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Dr. Sol em Natal

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Marcius Cortez
Publicitário e escritor

O Doutor Sonne está em Natal. Fui buscá-lo no aeroporto. A cicatriz do buraco que ele tem no meio dos olhos, vítima de um atentado terrorista em Berlim, o diferencia de todos os demais. Deu-me um abraço caloroso e me pediu para ver o mar. Dr. Sol passa a impressão de ser o mais objetivo dos homens não porque objetivos

não lhe fossem importantes, mas porque nada queria para si mesmo. Sol é a única pessoa que conheço que está completamente livre do egoísmo. Portanto faz sentido o seu nome significar esplendor, resplandecência, clarão. Sol pregou na lapela de sua camisa um crachá onde imprimiu o seu verbete de apresentação: “uma qualidade em mim é justo minha paixão pelos seres humanos”. Ora, diria você, caro leitor, essa crônica desse tal de Marcius Cortez mal começou e já se manifesta uma senhora conversa para boi dormir. Amar os homens, que estupidez!  Mas espere, deixe-me completar o raciocínio. Eu penso assim:  que sejam ruins os seres humanos. Pois, senhoras e senhores, a grande viagem é justo enxergar-lhes as maldades e ainda assim seguir polindo os vidros transparentes.

Nessas últimas semanas, ver  Dr. Sonne foi o que tornou suportável o meu dia a dia. De nada vale perceber a realidade e teorizar sobre ela porque o importante é compreendê-la, nada mais. Tudo que Sol diz tem o frescor do pensamento brotando, sem jamais me parecer adulterado pelo sentimento. Sonne não fala em nome disso ou daquilo, mérito apreciável nesses tempos infestados de palavras de ordem. O mestre dizia o que tinha a dizer, demarcando-o com agudeza e nitidez, sem nada omitir. Mesmo quando tinha de dar expressão ao que odiava,  seu tom nunca era de ódio, mas o de quem aponta para uma insensatez, nada mais.

O que mais passei a admirar em Sol foi que suas ponderações continham o germe da superação. Ele investigava os fatos de múltiplas maneiras, amiúde variando seu ponto de vista para poder examiná-los mais profundamente, oferecendo-nos ao final, um resumo das perspectivas possíveis, no qual os pesos eram distribuídos da maneira mais equânime.

Ontem quando o deixei no hotel, tive a certeza de que ele se tornou meu vício arrebatador. Por seu intermédio, eu privava do convívio com alguém que tinha o dom de se mover em meio a todo o cognoscível, sem abandoná-lo antes que o tenha esquadrinhado e decomposto. Sol é o seu pensamento e o era em tal grau que nada mais se podia notar nele.

Esse homem de inatingível superioridade está em Natal de três formas. Nessa crônica de fim de ano, nas páginas de “O Jogo dos Olhos”, terceira e última parte da autobiografia de Elias Canetti (1905-1994) e nos terraços do Forte dos Reis Magos. Fantasiado de sol, ele, nesse período de festas, lá estará de braços abertos a propor que não justifiquemos os horrores com outros horrores. E que no ano que vem, lutemos para deixar para trás a vingança sangrenta da História.   

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