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‘Ele é o Mefisto da trama’, diz Nunes

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Patrícia Villalba

Era de se esperar que a audiência experimentasse momentos de sede de justiça depois de tudo o que o desajustado Léo aprontou em Insensato Coração (Globo), desde que a novela estreou, em fevereiro. O que o ator Gabriel Braga Nunes não esperava era que a redenção viria tão fácil, depois de curto calvário.

“É engraçado, porque já estão dizendo – principalmente as mulheres – que o coitado já sofreu demais, acredita?”, surpreende-se o ator, que nos últimos dias só fez gravar no cenário do canil onde a personagem Norma (Glória Pires) lhe espezinha por vingança, feito uma senhora de José de Alencar.

Mas a despeito da torcida dos que esperam que Norma esqueça os anos que passou na cadeia por causa do pilantra e do charme do personagem, o castigo vem a galope – os autores Gilberto Braga e Ricardo Linhares devem escrever em breve o assassinato que vai movimentar os últimos capítulos da novela.

Ainda na expectativa dos próximos acontecimentos, o ator encontrou a reportagem no sábado para falar do sujeito que o mantém em ritmo de Satisfaction, sua trilha sonora na novela, há seis meses. “Ele não poderia ter tema melhor.”

O Léo entra na conta da insensatez da novela?

Na primeira conversa com o Gilberto (Braga, autor), ele me disse “psicopata”. E quando se fala de psicopata, é difícil falar de insensatez. Psicologicamente, ele é perigoso, porque é imprevisível. Mas, nesse aspecto, é um personagem livre para o ator. E ele nunca deixa de ser cativante. Volta e meia eu me iludo.

Quando, por exemplo?

Estou sentindo uma coisa tão legal de contracenar com a Glória (Pires), que eu penso “que pena que vai acabar”. Dá vontade que eles se encontrem nas semelhanças, e fiquem juntos. Mas eles têm uma diferença fundamental: ela tem caráter. Quando ela pratica o mal, sabe o que está fazendo. O Léo, não – ele é capaz das viradas mais incríveis sem nenhuma ética.

A falta de questionamento dele não é ruim para o ator?

Cara, não acho… É uma liberdade infinita, utópica até. Não sei se a gente consegue ter esse descompromisso, mas o psicopata consegue.

Se ele já carrega uma tragédia, então a inveja do irmão (Pedro/ Eriberto Leão) seria uma conversa fiada, não? Ele não é um Caim.

É, há uma contradição aí, entre psicopatia e psicanálise. Em vários aspectos ele é um psicopata, mas ao mesmo tempo tem questões psicanalíticas fortes. A relação com a mãe, por exemplo .. Ele é um cara que sai com prostitutas, se relaciona com as demais mulheres por interesse, e ama só a mãe.

E agora, já na reta final da novela, dá pra dimensionar o que ele representa em sua carreira?

Não penso nisso. O que significa pra mim é que ele é um personagem estimulante. Poucas vezes numa novela eu recebi cada bloco de capítulos com um interesse renovado. Não tive comodidade. Ele é o Mefisto da trama, que entra para movimentar a história.

As atitudes dele tomam seu pensamento fora do set?

Ele acompanha meu dia a dia, mas não porque eu fique articulando Confio nos autores, e acho legal aprender com o personagem. É uma das coisas mais estimulantes da profissão.

Aprender para a profissão ou para a vida?

Para a vida. Ser ator é estudar comportamento. Quando escolhi a profissão, tinha uma sensação de que a vida do ator era mais elástica, que ele experimenta mais. Por isso o livro da Fernanda Montenegro chama Viagem ao Outro. É você se pôr no lugar do outro, e isso dá para os atores uma humildade. Engraçado isso, numa profissão que lida em tantos aspectos com a vaidade e o ego

O Léo nunca caiu no humor, que é um componente frequente em vilões de novela. Por quê?

Nunca fiz comédia, nem no teatro. Mas quando uma situação traz um componente de humor, acho bom você não fazer graça. Uma coisa que me incomoda aqui no Brasil é uma tendência dos atores a sublinhar certas coisas, como se estivessem ensinando uma criança. Acho meio careta.

Novela espelha mudanças, diz Linhares

Com tramas sempre hiper-realistas, é normal que as novelas de Gilberto Braga e Ricardo Linhares despertem discussões a respeito de como andamos nos comportando como país. Foi assim com “Vale Tudo”, que Gilberto escreveu com Aguinaldo Silva e Leonor Bassères em 1988, e que agora, em reprise no canal Viva, acabou por transformar “Insensato Coração”, a atual novela das 9 da Globo, em peça de comparação. É como se as duas novelas, analisadas em conjunto, pudessem dizer de onde saímos e onde chegamos.

Poderíamos imaginar que Cortez (Herson Capri), por exemplo, o banqueiro inescrupuloso que anda às turras com as autoridades da novela atual, pensou que faria como o Marco Aurélio (Reginaldo Faria) da novela de 1988. Em fuga numa cena que foi ao ar há 15 dias, Cortez tentou reproduzir a antológica “banana” que Marco Aurélio mandou para o Cristo Redentor quando deixou o País e seus podres para trás.

Mas o Brasil é outro e, desta vez o castigo veio bem antes do último capítulo Insensato Coração, que vai ar em meados de agosto. “O país mudou e a novela espelha a transformação. Cortez pensa que ainda está vivendo na impunidade. Mas, desta vez, o bandido é preso, será julgado e condenado por crimes contra o sistema financeiro”, anota Linhares. “Isso era impensável na época de Vale Tudo. São gestos simbólicos, que retratam que o Brasil não é mais o mesmo.”

Peça do mundo encantado da telenovela, no qual os maiores obstáculos podem ser superados entre um intervalo e outro, Insensato Coração parece querer destoar da onda de otimismo que a estabilidade econômica e a realização dos “dois grandes eventos esportivos” nos querem impregnar. Mas, explica Linhares, a intenção não é ser pessimista, apesar da grande concentração de deslizes éticos que acometem até personagens “do bem”.

“Não considero a novela pessimista. Sempre ouço e leio comentários de que esta novela mostra a vida como ela é”, afirma o autor, observando que casos como o de Norma (Glória Pires), que foi enganada pelo bonitão Léo se fazendo passar por um príncipe encantado de sugestivo nome “Armando”, chega a ser didática. “Muitas mulheres dizem que aprendem com a história a se proteger das pessoas traiçoeiras. Talvez a grande identificação de Norma venha daí. Ela foi vítima de um golpe que poderia ter acontecido com praticamente qualquer uma, se estivesse vulnerável.”

Com cenas pesadas – como quando Léo dispensou Norma, ou como no capítulo de sexta-feira, quando ele foi humilhado por perder um dente -, a novela é palco para grande dose de maldade. Linhares não vê excesso. “Há um time forte de personagens do bem, a começar por Raul (Antonio Fagundes). “Mas os vilões sempre chamam mais a atenção. É a 15.ª novela que escrevo. Nestes anos todos, observei uma coisa. Durante a novela, o público vibra com os vilões. Mas, no final, quer que eles sejam castigados e que o bem triunfe.”

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