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E se o personagem bíblico Abel não tivesse morrido?

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Valério Andrade
Critico de Televisão

As origens dos confrontos entre irmãos foram eternizadas no Velho Testamento nas figuras de Abel e Caim. Simbolicamente, um representa o Bem, o outro, o Mal. Caim atribuiu o seu crime a Deus, isto é, a preferência que Ele dava as oferendas de Abel. Mas por que Deus, que não é sensível aos bens terrestres, diferenciava as duas oferendas? Não será preciso recorrer a Freud para se descobrir o motivo: Deus sabia o que se passava no coração e na cabeça dos dois filhos de Adão e Eva.

A inveja foi o que levou a Caim cometer o primeiro assassinato bíblico. Para o Leonardo (Gabriel Braga Nunes) de “Insensato Coração”, a inveja (de não ser o filho favorito do pai), foi a matriz que originou o seu ódio (dissimulado) pelo irmão (Pedro / Eriberto Leão).

É claro que o relato bíblico (até por ser desnecessário ao objetivo religioso) não ampliou e aprofundou as motivações da conduta de Caim. Em relação a Léo, isso foi feito. A primeira observação sobre o seu comportamento foi testemunhado pelo pai quando ele ainda era criança e se refere a quase morte de Pedro.

Apesar de saber nadar, Léo não socorreu o irmão que se afogava a poucos metros dele. Esse episódio, narrado no flashback verbal de Raul, é um replay da situação vivida por Gene Tierney na sua passiva contemplação diante do afogamento do irmão menor do seu marido. Léo explicou ao pai porque não socorreu Pedro: “Eu tinha apenas nove anos e fiquei paralisado de medo”. Uma versão convincente para quem não conhece a sua personalidade. Não, porém, para o pai: “O que me assustou foi à indiferença que vi no seu rosto enquanto o seu irmão morria afogado”.

Léo não matou pessoalmente o irmão, mas criou as condições para ele morrer. Nessa altura da novela, quando Pedro já sabe quem é Léo e do que ele é capaz de fazer contra qualquer  pessoa, a novela retoma a figura de Abel, a partir do desfecho bíblico. O que Abel teria feito com Caim se não tivesse morrido?

Possivelmente, teria recorrido a uma sentença bíblica imortalizada através dos tempos: “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Por tudo que Léo lhe fez, Pedro, que não é santo, está assumido o papel do Anjo vingador – ou, talvez seja melhor dizer, o do Anjo justiceiro.

Mas Pedro não é o único que tem motivos para se vingar de Léo. Outra das vítimas dele, Norma (Glória Pires), também tem razões de sobra para lhe aplicar a sentença da punição. Entretanto, há uma diferença entre ambos, pois, para combater o Mal, simbolizado na figura de Léo, Norma, através do sofrimento e da injustiça, incorporou a maldade, que se consolidou após uma revelação literária (“Os Irmãos Karamazov”) assustadora, mas verdadeira: “Seu Deus não existe, tudo é permitido”.

Para Léo, Deus nunca existiu, e, para Norma, deixou de existir.

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