietude, que não cedeu nem diante do mal de Parkinson, doença que o acomete há anos. Paulo se mexe constantemente para poder aquietar sua alma, para poder senti-la destinada.

Ah, o destino e suas destinações… No e-mail do meu amigo havia um poema de Elisa Lucinda, falando de ressurreições. Das ressurreições acontecidas nesta vida mesmo. Dos renascimentos que vamos aprendendo com tantas mortes dentro de nós. É verdade, pensei em mortos também, lembrei dos meus avós, cujos ossos eu transportei dentro de pequenas urnas faz um tempo. Penso ter contemplado milagres às avessas. Aqueles seres tão longamente amados, enquanto eu viver amados, ali, sem possibilidade de mexer-se, nem de aprender mais nada. No entanto, quanto ainda ensinam meus deuses lares… Seu cheiro seco de ausência, poeira no vento. Não doeu em mim o milagre às avessas do tempo. Só me deu a certeza do tanto que sou feita de quem já não posso tocar.

Mas pensei muito mais nessas mortes e renascimentos acontecidos nesta vida. Morri algumas vezes e também sou feita dos vivos. Um outro amigo me disse uma vez que somos feitos de pedacinhos das pessoas com quem convivemos e aprendemos. Guardei isso comigo, acreditando, e sei que sou feita também desses pedacinhos de palavras, nos quais acredito e professo. E digo mais: somos feitos dos outros para o bem e para o mal. Há pessoas que nos melhoram e pessoas que nos pioram e esses movimentos dentro da gente nem sempre são muito perceptíveis.

Nós nos construímos a nós mesmos sem nos dar conta de todo o fazer. Vamos adquirindo certezas, hábitos, permanências, dos quais de vez em quando é preciso se afastar para contemplá-los. É preciso, às vezes e para alguns de nós, viajar para bem longe para poder chegar dentro. Contemplar-nos. Largar-se para encontrar-se, estreitar-se para alargar-se. Ai, eu estou tão yin-yang… Ressurreição para valer só acontece com os vivos, meu amigo, e acontece entre infernos e milagres. E às vezes é inferno a ressurreição, mas seguramente (espero que concorde comigo), ressurreição para valer é muito mais vezes milagres.

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