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E o Ouro de Extremoz se foi…

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Gutemberg Costa –  Vice pres. da Comissão Norte Rio Grandense de Folclore

Certa feita o genial poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, numa carta a poeta goiana Cora Coralina, citou-a como a personalidade mais importante de sua região. Muito mais do que os ricos, os poderosos e os políticos juntos. Mas só a pobre velha doceira e poeta era merecedora sim, segundo Drummond, de elogios como sendo a maior riqueza daquela região central. Coralina até então era uma personalidade importante, porém desconhecida. Leon Tolstói dizia que havia olhos que se embelezavam com a floresta e olhos que nesta enxergavam apenas carvão…

Cito este exemplo para dizer aos ricos, poderosos e políticos da cidade de Extremoz, que se Drummond tivesse tido o privilégio de ter ouvido as belas e fantásticas estórias da boca do velho Chico do Ouro, também o teria citado como o homem mais importante de toda a Extremoz. E o russo Tolstói o teria visto como um belo bosque, só que esquecido, vivente bem próximo da lendária lagoa da referida cidade.

O mestre Chico do Ouro não era um homem só, era sim, muitos: agricultor, pescador, caçador, católico praticante, orador popular, organizador social de festas, liderança sindical, fundador de associações, liderança comunitária, agitador cultural e principalmente o maior contador de estórias de sua região e por que não reconhecer como um dos maiores do Rio Grande do Norte. Com certeza teria encantado Gumercindo Saraiva, Veríssimo de Melo e Câmara Cascudo, como encantou numa manhã de domingo, o folclorista Severino Vicente, levado a ouvi-lo por mim. Tanto teria agradado Rolando Boldrin, quanto Ariano Suassuna. Eu confesso que desde criança, não conheci ninguém que o superasse na magistral arte de contar estórias com tanta desenvoltura e criatividade que prendesse os ouvintes.

E no bojo da ciência folclorística, é sabido que a arte de contar estórias é raridade e muito ainda neste século de chato bate papo de internet e poucas conversas nas calçadas. Alguns contadores de estórias e causos do passado já mereceram destaques por parte de folcloristas e estudiosos sérios da nossa oralidade. O saudoso amigo Altimar Pimentel publicou em dois volumes quase trezentas estórias contadas por dona Luzia Teresa, uma sábia paraibana analfabeta, que era dona de uma memória enciclopédica. Foi em vida considerada a maior contadora de estórias do mundo por nomes como Braúlio do Nascimento, no Brasil e Félix Coluccio, na Argentina. O escritor e folclorista Sílvio Romero, foi o primeiro no Brasil a reunir em livro, os nossos contos populares. Estórias repassadas oralmente, guardadas e arquivadas na memória há séculos, antes de Cabral, quando logicamente não existia o uso do gravador e do computador.

A arte de contar causos e estórias requer antes de tudo, jeito artístico de ator ou atriz no seu movimento corporal, dominação de público, expressividade na sua narração, espontaneidade acentuada no falar e tonalidade certa na hora certa para cada estória contada. Movimentos nos olhos, braços, pernas e principalmente nas mãos. E tudo isto tinha com exímio saber o velho amigo Chico do Ouro, de Extremoz, recentemente encantado deste mundo, em 26 de fevereiro de 2011. Fui avisado através da internet, bem depois de sua partida, por suas duas filhas, Ana e Auxiliadora. Logo avisei ao amigo Marcelo Spinelle, que como eu, conhecia o velho contador de estórias de Extremoz desde o início dos anos oitenta do século passado.

Da boca do Chico do Ouro ouvi muitas estórias sobre a destruição da velha Igreja e o ouro dos padres escondidos em suas paredes. Dos lobisomens que saem em noite de lua cheia. Das duas serpentes gigantes que saíam da lagoa e rodeavam a Igreja em busca de serem batizadas. E ai ele triste explicava que eram duas crianças que criminosamente haviam sido jogadas na lagoa pela própria mãe. Ele ouvia o sino que tocava sempre as noites na citada lagoa e que havia caído de um carro de boi há séculos. Estórias de gritos de Índios, choro e lamento de escravos, urros de onças, almas penadas atrás de rezas, caçadas incríveis, pescarias assombrosas ou peixes imensos que derrubavam canoas… Tudo que era contado por Chico do Ouro, era a mais pura verdade e se algum ouvinte ficasse rindo, este imediatamente invocava o testemunho de alguém: Taí minha mulher Nazaré que não me deixa mentir! Ouvi contar isto quando era menino … juro que agarrei a danada da onça e ela escapuliu no mato… olhe, sentei em cima de um coqueiro que se mexeu e podem acreditar que era só a metade da cobra… Vi com meus olhos que a terra há de comer uma botija com muito ouro dentro de um baú… Escapei de uma picada de jararaca tomando um copo de cachaça, com sal e limão… De tudo ele dava prova: Táqui a marca, se quiser eu mostro o rastro agora ao senhor… As estórias ‘chicouridianas’ eram contadas geralmente na calçada de sua casa, entre a velha lagoa e a Igreja nova. Eram estórias extraídas do imaginário popular de Extremoz. Causos que se misturavam a lenda e a história. Verdade e mentira agarradas a oralidade e o humor: Eu matei a cobra e guardei o pau e meu amigo Gutenberg não me deixa mentir!

Agora foi-se o puro ouro das estórias fantásticas do grande mestre Francisco Félix, ou popularmente conhecido como ‘Chico do Ouro’. Que São Miguel e São Pedro com alegria e atenção ouçam de agora em diante suas estórias. E é claro, sem rirem da seriedade do amigo Chico. Amém!

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