sexta-feira, 19 de abril, 2024
26.1 C
Natal
sexta-feira, 19 de abril, 2024

Em nome de dEUs

- Publicidade -

Michelle Ferret

“De uns tempos para cá sempre que pego o Ônibus as pessoas começam a conversar sobre o atentado. Eu sabia que apesar dos vídeos mostrarem dois seres humanos encapuzados, a imagem que eles têm (e que é eternizada pelos cartunistas) de um muçulmano é a minha. Antes isso não era um problema: as pessoas achavam que eu era um especialista em Palestina, e eu adoro expandir as percepções de mundo de alguns ao explicar que usar barba e turbante não significa que a pessoa é muçulmana, que os siques são a quinta maior religião do mundo; e que sim, é possível ser religioso sem ser proselitista. Hoje porém não pude entabular nada disso. Ao voltar do supermercado, um ser humano veio até a mim na rua e perguntou:

Você sabe o Je suis Charlie? Sim, eu conheço – Respondi

Você é terrorista? – Zurrou ele”.
Na semana do Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa,  a discussão sobre o assunto rebate em diferentes crenças, pensamentos e no cotidiano  das pessoas
O depoimento é do estudante de história da UFRN Jamal  Singh e um dos únicos em Natal pertencente à religião Sikh, uma das mais fortes do mundo e pouco conhecida no Brasil. Fundada no final do século XV entre o Paquistão e a Índia, a religião tem como um dos princípios a não idolatria. Com seu turbante branco, barba, cabelos grandes e trazendo no braço sua Kara (pulseira que representa sem começo e sem fim), Jamal conta que já sofreu diferentes tipos de olhares nas ruas, principalmente depois do atentado. Quando sua busca pelo sikh ou siquismo começou, um dos primeiros conflitos que precisou enfrentar foi  dentro de casa. Sua mãe, evangélica da Assembléia de Deus e o avô Pai de Santo, imprimiram em sua cabeça um respeito às diferenças, que o fez escrever uma longa carta pensada por meses para que a mãe compreendesse sua escolha. “Cresci numa escola católica, o que me fez não querer escolher a religião e quando encontrei o Sikh foi como um encontro forte com tudo o que acredito”, disse Jamal.

#SAIBAMAIS#Essa intolerância sentida na pele diariamente por Jamal fere a Constituição da República do Brasil que em seu art. 5º, inciso VI, dispõe que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.  Ainda de acordo com a Constituição, a liberdade de consciência pode orientar-se tanto no sentido de não admitir crença alguma (o que ocorre com os ateus e os agnósticos, por exemplo), quanto também pode resultar na adesão a determinados valores morais e espirituais que não se confundem com nenhuma religião, tal como se verifica em alguns movimentos pacifistas que, apesar de defenderem a paz, não implicam qualquer fé religiosa.

Entende-se por estado laico “o que estabelece a mais completa separação entre a Igreja e o Estado, vedando qualquer tipo de aliança entre ambos”. No Estado teocrático, o poder religioso e o poder político se fundem (exemplo: Irã), enquanto no Estado confessional existem vínculos jurídicos entre o Poder Político e uma Religião (exemplo: Brasil-Império, cuja religião oficial era a católica).

A constituição no Brasil com essa escritura, existe desde a época da república, mas de lá para cá nem muita coisa mudou. O país ainda é de predominância católica e no último Censo do IBGE de 2010, os evangélicos subiram no gráfico. (ver infográfico na página 3). O respeito entre as religiões começa a ser violado, no Brasil, a partir dos índios. Basta lermos um trecho da carta de Pedro Vaz Caminha que diz “E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles (os índios) se levantaram conosco e alçaram as mãos,

ficando assim, até ser acabado: e então tornaram- se a assentar como nós… e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção.” (Carta de Caminha a El-Rei, 1º de maio de 1500).

A devoção, a crença, a fé é particular e deve ser de cada um, sem ser imposta. De acordo com o cientista social Orivaldo Pimentel, professor das cadeiras de Religião e Religiosidade do Doutorado em Ciências Sociais, a intolerância tem sua complexida.

“Participei há uma semana de um encontro sobre Tolerância Religiosa aqui em Pádua, Itália. Muita coisa foi dita, mas a sensação que eu tive é de que hoje, aqui na Europa, a questão da tolerância religiosa esbarra no clima de intolerância com o imigrante.  São essas pessoas diferentes que trazem costumes e religiões diferentes”. A rejeição é contra o pacote todo. No Brasil tem um pouco disso também. As religiões intoleráveis são aquelas que pessoas intoleráveis adotam. Se os europeus aceitassem os imigrantes, teriam mais tolerância religiosa. Se os brasileiros que se acham majoritários, por terem uma religião de maioria, terem a cor da pele da maioria, e terem os costumes da maioria aceitassem aqueles que não são como eles, teriam mais tolerância religiosa”, disse.

Ele lembra do sofrimento passado de geração em geração de sua própria religião. “Sou quarta geração de uma família de longa tradição protestante, batista. Meus pais, avós e minha bisavó sofreram muita perseguição religiosa. Templos evangélicos foram apedrejados e queimados. Pregadores foram apedrejados e presos. Mas hoje é diferente: os evangélicos incorporaram o discurso de maioria, e é a vez deles agora serem intolerantes. Que absurdo! Quem sofreu na própria pele, como pode adotar a mesma atitude de que foi vítima?!”, Indaga.

A busca por explicações vão além de séculos e gerações. Para ampliar a discussão e o pensamento sobre isso, convidamos além do Jamal da religião Shik, a Mãe Isa (Candomblé), Bianca Maggi (espírita), Jayro Kaillo (Pastor e diretor do Departamento de Evangelização e Missões da Assembléia de Deus), Adilson da Silva (Diácono da Igreja Católica), Osvaldo Oliveira (budista) e Mário Rasec (Ateu). Conversamos sobre quem é Deus para cada um deles, o que eles pensam sobre intolerância religiosa e se existe alguma possibilidade de mudança para o futuro nessa questão. Além do vídeo (pode  ser acessado pelo site da TRIBUNA DO NORTE), os depoimentos podem ser lidos na página 3.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas